Agência afirma ter dificuldade para encontrar atores negros e bonitos para série brasileira

Agência que procurava atores para as filmagens de 3%, primeira série produzida pelo Neflix no Brasil, destacava no email de seleção: "... o ideal seria ter um ator negro e muito bonito, mas conscientes do grau de dificuldade, faremos teste também com os bons atores, lindos, que não sejam negros."

Com 1.893 pessoas, uma agência de modelos, em São Paulo, reúne apenas 0,04% de pessoas que se declaram negras em seu catálogo. Apesar disso, a +ADD Casting faz questão de reiterar, por meio de nota oficial, sua história e trajetória sempre focada na democracia – após se envolver em um episódio de racismo.

Tudo começou quando a produtora Boutique Filmes, que trabalha nos bastidores de 3%, primeira série nacional assinada pelo Netflix, contratou a agência +ADD em busca de atores negros.

No texto de convocação dos atores, a empresa escreveu: “Precisamos de um ator jovem, na faixa dos 20/25 anos, muito bonito. A direção gostaria que ele fosse negro, então o ideal seria ter um ator negro e muito bonito, mas conscientes do grau de dificuldade, faremos teste também com os bons atores, lindos, que não sejam negros.”

Em julho deste ano, a modelo Nykhor Paul, 25 anos, do Sudão do Sul, denunciou o racismo nas passarelas em publicação nas redes sociais
Em julho deste ano, a modelo Nykhor Paul, 25 anos, do Sudão do Sul, denunciou o racismo nas passarelas em publicação nas redes sociais

A declaração, que não deixa dúvidas sobre o teor preconceituoso do conteúdo, foi rapidamente repudiado pelas duas empresas envolvidas no episódio que mais uma vez reforça o caráter racista de diferentes setores da sociedade brasileira:

“O email sobre o teste de elenco de ‘3%’ foi enviado sem o conhecimento ou aprovação da Netflix, e contradiz tudo em que acreditamos. Junto à Boutique Filmes, estamos trabalhando para tomar as devidas providências, e lamentamos o que aconteceu.”, justificou a empresa Netflix.

Enquanto a Boutique Films reafirmou o desconhecimento do conteúdo escrito pela agência. “Como produtora responsável pela série ‘3%’, estamos chocados com o e-mail enviado pela empresa terceirizada produtora de casting. A linguagem usada no e-mail é inaceitável e nunca foi aprovada por nós. O texto não representa nossa visão como empresa. Também não representa o espírito da série ou a orientação de casting, que busca retratar a diversidade da população brasileira.”

A agência nega qualquer manifestação de cunho racista e, em nota, justificou o injustificável:

A +ADD Casting, empresa que produz elenco para projetos audiovisuais, ao longo de sua história e trajetória sempre focou numa seleção de elenco democrática, que se utiliza inclusive das redes sociais para tornar acessível um número cada vez maior de
participantes, vem à público, prestar esclarecimentos, quanto ao e-mail que circula pela internet, com conteúdo supostamente racista.
A +ADD Casting diariamente está à procura de pessoas talentosas e vocacionadas à produção artística e, para isso, mantém canal aberto com todas as pessoas e instituições para encontrar pessoas com esse perfil, cujo critério de seleção é exclusivamente
artístico.

Atualmente contamos com um cadastro que reúne 1.893 (hum mil, oitocentos e noventa e três) perfis, com pessoas de todas as etnias, credos, gêneros e biótipos. No entanto, infelizmente, nosso casting é composto de apenas 0,04% (quatro
centésimos) de pessoas que se declaram com o perfil negro, o que dificulta de sobremaneira a seleção de elenco.
O mesmo ocorre quando temos que selecionar pessoas com perfil oriental, que corresponde um pouco mais que 0,01 (um centésimo) das pessoas cadastradas.

Portanto, a dificuldade a que nos referíamos estava relacionada à quantidade de pessoas com o perfil a ser selecionado.
Daí a necessidade, inclusive de se buscar pessoas em diversos locais e a intenção do e-mail, mal interpretado, em trazer um número maior de pessoas negras à seleção de elenco.

Nossa proposta inicial, conforme pode se verificar, inclusive, do correio eletrônico que distribuímos a diversas agências, era o de contar com um elenco aberto, com pessoas de todos os tipos, mas com uma qualidade essencial, que fossem “excelentes atores
(desconhecidos, ou não)”. Na busca desse ator(a) ideal, entramos em contato não apenas com as agências de atores, já que tínhamos (e temos) a proposta de buscar talentos de forma democrática, espalhamos convites e e-mail a diversas pessoas e instituições.

No referido e-mail, informamos que estávamos com dificuldade em encontrar o perfil desejado, tendo em vistas as circunstâncias acima descritas. É do conhecimento de todos, sobretudo daqueles que trabalham ou já trabalharam conosco, que não temos e nunca tivemos qualquer tratamento preconceituoso com qualquer pessoa.

Ao contrário, sempre estimulamos a participação democrática de todas as pessoas, analisando e respondendo aos seus pedidos, ou seja, nunca tratamos com indiferença, nem muito menos com menosprezo, pois sempre levamos em conta a condição humana
daqueles que trabalham conosco.

Lamentamos que o referido e-mail tenha circulado pelas redes sociais e internet, acompanhado da ideia de que esta empresa é preconceituosa, pois o problema foi de má colocação das palavras e não de intenção ou de prática preconceituosas.

Mais uma vez reiteramos que a proposta da +ADD Casting era a de garantir a participação de todas as pessoas interessadas em participar da produção, inclusive ao abrir espaço para pessoas não cadastradas em agências.

Assim, pedimos desculpas a todas as pessoas que se sentiram ofendidas, uma vez que não tivemos a intenção de postar qualquer mensagem de cunho preconceituoso. Pessoalmente, todos que nos conhecem, sabem da luta que travamos contra o
preconceito – e não se trata apenas de discurso vazio.

Por isso, nos sentimos tão mal com a repercussão negativa da referida mensagem,  sobretudo por refletir exatamente o contrário daquilo que pensamos e fazemos e reiteramos as desculpas às pessoas que se sentiram ofendidas. A luta contra todas as
formas de descriminação é para nós uma prática e uma defesa cotidiana.