O dia é 5 de novembro de 2015. Os rejeitos de minério rompem as paredes da barragem de Fundão. Massa colossal, em pouco tempo ela alcança o distrito de Bento Rodrigues, reduzindo-o a ruínas.
Depois, segue seu curso de destruição e leva consigo Paracatu de Baixo – tal como o distrito anterior, pertencente a Mariana (MG) – antes de chegar ao rio Gualaxo do Norte. Agora, a lama mistura-se às águas, suga sua vida e fatalmente encontra-se com o rio Doce. Amplia sua rota mortal, avança em direção ao Oceano Atlântico.
Casa da comunidade indígena Krenak, que teve a rotina destruída após a tragédia provocada pela Samarco
Distante 250 km da barragem, a comunidade Krenak avista a avalanche marrom que se sobrepõe às águas do Doce. Vagarosa e cruelmente, a lama de rejeitos aproxima-se do território indígena – momento esperado, porém jamais desejado, desde a notícia do rompimento de Fundão.
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Os Krenak se reúnem na praia de sua aldeia para dizer adeus ao Uatu, o rio que consideravam um ente querido. “O Doce está morto”, lamentam alguns.
A comunidade indígena, que sofreu repetidos episódios de perseguição e extermínio desde o período colonial brasileiro até a ditadura militar (1964-1985), teve novamente sua existência ameaçada com o crime ambiental. Vivendo à beira do rio, os Krenak abandonaram de forma forçada atividades sociais, culturais e econômicas após a contaminação do Doce.
Mesmo indenizados pela Samarco – empresa controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton – os índios sofrem com os danos colaterais das soluções encontradas pela mineradora para diversos problemas.
Em janeiro deste ano, os jornalistas Lara Santos e Paulo Galvão foram até a aldeia e realizaram um ensaio fotográfico que retrata os impactos do desastre para o povo Krenak. Confira abaixo parte do resultado:
Em novembro de 2015, os rejeitos de minério da Samarco invadiram o rio Doce, estendendo seus danos por centenas de quilômetros até o oceano Atlântico. Na imagem, trecho do rio entre Colatina e Baixo Guandu, no Espírito Santo. Após a tragédia, as águas adquiriram uma tonalidade marrom e uma aparência turva, acentuadas quando chove e a lama – que ficou depositada no fundo do rio – volta à superfície
Os 34 milhões de metros cúbicos de rejeitos lançados no meio ambiente pela Samarco* deixaram um rastro de destruição por onde passaram. A cadeira tombada à beira do rio é o retrato de que nada ficou no lugar após a passagem da lama. *Segundo laudo técnico do Ibama publicado em novembro de 2015
Entre as muitas vítimas do crime ambiental estão os integrantes da comunidade indígena Krenak, que usavam o rio Doce como fonte de renda. Zezão, por exemplo, tinha a pesca como sustento, mas a lama tóxica não só matou a maioria dos peixes, como impossibilitou o consumo daqueles que sobraram. O ex-pescador ainda é pago pela prefeitura para realizar travessias de uma margem do rio à outra, ainda que os passageiros tenham diminuído após o desastre
À beira do rio Eme, afluente do Doce, a carcaça de um cascudo jaz sob o sol escaldante. O peixe era um dos que compunham a dieta dos Krenak antes do desastre. Mesmo após a passagem da lama, alguns Krenak ainda arriscam a pesca do animal em afluentes do Doce; a maioria, no entanto, é mais prudente e limita à memória o sabor do peixe
De acordo com relatório do Ibama, cerca de 400 espécies diferentes de seres vivos podem ter sido impactadas com a tragédia ambiental. Acima, a pele ferida de um cachorro de uma das famílias Krenak mostra as consequências da contaminação do Doce. Muitos animais domésticos da comunidade costumavam caçar e tomar banho na água do rio
O menino Guilherme toma banho com água trazida por caminhões-pipa, que enchem as caixas d'água das casas na comunidade. Integrantes da aldeia relatam um forte cheiro de cloro na água enviada pela Samarco ¬– o uso desta provocou alergias e irritações na pele de muitas crianças. Alguns pais optam por banhar seus filhos com água mineral engarrafada
As empresas responsáveis pelo desastre fornecem água potável para a comunidade por meio de caminhões-pipa. Os Krenak relatam que o excesso dos veículos acarretou problemas respiratórios para os moradores, devido à poeira que levantam. Além disso, salientam a sensação de insegurança causada pela presença de estranhos dentro do território indígena que, normalmente, só pode ser acessado com autorização da Funai
Além do forte cheiro de cloro, a comunidade denuncia a coloração esverdeada da água fornecida pela Samarco. Na imagem, motorista do caminhão-pipa enche caixa d’água na casa de uma família Krenak – cenas como esta acontecem diariamente na aldeia
Além dos caminhões-pipa, também é distribuída água mineral em garrafas PET. As embalagens, no entanto, acabam gerando muito lixo na comunidade, pois alguns Krenak nunca lidaram com quantidades tão grandes de embalagens e garrafas plásticas, e não sabem descartá-las de maneira apropriada
Amanda, de 22 anos, passou a infância e a adolescência nadando no rio Doce. Na imagem, a jovem observa o rio Eme, um dos afluentes do Doce, que também foi afetado pela lama tóxica