Ativistas fazem viagem de bike para registrar impactos ambientais

O projeto Ciclimáticos já pedalou cerca de 500 km e planeja outros trajetos em 2019

A expedição esteve no Paraná, São Paulo e Distrito Federal
Créditos: Reprodução / Instagram
A expedição esteve no Paraná, São Paulo e Distrito Federal

Quatro amigos ativistas, bicicletas, câmeras de celular e cadernos de anotação foram o ponto de partida para a criação do projeto Ciclimáticos, que percorre comunidades pelo Brasil para registrar os impactos das mudanças climáticas. Desde o início da viagem, já foram pedalados cerca de 500 km no Paraná, São Paulo e Distrito Federal.

João Henrique Cerqueira, Paloma Costa, Igor Vieira e Catharine Novacovski começaram a ação com o objetivo de conhecer pessoais reais para entender como elas estão se adaptando nessas áreas e lutando em defesa do território.

“Somos ativistas pelo clima há anos e entendemos que uma forma de despertar empatia por essa questão seria documentando as histórias de quem já está sofrendo com isso. Para não contribuir na intensificação desse fenômeno, decidimos fazer todos os deslocamentos necessários de bicicleta — sem emitir CO2 com a queima de combustíveis fósseis no caminho”, afirma o cicloativista João Henrique.

Segundo o idealizador da iniciativa, o que eles buscam por essência nessa viagem de bike é contar histórias de todos os cantos do país. “Conhecendo territórios, conflitos, culturas, entendendo como as pessoas estão se adaptando e por fim levar todas essas narrativas para os lugares onde decisões sobre mudanças do clima são tomadas – como as conferências de clima da ONU e espaços subnacionais de governança”, conta.

O ativista ressalta que cada território visitado sente efeitos específicos e que os impactos climáticos são intensificados por outros fatores ambientais em desequilíbrio, como o desmatamento e a poluição. “Na cidade que fica à margem do sistema Cantareira vimos o quanto a mudança na precipitação coloca em risco o abastecimento de água do Estado mais populoso do país”, exemplifica.

“Nas comunidades tradicionais do litoral paranaense vimos os alagamentos desalojando comunidades inteiras, a erosão na Costa das ilhas ameaçando as construções que estão na linha do mar e a diminuição das espécies marinhas que eram pescadas gerar intensas mudanças nas dinâmicas sociais que existiram por anos. No Cerrado, vimos as ondas de calor destruindo plantações e um preparo imenso para evitar queimadas intensas como as que aconteceram na região nos últimos anos”, completa.

O grupo já tem planos para as próximas viagens: o território quilombola no Vale do Ribeira, a região com termelétricas no Sul do Rio Grande do Sul, as cidades dizimadas pelas barragens em Minas Gerais e o parque do Xingu. “Queremos pedalar em todos os biomas Brasileiros e fazer ao menos 3 mil km em 2019”, finaliza João Henrique.

Acompanhe mais sobre o projeto no Instagram.

Confira as histórias relatadas pelo grupo:

Essas três histórias ilustram que quando falamos sobre mudanças do clima, falamos acima de tudo sobre pessoas. Pessoas reais. Gente que constrói esse país através da história. Gente que está vivendo conflitos territoriais e anseios, mas que carrega consigo alegrias, orgulhos, paixões e um propósito. Como todos nós. Os cenários são alarmantes, mas ainda há tempo. O tempo é de se se mobilizar como sociedade agora e garantir uma transição nos diferentes setores das nossas economias para evitar os piores resultados das mudanças do clima. Essas histórias coexistem nesse cenário global onde os governos estão atrasando a ação necessária e é preciso se inspirar nessas pessoas, nessas pessoas comuns como nós que estão fazendo como podem as transformações que precisam em suas comunidades e, sem nem perceber, estão revolucionando positivamente o mundo.

Nazaré Paulista, São Paulo
Créditos: Reprodução / Instagram
Nazaré Paulista, São Paulo

Reflorestamento na represa

Dona Edite estava fazendo contas sentada na varanda de sua casa rodeada por boletos e carnês. Com o olhar meio desconfiado, aceitou contar pra nossa equipe como foram os últimos anos morando às margens de uma represa parte do sistema Cantareira, em Nazaré Paulista, a cerca de 40km da Capital do Estado de São Paulo. A cidade pequena de rotina pacata foi um dos focos da maior crise hídrica da história recente do país. Os mananciais da represa são responsáveis pelo abastecimento de cerca de 8,8 milhões de pessoas e em 2014 os reservatórios atingiram o nível de aproximadamente de 2,9% de sua capacidade, levando ao colapso o abastecimento do Estado mais populoso do país.

Os anos que antecederam a crise foram marcados por taxas atipicamente menores no regime de chuvas. Isso dona Edite lembra bem… vivendo nas margens da represa há mais de 50 anos nunca havia visto uma situação tão crítica quanto aquela que se tornou uma rotina durante os meses da crise. “É muito triste porque a gente depende da água da represa pra viver e aqui a gente sabe primeiro que vai faltar lá em baixo, em São Paulo”. Ela olha bem pra represa, aponta até onde a água costumava chegar décadas atrás e deixa a todos impressionados com a distância do recuo da água, que ainda permanece em níveis baixos mesmo depois do fim da crise.

Para quem mora nessa região, os poços artesianos secando são o primeiro sinal de que mais uma vez o abastecimento de água pode entrar em colapso. Dona Edite apontou várias mudas de árvores empilhadas em um canto do seu quintal, ela está fazendo o plantio de espécies nativas nas margens da represa em seu lote e no de seu filho, que também mora na região. “A gente sabe que ainda é pouco, mas precisa ter árvore na margem senão isso [a crise hídrica] vai continuar acontecendo já que o governo não fez nada”. Terminamos a conversa com Dona Edite dando risadas com a história de um dos seus patos que comia pregos de ferro.

Aldeia Guarani, Pontal do Paraná
Créditos: Reprodução / Instagram
Aldeia Guarani, Pontal do Paraná

Painéis Solares na Aldeia

O segundo destino foi a aldeia Guavira Ty. Para chegar lá foi preciso pedalar entre fazendas imensas, rasgando uma estrada de chão que dá acesso a essa terra indígena guarani em Pontal do Paraná, região litorânea do Estado. Paulo e Sueli já estavam esperando nossa equipe para uma conversa rápida do lado de suas casas. As famílias do povo Guarani Mbya que estão alí passaram gerações migrando entre outras aldeias no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná até conseguirem a permissão para se assentar naquela terra há cerca de 7 anos.

Nesse tempo conseguiram construir casas e outras estruturas da comunidade, mas encontraram um problema imenso e sem solução: o solo. “A terra aqui é de areia e não dá pra roçar milho e mandioca que são roçadas Guarani, por isso a gente precisa vender o artesanato pra trazer a comida de fora”. Apesar de não poder manifestar por uma limitação ambiental essa importante parte da cultura Guarani, a segurança de estar assentados em uma terra já é muito mais do que grande parte de seus parentes pode contar no Brasil de 2019. As galinhas passam ciscando tranquilamente por aquela reunião improvisada, sentia-se a diferença de conforto climático proporcionado pelas árvores dentro da aldeia em oposição aos grandes latifúndios desérticos que marcam o caminho até lá.

Em um país onde a maior parte das emissões de gases do efeito estufa são originadas no desmatamento, as terras indígenas são os imóveis rurais com a menor taxa de supressão vegetal. Legitimar a posse de terras aos povos originários pode ser uma ótima estratégia para impedir o avanço de pressões externas sobre a floresta, além de encaminhar uma questão histórica mal resolvida. Diferente da maior parte dos casos, Paulo e Sueli dizem que não tiveram conflitos com os vizinhos latifundiários ou com representantes do poder público desde que estão ali.

Ao contrário, o Estado fez parcerias com a aldeia e instalou painéis solares para que a energia utilizada ali fosse totalmente renovável. “A gente reza pra Nhanderu-Tupã que continue cuidando da gente e ele cuida […], o que a gente pode fazer é continuar acreditando”, Paulo finaliza com calma quando perguntado sobre a ascensão ao poder de políticos de extrema direita (e abertamente anti-indigenistas) nos últimos anos.

Assentamento Pequeno Willian, Planaltina, Distrito Federal
Créditos: Reprodução / Instagram
Assentamento Pequeno Willian, Planaltina, Distrito Federal

Agroecologia no Cerrado

A impressão que ficou é que nossa equipe atrapalhou o trabalho da Iraíza naquela tarde. Era dia de semana e ela e sua família precisavam embalar algumas centenas de vegetais que seriam entregues a vários mercados na manhã do dia seguinte. Ainda assim, aceitamos o convite e ficamos sentados na área da casa enquanto ela, a liderança do assentamento, seu pai e seu irmão não paravam de trabalhar limpando, pesando e embalando aqueles alimentos.

A pedalada foi dura até o Assentamento da reforma agrária Pequeno Willian, que fica a 40 km de distância de Brasília na região rural de Planaltina. O lugar recebeu esse nome pois quando as famílias não possuíam a posse das terras, viviam acampadas na região. Uma criança, o menino Willian, de dois anos na época, faleceu após beber água do manancial contaminada por agrotóxicos. Anos depois, o assentamento parece um oásis de Cerrado em meio às imensas monoculturas de soja que parecem cobrir toda aquela região. Mas não era assim, contou Iraíza que, quando eles chegaram, o terreno inteiro era um grande pasto abandonado e quase nada crescia.

O bioma Cerrado passou nos últimos anos por um processo intenso de exploração e grande parte do Sertão original já não existe mais. Apesar disso, as famílias que estão ali cultivam metade da terra em plantios totalmente agroecológicos e a outra metade estão deixando para restauração desse bioma plantando apenas espécies nativas. “A única coisa que a gente quer é o direito de plantar, colher e vender as coisas tudo sem usar veneno nenhum”, conta a liderança com um tremendo sorriso de orgulho no rosto.

A escolha pela agroecologia é uma diretriz do movimento dos sem-terra que não só é responsável por produzir alimentos de qualidade sem o manejo e contaminação por agrotóxicos, mas também por manter níveis de produção satisfatórios apesar das oscilações ambientais cada vez mais intensas. “Aqui a gente sente literalmente na pele, quem começa a trabalhar quando o Sol nasce e não para depois que ele se põe sabe que o tempo tá cada ano mais difícil. Tem dia que não dá nem vontade de plantar com esse calor…quer ver agricultor feliz é cair pelo menos uma chuvinha pra refrescar. Pelo menos na agroecologia é muito diverso. Se perde uma coisa por causa do clima outra ainda vai produzir, você tem que ver meu milho como tá lindo, tá todo amarelo”.

O canteiro não deixa a Iraíza mentir. Espécies de hortaliças se misturam com árvores frutíferas, ervas medicinais e temperos. Algumas plantas do Cerrado também estão ali e toda essa abundância já abastece muitos mercados na região. O próximo objetivo é conseguir a licitação para produzir pra merenda de escolas. “A gente quer é plantar pras crianças mesmo”. Finaliza Iraíza com esperança.