Os direitos e os deveres das pessoas que vivem com HIV no Brasil
Todas as pessoas estão sujeitas a serem infectadas pelo HIV, independentemente de gênero, classe social, cor, idade ou orientação sexual
Há mais de 40 anos, quando o primeiro caso da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids, sigla em inglês) foi confirmado, ter HIV era visto como uma sentença de morte. Hoje, com o avanço das pesquisas e dos medicamentos, as pessoas infectadas conseguem levar uma vida normal, com novos direitos e deveres.
Um caso recente chamou a atenção sobre as leis envolvendo a questão. Na manhã da última segunda-feira, 21, a Polícia Civil prendeu um homem de 37 anos sob suspeita de transmitir propositalmente HIV para mulheres em Goiás. Até agora, foram oito denúncias, com três testes positivos confirmados.
A transmissão intencional e consciente de HIV é crime. O anonimato, por sua vez, é um direito de quem convive com o vírus.
Conforme decidido pelo STF e pelo STJ, a transmissão dolosa de vírus, desde que adequada ao conceito de enfermidade incurável, implica em lesão corporal de natureza gravíssima, punível com reclusão de dois a oito anos.
Se o agente de transmissão não sabe que possui doença e a transmite, seja no caso do HIV ou de qualquer outro agente patológico, ele não pode, por ignorar a sua condição, ser responsabilizado criminalmente.
A foto do suspeito de Goiás, nesse caso, foi divulgada para que outras vítimas pudessem procurar a delegacia, com respaldo na lei nº 13.869 e portaria nº 02/2020-PCGO. No entanto, é crime expor alguém portador do vírus.
Desde 1996, existem políticas públicas de amparo e tratamento dos portadores de HIV no Brasil. O primeiro direito é a de que, submetido a exames ou a outros procedimentos médicos, a condição de infectado não seja revelada.
Querer revelar as próprias condições de saúde ou falar abertamente sobre o tema é uma escolha pessoal. Ao saber que está com HIV, porém, é um dever importante tomar precauções para evitar a transmissão e considerar comunicar o fato a parceiros.
Os seguintes exemplos ajudam a explicar essa questão do anonimato: X sabe que vive com HIV e começa um relacionamento, mas não conta ao novo parceiro. Se for infectado, o parceiro poderá alegar ter sido vítima de lesão corporal de natureza gravíssima e o caso acabar na Justiça.
Mas o anonimato também é um direito, amparado pela constituição e fundamentado no princípio da dignidade da pessoa humana. Sendo assim, se X contar que é portador de HIV ao parceiro, este último não poderá divulgar o caso e expor X. Caso o faça, também estará cometendo um crime.
Direitos dos portadores de HIV
A lei 12.984, de 2 junho de 2014, assinada pela então presidenta da República, Dilma Rousseff, define o crime de discriminação dos portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e dos doentes de síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids). Veja:
Art. 1º Constitui crime punível com reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, as seguintes condutas discriminatórias contra o portador do HIV e o doente de aids, em razão da sua condição de portador ou de doente:
I – recusar, procrastinar, cancelar ou segregar a inscrição ou impedir que permaneça como aluno em creche ou estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado;
II – negar emprego ou trabalho;
III – exonerar ou demitir de seu cargo ou emprego;
IV – segregar no ambiente de trabalho ou escolar;
V – divulgar a condição do portador do HIV ou de doente de aids, com intuito de ofender-lhe a dignidade;
VI – recusar ou retardar atendimento de saúde.
Para admissão e demissão no emprego, não pode haver exame obrigatório de HIV.
No caso de incapacidade temporária para o trabalho, a pessoa segurada do INSS tem direito ao auxílio-doença. E em caso de incapacidade permanente, elas também têm direito de solicitarem aposentadoria por invalidez, sendo necessário se submeter a perícia.
A lei 14.289/22, por sua vez, obriga a preservação do sigilo sobre a condição de pessoa infectada pelos vírus da imunodeficiência humana (HIV), hepatites crônicas (HBV e HCV) e de hanseníase e tuberculose.
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) presume discriminatória demitir empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que gere estigma ou preconceito. A presunção, no entanto, não é absoluta. Existem inúmeros casos de demissões do gênero com sentenças diferentes.
No município de São Paulo, o transporte de ônibus é gratuito para quem tem HIV. Como a legislação é municipal, moradores de outras localidades devem buscar informações na secretaria responsável.
Prevenção, teste e tratamento
A conscientização do uso de preservativos, o aumento do rigor nos testes de sangue e os medicamentos que, apesar de não curar, dão condições de vida a quem foi infectado com o HIV foram cruciais para estabilizar os casos de Aids no planeta.
De 2000 a 2019, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), novas infecções pelo HIV caíram 39%, e as mortes relacionadas ao vírus foram reduzidas à metade.
No Brasil a situação é diferente: o número de casos registrados entre 2010 e 2018 de infecção por HIV, de acordo com o Unaids, a agência especial da ONU, apresentou 21% de aumento. A média do resto do mundo no mesmo período registrou uma queda de 16%.
O número é tão relevante que a América Latina teve 7% de aumento graças ao Brasil. Sem os brasileiros, a região teria registrado queda de 5% nos novos casos.
Conforme levantamento do Ministério da Saúde, entre 2006 e 2016, a taxa de detecção de casos dobrou entre os homens de 20 a 24 anos e quase triplicou entre 15 e 19 anos.
Estudo publicado em maio de 2021 no Lancet HIV, um dos periódicos médicos mais importantes do mundo, mostrou que, na América Latina, a estimativa de vida de um infectado aos 20 anos passou de 31 anos para 69,5 anos.
A Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP) e a Profilaxia Pós-Exposição (PEP) são fundamentais no controle da transmissão do HIV.
No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, mais de 694 mil pessoas estão em tratamento. Das que se tratam, 95% não transmitem o HIV por via sexual por ser indetectável. Todos os que têm Aids possuem o HIV, mas ter HIV não significa ter Aids. A condição só é caracterizada quando o vírus afeta drasticamente o sistema imunológico, deixando a pessoa suscetível a infecções de outras doenças.
A Profilaxia Pós-exposição (PEP) é um tratamento realizado apenas sob prescrição médica. Dura 28 dias e já comprovou eficiência para evitar a infecção em até 72 horas após relação sexual de risco.
Usada para reduzir o risco de aquisição do HIV através de relações sexuais, a Profilaxia Pré-exposição (PrEP) é um medicamento antirretroviral empregado como estratégia de prevenção, por bloquear o ciclo do vírus. Nenhum deles substitui o uso de preservativo.
Vale lembrar que não se pega HIV com beijo, aperto de mão ou abraço, nem por compartilhar sabonete, toalha, lençóis, talheres e copos ou pelo contato com suor e lágrima.
Caso queira fazer um teste, no Brasil, estão disponíveis os exames laboratoriais e os testes rápidos, que ficam prontos em 30 minutos e são feitos com uma gota de sangue ou com fluido oral. Saber que possui o HIV é importante para buscar rapidamente pelo tratamento, o que representa aumento da qualidade de vida.