Os direitos e os deveres das pessoas que vivem com HIV no Brasil

Todas as pessoas estão sujeitas a serem infectadas pelo HIV, independentemente de gênero, classe social, cor, idade ou orientação sexual

23/03/2022 13:41 / Atualizado em 17/06/2022 14:09

Há mais de 40 anos, quando o primeiro caso da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids, sigla em inglês) foi confirmado, ter HIV era visto como uma sentença de morte. Hoje, com o avanço das pesquisas e dos medicamentos, as pessoas infectadas conseguem levar uma vida normal, com novos direitos e deveres.

Um caso recente chamou a atenção sobre as leis envolvendo a questão. Na manhã da última segunda-feira, 21, a Polícia Civil prendeu um homem de 37 anos sob suspeita de transmitir propositalmente HIV para mulheres em Goiás. Até agora, foram oito denúncias, com três testes positivos confirmados.

A transmissão intencional e consciente de HIV é crime. O anonimato, por sua vez, é um direito de quem convive com o vírus.

Conheça direitos e deveres de quem vive com HIV no Brasil
Conheça direitos e deveres de quem vive com HIV no Brasil - Tânia Rêgo/Agência Brasil

Conforme decidido pelo STF e pelo STJ, a transmissão dolosa de vírus, desde que adequada ao conceito de enfermidade incurável, implica em lesão corporal de natureza gravíssima, punível com reclusão de dois a oito anos.

Se o agente de transmissão não sabe que possui doença e a transmite, seja no caso do HIV ou de qualquer outro agente patológico, ele não pode, por ignorar a sua condição, ser responsabilizado criminalmente.

A foto do suspeito de Goiás, nesse caso, foi divulgada para que outras vítimas pudessem procurar a delegacia, com respaldo na lei nº 13.869 e portaria nº 02/2020-PCGO. No entanto, é crime expor alguém portador do vírus.

Desde 1996, existem políticas públicas de amparo e tratamento dos portadores de HIV no Brasil. O primeiro direito é a de que, submetido a exames ou a outros procedimentos médicos, a condição de infectado não seja revelada.

Querer revelar as próprias condições de saúde ou falar abertamente sobre o tema é uma escolha pessoal. Ao saber que está com HIV, porém, é um dever importante tomar precauções para evitar a transmissão e considerar comunicar o fato a parceiros.

Os seguintes exemplos ajudam a explicar essa questão do anonimato: X sabe que vive com HIV e começa um relacionamento, mas não conta ao novo parceiro. Se for infectado, o parceiro poderá alegar ter sido vítima de lesão corporal de natureza gravíssima e o caso acabar na Justiça.

Mas o anonimato também é um direito, amparado pela constituição e fundamentado no princípio da dignidade da pessoa humana. Sendo assim, se X contar que é portador de HIV ao parceiro, este último não poderá divulgar o caso e expor X. Caso o faça, também estará cometendo um crime.

Direitos dos portadores de HIV

Mutirão de testagem rápida de HIV, no Pátio do Colégio, em São Paulo
Mutirão de testagem rápida de HIV, no Pátio do Colégio, em São Paulo - Rovena Rosa/Agência Brasil

A lei 12.984, de 2 junho de 2014, assinada pela então presidenta da República, Dilma Rousseff, define o crime de discriminação dos portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e dos doentes de síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids). Veja:


Art. 1º Constitui crime punível com reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, as seguintes condutas discriminatórias contra o portador do HIV e o doente de aids, em razão da sua condição de portador ou de doente:

I – recusar, procrastinar, cancelar ou segregar a inscrição ou impedir que permaneça como aluno em creche ou estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado;

II – negar emprego ou trabalho;

III – exonerar ou demitir de seu cargo ou emprego;

IV – segregar no ambiente de trabalho ou escolar;

V – divulgar a condição do portador do HIV ou de doente de aids, com intuito de ofender-lhe a dignidade;

VI – recusar ou retardar atendimento de saúde.

Para admissão e demissão no emprego, não pode haver exame obrigatório de HIV.

No caso de incapacidade temporária para o trabalho, a pessoa segurada do INSS tem direito ao auxílio-doença. E em caso de incapacidade permanente, elas também têm direito de solicitarem aposentadoria por invalidez, sendo necessário se submeter a perícia.

A lei 14.289/22, por sua vez, obriga a preservação do sigilo sobre a condição de pessoa infectada pelos vírus da imunodeficiência humana (HIV), hepatites crônicas (HBV e HCV) e de hanseníase e tuberculose.

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) presume discriminatória demitir empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que gere estigma ou preconceito. A presunção, no entanto, não é absoluta. Existem inúmeros casos de demissões do gênero com sentenças diferentes.

No município de São Paulo, o transporte de ônibus é gratuito para quem tem HIV. Como a legislação é municipal, moradores de outras localidades devem buscar informações na secretaria responsável.


Prevenção, teste e tratamento

No Brasil, estão disponíveis os exames laboratoriais e os testes rápidos
No Brasil, estão disponíveis os exames laboratoriais e os testes rápidos - Marcello Casal Jr/Agência Brasil

A conscientização do uso de preservativos, o aumento do rigor nos testes de sangue e os medicamentos que, apesar de não curar, dão condições de vida a quem foi infectado com o HIV foram cruciais para estabilizar os casos de Aids no planeta.

De 2000 a 2019, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), novas infecções pelo HIV caíram 39%, e as mortes relacionadas ao vírus foram reduzidas à metade.

No Brasil a situação é diferente: o número de casos registrados entre 2010 e 2018 de infecção por HIV, de acordo com o Unaids, a agência especial da ONU, apresentou 21% de aumento. A média do resto do mundo no mesmo período registrou uma queda de 16%.

O número é tão relevante que a América Latina teve 7% de aumento graças ao Brasil. Sem os brasileiros, a região teria registrado queda de 5% nos novos casos.

Conforme levantamento do Ministério da Saúde, entre 2006 e 2016, a taxa de detecção de casos dobrou entre os homens de 20 a 24 anos e quase triplicou entre 15 e 19 anos.

Estudo publicado em maio de 2021 no Lancet HIV, um dos periódicos médicos mais importantes do mundo, mostrou que, na América Latina, a estimativa de vida de um infectado aos 20 anos passou de 31 anos para 69,5 anos.

A Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP) e a Profilaxia Pós-Exposição (PEP) são fundamentais no controle da transmissão do HIV.

No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, mais de 694 mil pessoas estão em tratamento. Das que se tratam, 95% não transmitem o HIV por via sexual por ser indetectável. Todos os que têm Aids possuem o HIV, mas ter HIV não significa ter Aids. A condição só é caracterizada quando o vírus afeta drasticamente o sistema imunológico, deixando a pessoa suscetível a infecções de outras doenças.

A Profilaxia Pós-exposição (PEP) é um tratamento realizado apenas sob prescrição médica. Dura 28 dias e já comprovou eficiência para evitar a infecção em até 72 horas após relação sexual de risco.

Usada para reduzir o risco de aquisição do HIV através de relações sexuais, a Profilaxia Pré-exposição (PrEP) é um medicamento antirretroviral empregado como estratégia de prevenção, por bloquear o ciclo do vírus. Nenhum deles substitui o uso de preservativo.

Profilaxia Pré-Exposição é uma nova estratégia de prevenção de HIV que consiste no uso contínuo de medicamento retrovirais
Profilaxia Pré-Exposição é uma nova estratégia de prevenção de HIV que consiste no uso contínuo de medicamento retrovirais - Imagem: Getty Images

Vale lembrar que não se pega HIV com beijo, aperto de mão ou abraço, nem por compartilhar sabonete, toalha, lençóis, talheres e copos ou pelo contato com suor e lágrima.

Caso queira fazer um teste, no Brasil, estão disponíveis os exames laboratoriais e os testes rápidos, que ficam prontos em 30 minutos e são feitos com uma gota de sangue ou com fluido oral. Saber que possui o HIV é importante para buscar rapidamente pelo tratamento, o que representa aumento da qualidade de vida.