‘É importante a família sair do armário’, diz mãe de garoto trans

Como parte da série "Mães que TRANSformam", a paulistana Simone Menatto reflete sobre os desafios enfrentados ao lado de Matheus, seu filho de 15 anos

Ao chegar em casa após o trabalho, a assistente financeira Simone Menatto, de 45 anos, é recebida pelo marido, os quatro filhos – Thomaz, Matheus, Stephani e Anderson – e a cachorrinha da família, Felicia. Para ela, a maternidade é uma realização. “Eles são a motivação para eu batalhar cada dia mais”, afirma em entrevista ao Catraca Livre.

Na sala de seu apartamento, localizado na zona norte de São Paulo, Simone enche a voz de orgulho e emoção para falar de Matheus, seu filho trans de 15 anos de idade. Rodeada por toda a família, a mãe mostra a força com a qual enfrentou, e ainda enfrenta, o processo de transição de gênero do garoto, além de refletir sobre o preconceito e os desafios futuros.

Catraca Livre: Como o assunto sobre a transexualidade do Matheus foi inserido na família?

Simone Menatto – Faz três anos que o Matheus queria cortar o cabelo curto, antes era Mariana. No início, eu dizia: “não, não vai cortar”. Até que uma tia o levou para cortar. Essa foi a forma que ele achou de se revelar e começar a mostrar quem realmente era. Até então, eu não sabia de nada.

Então, eu deixei o tempo passar e todo dia eu perguntava: “você não tem nada para me falar?” e “você não acha que a gente precisa conversar?”. Eu não insisti, não pressionei, apenas deixei rolar durante cerca de três meses.

Um dia, eu estava assistindo à televisão na sala de casa, e ele me mandou uma mensagem no WhatsApp: “mãe, vem no quarto para a gente conversar?”. E foi nessa conversa que ele se abriu inteiro. Ali foi a revelação.

Não me surpreendeu, porque o Matheus já demonstrava muitas diferenças desde que cortou o cabelo curto: mudou a forma de andar, de se vestir, de falar, de agir. Mas a revelação veio dele mesmo, e, a partir de então, eu fui procurar ajuda.

Qual foi o seu sentimento ao receber a notícia?

Me mantive forte, com o sorriso estampado no rosto e deixei claro que nós teríamos muitas batalhas a enfrentar juntos: a sociedade, a família, os irmãos, os amigos. Disse que jamais deixaria de apoiá-lo e amá-lo. No final das contas foi totalmente diferente de tudo aquilo que eu imaginava.

Eu achei que fosse ser um turbilhão de coisas ruins e de sensações. No entanto, não aconteceu nada disso. Todo mundo foi muito acolhedor e receptivo. Na família, ainda tem gente que chama o Matheus de “Mari” ou “Ma” (que é mais fácil). Mas não houve aquela rejeição por parte de ninguém.

E o processo de transição do Matheus? Quando você soube, logo foi procurar ajuda?

Eu tinha informações sobre o assunto apenas baseadas em entrevistas e reportagens de revistas. É uma coisa que a mídia vem abordando muito. Eu me baseei muito em todos esses textos.

Com isso, fiquei sabendo do Hospital das Clínicas (HC), onde tem uma equipe que faz o acompanhamento dos transexuais, e eu fui buscar ajuda. Mandei um e-mail explicando toda a situação, pedindo ajuda e enviei uma foto. Dois meses depois, entraram em contato para uma primeira consulta.

Nós fomos muito bem acolhidos. Assim começou o processo de acompanhamento de psiquiatra, psicólogo, fonoaudiólogo, tem toda uma equipe. Hoje, o Matheus ainda está aguardando a inserção em um grupo.

No HC, eles formam grupos por faixa etária dos adolescentes para começar de fato o tratamento. Por enquanto, a gente participa só das reuniões mensais que fazem com os pais dos jovens, até acontecer a inserção no grupo realmente.

Matheus iniciou sua transição de gênero há dois anos

Você acha que isso mudou algo em relação ao seu sentimento e atuação como mãe?

Acho que fiquei mais forte. As pessoas questionam e acredito que, antigamente, eu teria vergonha de falar. Hoje eu não tenho. Qualquer transformação na vida da gente é muito bem-vinda. E de um filho você vai acompanhar tudo isso junto com ele, você vai lutar junto com ele, e é isso o que eu procuro fazer.

Qual o maior desafio para vocês?

A sociedade. É o maior desafio, o maior medo. Hoje ele é só um adolescente. Eu tenho medo do futuro, na hora de arrumar um emprego, a recusa. Eu acho que ainda haverá grandes batalhas pela frente, mas, até esse momento chegar, ele já vai estar muito bem preparado para encarar tudo isso.

O apoio da família vem dando essa base para o Matheus. Para quando ele estiver em uma faculdade, em um emprego, ele saber se posicionar, saber o lugar dele e exigir o respeito.

Até agora, quais foram as maiores dificuldades que vocês enfrentaram juntos?

Nenhuma. Tivemos apenas alguns problemas na escola, mas não com os alunos, e sim com funcionários que não estavam engajados no assunto e bateram de frente. Quando isso aconteceu, no dia imediato eu e meu esposo fomos lá.

Levei todas as leis, todas as resoluções que já tinham saído a respeito e fiz questão que o colégio passasse para todos. Fazia mais de um mês que já tinha inserido o nome social na escola, e um funcionário em particular não queria fazer uso dele.

Hoje em dia, de que forma você atua na causa LGBT?

Eu faço parte do grupo “Mães pela Diversidade”, mas não tenho muito tempo para acompanhar e participar ativamente das reuniões. Gostaria de ter mais tempo, mas eu procuro estar sempre acompanhando pelas redes sociais, pelo WhatsApp, onde a gente [as mães] troca muita conversa.

Eu já ajudei outras mães que passavam pelo mesmo processo, mas via grupo. Uma sempre procura ajudar a outra nas dificuldades e, principalmente, na iniciação.

Qual mensagem você falaria para outras famílias que passam pelo mesmo processo?

É importante a família sair do armário. Porque se a família sai do armário, o seu filho ou a sua filha vai se sentir muito mais seguro sabendo que os melhores amigos estão embaixo do teto dele. Tendo essa base, é a força e a confiança para você encarar o dia a dia.

  • Leia abaixo a entrevista com Matheus Menatto:

Catraca Livre: Você revelou-se trans aos 13, na pré-adolescência. Como foi essa fase?

Matheus Menatto – Não foi difícil porque nunca teve gente que foi contra. Só no começo que minha mãe não queria me deixar cortar o cabelo e usar roupas masculinas. De resto, foi tudo bem. Os meus amigos, a minha madrinha, os meus irmãos (que já sabiam antes da minha mãe) e toda a minha família sempre deram apoio.

Quão importante foi o apoio de sua mãe nesse momento de transição? O que ela fez que te marcou?

Foi muito importante porque se eu tivesse alguma dificuldade podia contar com ela sempre. Ela contou para a família, ela procurou ajuda, colocou nome social na escola. E, o melhor: me ajudou a não ter medo de enfrentar isso tudo.

  • Esta entrevista compõe a série de reportagens “Mães que TRANSformam”, na qual trazemos histórias de mães que ultrapassaram diversas barreiras impostas pela sociedade para quem é transexual e transgênero.