Editorial: e nós com isso?
Editorial do Catraca Livre em resposta ao tuíte do jornalista Alexandre Garcia
Um famoso jornalista da Rede Globo, que leva informações diárias e influencia a opinião de milhares de brasileiros, usou sua conta numa rede social, em que tem mais de 100 mil seguidores, para invalidar o abuso sexual sofrido pela atriz Jane Fonda quando era criança.
Comentarista político e econômico, além de âncora de um programa na Globo News, Alexandre Garcia desprezou a ética e a responsabilidade inerente de seu cargo para fazer desdém com o estupro sofrido por uma mulher.
Em entrevista à atriz Brie Larson, Jane Fonda alegou que decidiu quebrar o silêncio sobre o estupro sofrido há tantas décadas para ajudar vítimas de abuso sexual a entenderem que “a culpa nunca é delas”.
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Ela revelou ainda que já foi despedida por não ter dormido com seu chefe. “Sempre pensei que tudo isso fosse minha culpa, que isso acontecia porque eu não tinha falado ou feito alguma coisa certa”, disse.
“E eu com isso?”, questionou o jornalista em um tuíte. E você com isso, Alexandre Garcia? De acordo com os dados mais recentes, em 2014, o Brasil tinha um caso de estupro notificado a cada 11 minutos. Como apenas de 30% a 35% dos casos são registrados, é possível que a relação seja de um estupro a cada minuto.
Um levantamento do Ipea, feito com base nos dados de 2011 do Sistema de Informações de Agravo de Notificação do Ministério da Saúde (Sinan), mostrou que 70% das vítimas de estupro no Brasil são crianças e adolescentes.
Assim como a maioria dos casos no Brasil, a atriz norte-americana também foi violada na infância. Desses casos de violência, cerca de 90% jamais serão conhecidos por ninguém. E sabe por que as vítimas não denunciam seus agressores, Alexandre Garcia? Porque, a todo instante, a polícia não dá o suporte necessário e tampouco investiga o crime, a sociedade não só deslegitima como taxa a vítima como mentirosa – como vimos no caso do estupro coletivo da menor de idade no Rio de Janeiro – e familiares continuam ignorando os pedidos de ajuda das mulheres.
Todos esses fatores resultam em uma inevitável consequência: o silenciamento da dor da vítima.
Por isso, Alexandre Garcia, é tão importante que mulheres com visibilidade na mídia, tal qual Jane Fonda, estejam dispostas a colocar seus piores traumas no holofote para ajudar outras vítimas que não têm coragem de se expor ou que, pior, nem têm consciência de que já foram vítimas.
“Conheço garotas que foram estupradas e não sabiam. Elas pensam: ‘Deve ter sido porque eu disse ‘não’ do jeito errado”, disse a atriz.
Diante da repercussão de sua fala, Alexandre Garcia se justificou: “Uma brasileira é estuprada a cada 11 minutos e não reagimos nem nos escandalizamos. Mas nos preocupamos com a americana, há 70 anos. Colônia”.
Nós não só reagimos e nos escandalizamos, Alexandr
E sabe o que acontece quando elas fazem isso, Alexandre Garcia? Elas são taxadas de “feminazi”, de “loucas” e de “descontroladas”. Suas queixas viram “mimimi”.
Quando você deslegitima a luta de uma mulher, seja ela famosa ou não, você está deslegitimando a luta de todas nós.
E enquanto frases de desdém disfarçadas de preocupação seletiva continuarem reverberando, a gente deixa o recado: a batalha pela igualdade está só começando.