Entenda quem está por trás do processo contra a Netflix por série da Boate Kiss
Associação disse que não tem relação com o processo judicial contra a Netflix, planejado por cerca de 40 famílias de vítimas da tragédia
Após um grupo de familiares de vítimas da Boate Kiss anunciarem que cogitam processar a Netflix por série sobre a tragédia, a Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da tragédia de Santa Maria (AVTSM) emitiu uma nota no domingo, 30, dizendo que não tem nenhuma relação com a ação.
A série “Todo Dia a Mesma Noite” não agradou cerca de 40 famílias, que não fazem parte da Associação, e contrataram uma advogada para representá-los judicialmente.
O incêndio na Boate Kiss matou 242 pessoas e deixou outras 636 feridas em Santa Maria (RS), em janeiro de 2013. A produção da Netflix mistura realidade e ficção para retratar o acontecimento, que completou 10 anos na sexta-feira, 27.
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A Associação, criada para representar as vítimas do incêndio, esclareceu que o processo contra o streaming não é uma iniciativa dela.
O comunicado diz que a AVTSM se sente “representada” pela série produzida pela Netflix e que os familiares estavam “cientes que a produção estava sendo realizada com base nos personagens do livro”.
O posicionamento da Associação é contrário ao que um grupo de cerca de 40 famílias pensam. O empresário Eriton Luiz Tonetto Lopes, que perdeu uma filha de 19 anos no incêndio, é o coordenador do grupo e disse que esses pais foram pegos de surpresa pela série.
De acordo com ele, esses familiares não concordam com o uso da história para fins lucrativos. “Queremos entender quem autorizou, quem foi avisado, porque muitos de nós não fomos. Há pais passando mal por causa da série. O mínimo que exigimos agora é que uma parte do lucro seja repassada para tratamento de sobreviventes e para a construção do memorial da Kiss. Nós não queremos nenhum dinheiro para nós”, afirmou Eriton em entrevista ao GZH.
A advogada dos familiares, Juliane Muller Korb, também pontuou que eles são contrários à dramatização do caso.
“Os familiares querem justiça, não querem esquecimento. Querem que fale sobre o incêndio, como em outros documentários e produções jornalísticas, mas sem dramatização e sensacionalismo visto nessa série. Foi pesado para eles verem a cena do reconhecimento dos corpos no ginásio logo no trailer. Muitos não conseguiram fazer isso quando a tragédia aconteceu e, depois, nunca mais viram os corpos”, disse ela em entrevista ao Splash UOL.
Segundo Juliane, alguns pais voltaram a ter crise de ansiedade depois de ver o trailer sendo exibido na televisão: “Eles assistiram na TV sem querer. Só o trailer os fez passar mal. Os pais não vão assistir. Muitos estavam estáveis em relação a sua saúde mental. É uma linha tênue, é tratado como uma série ficcional baseada em historia real, tudo ali é realidade.”
Nesta semana, as 40 famílias pretendem acionar a plataforma de streaming extrajudicialmente para dialogar sobre as demandas do grupo.
Por fim, a advogada ressaltou que os familiares não querem indenização pessoal. “Já que existe uma plataforma de streaming lucrando com isso, os familiares desejam a construção de um memorial em Santa Maria para promover a reflexão permanente da comunidade”, reitera.
Em uma publicação no Instagram, Juliane esclareceu mais uma vez a intenção das famílias envolvidas:
Confira a nota completa da Associação
“Perante a divulgação em inúmeros veículos da imprensa acerca de um processo contra a empresa Netflix em função da série ‘Todo Dia a Mesma Noite’, a Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da tragédia de Santa Maria esclarece através desta nota que estávamos, sim, cientes que a produção estava sendo realizada com base nos personagens do livro ‘Todo Dia a Mesma Noite: a História Não Contada da Boate Kiss’, de Daniela Arbex, e sente-se representada por ela bem como pelo livro da autora.
A produção não retrata de forma individual os 242 jovens assassinados, mas sim um recorte das quatro famílias de pais que foram processados. Todos familiares de vítimas e sobreviventes retratados por personagens da obra estavam cientes e em concordância. Além disso, reiteramos que não estamos movendo nenhum processo contra as produções, nem pretendemos, por acreditarmos na potência das produções na luta por justiça e a luta por memória.
Acreditamos, acima de tudo, que tragédias como a que vivenciamos precisam ser contadas através de todas as formas. Recontar essa história significa denunciar as inúmeras negligências e tentativas de silenciamento que encontramos pelo caminho, além de auxiliar na prevenção para que esse tipo de tragédia não aconteça com mais nenhuma família, algo que temos como propósito desde o primeiro dia de nossa fundação.
Mostrar o que aconteceu na Kiss faz com que a morte de nossos filhos e filhas, irmãos e irmãs, pais e mães, amigos e amigas não tenha sido em vão. Mostrar a morosidade, a burocracia e como é o sistema judiciário brasileiro serve como denúncia e como protesto. É preciso falar, debater, produzir materiais sobre o que aconteceu naquela trágica noite de 27 de janeiro de 2013, pois só assim conseguiremos que as pessoas entendam o que a ganância, a negligência e a omissão são capazes de fazer. Em Santa Maria, esses fatores mataram 242 jovens e deixaram 636 com marcas físicas e psicológicas.
Entendemos que rever a tragédia, principalmente nos dois primeiros episódios, pode mobilizar os sentimentos, as lembranças e dimensionar a impunidade em sua ferocidade e, com isso, a associação se disponibiliza a acolher e a promover ações para comporem o movimento por Justiça.
Por fim, esclarecemos que desde o dia 27 de janeiro de 2013, nós sofremos com a perda irremediável de nossos filhos, irmãos e amigos, sabemos o quanto isso nos dói. Não há nenhum valor sendo pago a nós com a produção, e o que ganhamos é a crença no fortalecimento na luta por justiça e pela memória. Para que não se repita.
Santa Maria, 29 de janeiro de 2023.”