O que é preciso saber para não agir de forma preconceituosa contra nordestinos

Generalizar, tirar sarro do sotaque, usar expressões que ridicularizam e humilham; quantos preconceitos contra nordestinos você já reproduziu?

Enfrentar preconceitos linguístico e social faz parte da vida da grande maioria dos nordestinos residentes em outros estados do Brasil. Para perceber isso não é preciso muito esforço já que a intolerância e xenofobia são nítidas mesmo em expressões cotidianas consideradas inofensivas (só que não!).

Frases como: ‘que baianada/paraibada’ – para quando alguém faz algo errado, ‘que roupa baiana’ – para indicar que a peça é brega, ‘cabeça chata/grande’ – para se referir a alguém do Nordeste, ‘mulher-macho’ – sobre mulheres nordestinas que não se enquadram em uma feminilidade idealizada – são alguns dos exemplos das expressões ditas com intenção de atribuir valor negativo aos nordestinos.

De acordo com Durval Muniz de Albuquerque Junior, professor visitante da Universidade Estadual da Paraíba e Doutor em História Social pela Universidade de Campinas, o preconceito contra o nordestino tem raízes históricas e se deve ao processo de migração para o Sul e Sudeste do país.

“Ao migrarem para essas regiões – nordestinos notadamente das classes trabalhadoras – passaram a disputar mercado de trabalho, moradia e espaço com outras camadas sociais populares”, afirma o docente.

Já em relação às elites, o professor explica que ainda há um traço racista no preconceito contra o nordestino originado no começo do século XX.

“Em São Paulo, por exemplo, havia todo um projeto de branqueamento da sociedade com a vinda de imigrantes europeus, e a chegada em massa de migrantes, em sua maioria baianos negros, abortou esse projeto. Daí o surgimento do estereótipo do baiano. Era justamente porque os baianos enegreceram novamente a sociedade paulista, trazendo, inclusive, manifestações culturais de matriz africana que até hoje são motivo de perseguição e encaradas como um declínio civilizatório na sociedade paulista”, explica.

‘Nordestino é tudo igual’

Recentemente o grupo Porta dos Fundos lançou um vídeo intitulado ‘Sudestino’ que teve grande repercussão nas redes. A esquete mostra Gregório Duvivier no papel de Bruno, um paulista que se mudou para o Recife, e a atriz e jornalista pernambucana Ademara Barros, no papel de Júlia, funcionária da empresa onde Bruno está começando a trabalhar.

De forma debochada, porém didática, o vídeo escancara as generalizações estereotipadas e preconceituosas feitas em relação aos nordestinos e inverte as posições, já que na história, é a personagem pernambucana quem interpela o paulistano com suposições equivocadas sobre a região em que nasceu.

Apesar de exagerado, o vídeo retrata uma pequena fração do que vivem os nordestinos. Quando pessoas do Sul e Sudeste colocam no mesmo grupo milhões de habitantes de nove estados diferentes, a mensagem que se passa é a de que as características físicas e culturais dos nordestinos são homogêneas e, obviamente, pejorativas.

“Eu sou filho de uma mãe paulista e de um pai paraibano. Sempre que visitava a família da minha mãe em São Paulo, eu era vítima de chacota, de preconceito. Diziam que eu estava indo visitar o Brasil. Havia um desconhecimento completo sobre a realidade do Nordeste. Perguntavam se aqui falávamos português, se aqui a gente assistia ao mesmo capítulo da novela, achavam que aqui só tinha cacto, cobra e terra rachada. Uma completa desinformação”, relembra o acadêmico.

Segundo o professor, a visão generalista que o resto do Brasil possui hoje em relação ao Nordeste foi uma criação da própria elite nordestina no final dos anos 1910 como reação para defender seus interesses.

Naquela época, as elites agrárias ligadas ao açúcar, ao algodão e à pecuária tinham acabado de perder o controle político e econômico da nação com o deslocamento do centro econômico para o Sul e, com a perda do espaço nacional, se uniram em um espaço regional para se manterem fortes.

No entanto, mesmo que esse imaginário generalista tenha essa origem na própria região, isso acaba sendo utilizado por pessoas de outras localidades de maneira negativa.

“À medida que o Sul se tornou hegemônico do ponto de vista político e econômico, as elites das províncias do Norte e depois dos Estados do Nordeste construíram a ideia do Nordeste como uma trincheira em defesa de seus interesses e privilégios que estavam ameaçados”, ensina. “Embora esse imaginário sobre o Nordeste tenha sido construído aqui na própria região, isso é utilizado estrategicamente pelas elites de outras regiões em disputas por poder e recursos, e também pela própria população nos momentos de embate e de conflitos”, afirma.

‘Nordestinos são pobres e ignorantes’

Outro estereótipo sobre nordestinos está relacionado à imagem da pobreza e à falta de estudo, o que invisibiliza a migração de intelectuais e até de artistas.

“No imaginário nacional, os nordestinos que migram são todos pobres, analfabetos, realizam trabalhos braçais ou são empregadas domésticas. Na verdade, uma boa parte da elite brasileira que mora no Rio e São Paulo têm origens nordestinas ou são pessoas que migraram do Nordeste. Só que essa migração intelectual, de cérebros e de artistas não é computado como migração. Não faz parte da imagem da migração nordestina”, diz o professor.

De acordo com ele, assim como o centro costuma desconhecer a periferia e muitas pessoas nos Estados Unidos acham que a capital do Brasil é Buenos Aires, também acontece com pessoas de São Paulo e Rio de Janeiro a respeito do Nordeste.

E nem mesmo em ambientes repletos de pessoas que supostamente deveriam ser bem informadas, como a Universidade, o cenário é diferente.

“Quando fui fazer pós graduação em São Paulo, na Unicamp, me olhavam de cima a baixo e me perguntavam: ‘você vem de onde? Da Paraíba?’ – como se eu estivesse no lugar errado, pois nordestino não deveria estar na vida intelectual, nordestino é para ir para o Sul para ser mão de obra barata”, lamenta.

Exemplo a não ser seguido

Figuras públicas que fazem declarações racistas e preconceituosas em relação ao Nordeste, como é o caso do atual presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), por exemplo, também reforçam estereótipos pejorativos. Assim como os meios de comunicação que têm foco no centro sul do país.

Bolsonaro quando estava em campanha pela presidência do País
Créditos: Reprodução
Bolsonaro quando estava em campanha pela presidência do País

“Toda pessoa que tem visibilidade e que faz circular esses preconceitos reforça isso, assim como os meios de comunicação que deveriam ser regionalizadas, mas são completamente centralizados no Centro Sul transmitindo uma visão distorcida e muitas vezes desinformada a respeito do próprio país. O Nordeste muito mais recebe imagens sobre si, do que produz imagens sobre si”, afirma.

‘E esse sotaque?’

É chamado de preconceito linguístico o ato de julgar de forma negativa ou depreciativa a forma de falar de algum indivíduo, ato este realizado por pessoas que dominam um mesmo idioma. É justamente isso o que vivenciam muitos migrantes nordestinos e faz com que se sintam diminuídos e humilhados.

Com sotaques marcantes e inconfundíveis, pessoas oriundas do Nordeste sofrem rotineiramente com piadas, olhares atravessados e até mesmo com o preconceito velado vindo daqueles que os consideram inferiores.

No último BBB, a paraibana Juliette virou o centro das atenções no país e, infelizmente, não apenas por se tratar de uma pessoa adorável, mas por ser alvo de preconceito em rede nacional. No confinamento, ela se sentia excluída na casa e percebia alguns colegas imitando e ridicularizando seu sotaque.

Juliette Freire, paraibana, vencedora do BBB 21
Créditos: Reprodução
Juliette Freire, paraibana, vencedora do BBB 21

Inferiorizar alguém devido a sua forma de falar é uma das piores formas de preconceito, pois o sotaque é uma das marcas identitárias mais difíceis de serem ocultadas. Quando ao se expressar alguém é constantemente subestimado, pois seu sotaque identifica sua origem, aos poucos essa pessoa acaba se anulando e calando para não correr risco de ser humilhada.

“O preconceito é um discurso arrogante e simplificador, mas é um discurso que funciona muito, porque oferece uma imagem prévia de alguma coisa sem que seja preciso fazer muito esforço para realmente conhecer e se informar. Então, o que combate o preconceito é a educação e a informação”, finaliza o professor Durval.

O que JAMAIS dizer a um nordestino

Se você chegou até aqui nesta matéria já se deu conta de que mesmo expressões que não têm intenção de ofender, são extremamente preconceituosas. Por isso vamos dar um reforço bem objetivo daquilo que jamais deve ser dito a um nordestino, nem de brincadeira:

1 – ‘Nem parece nordestino(a)’ – Tentativa bem falha – e medíocre – de elogiar uma pessoa; Melhore…

2 – ‘Que sotaque engraçado/estranho/feio’ – Todo sotaque tem sua beleza e peculiaridade e ninguém deve se humilhado por seu jeito de falar; Você acha realmente que não tem sotaque por que é de São Paulo?

3 – ‘Nordestinos são pobres e sem estudo/cultura’ – Essa é uma visão bastante míope a respeito do povo nordestino, especialmente por que é justamente do Nordeste que vêm nomes como Ariano Suassuna e João Ubaldo Ribeiro, além disso, a região é a terceira maior economia do Brasil entre as grandes regiões.

4 – ‘Nordestino é tudo igual’ –  A região Nordeste do Brasil tem, em sua composição territorial, nove estados brasileiros e área de 1.558.000 km², correspondente a 18% do território do Brasil. Sua população é de quase 60 milhões de habitantes. E você, alecrim dourado abre a boca para falar que nordestino é tudo igual? Apenas pare.

5 – ‘Ô cabeça chata’ – Bem, essa não precisa nem explicar muito, pois todo mundo sabe o quão ofensiva é essa expressão.

6 – ‘Paraibana/baianada’ – Usada para deixar claro quando alguém está fazendo algo errado, quando na verdade deveria ser o contrário: imagina se uma ‘paraibada’ significasse ser genial como Chico César e  uma ‘baianada’ ser talentoso como Caetano Veloso?