Jovem da periferia cria vaquinha para estudar em Harvard

Foi por meio do cursinho comunitário MedEnsina que o estudante da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) está perto de realizar mais um sonho

Marcinho está no primeiro ano de medicina da Universidade Federal de Uberlândia
Créditos: Louise Garcia Péres / Arquivo Pessoal
Marcinho está no primeiro ano de medicina da Universidade Federal de Uberlândia

A trajetória do estudante Marcio Henrique de Jesus Oliveira, de 21 anos, até ser aprovado na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) neste ano, mostra o poder transformador da educação. Nascido e criado em Itaquera, na zona leste de São Paulo, o jovem estudou a vida toda em escola pública e, no ensino médio, matriculado no Luzia de Queiroz e Oliveira, considera uma das piores da região, conheceu uma professora que abriu portas para que ele realizasse seu sonho.

Segundo Marcinho, como é conhecido por amigos e parentes, foi essa professora, chamada Carol, que o apresentou no terceiro ano do ensino médio ao cursinho comunitário MedEnsina, ministrado por alunos da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). “Como canta o Racionais, até no lixão nasce flor. Então, nessa escola, que muita gente considerava o ‘lixão’, eu tive contato com o cursinho, que mudou completamente a minha vida, pois, embora minha infância tenha sido boa, eu perdi muitos amigos ao longo dos anos para o crime e para o tráfico. Isso me marcou muito”, afirma.

O estudante, atualmente no primeiro ano de medicina da UFU, conta que Carol nunca foi sua professora, mas a conheceu enquanto vagava pelo corredor da escola, e ela o ajudava a correr atrás do “tempo perdido”. “Ela também fez o MedEnsina, é formada em Letras pela USP e hoje faz mestrado na mesma universidade. No cursinho, eu descobri que teria todo o tempo do mundo para atingir meus objetivos.”

Por meio do MedEnsina, que o jovem considera a maior oportunidade da sua vida, Marcio recebeu um convite do professor Paulo Saldiva, criador do cursinho comunitário e docente da FMUSP: estudar um ano em Harvard, em Boston (EUA), considerada a melhor universidade do mundo.

“Eu não passei por nenhum programa para ir para Harvard porque, para conseguir, eu precisava estar no terceiro ano de medicina, ser aluno da USP e passar por um processo seletivo. Não me encaixo em nenhum dos critérios. Foi um convite do professor, que conheceu minha história e abraçou a ideia de me dar uma oportunidade de ir pra lá”, relata o aluno.

Para viabilizar seu ano em Harvard, o estudante criou uma vaquinha online com o objetivo de arrecadar o dinheiro necessário e conquistar mais uma etapa de seus estudos. Se você quiser colaborar, clique aqui. “De onde eu vim e para onde eu estou indo nesse período é assustador, é mágico. Isso mostra o potencial que a educação tem e como ela consegue transpassar barreiras e unir as pessoas”, completa.

O MedEnsina foi responsável por ajudar o rapaz a ser aprovado na federal
Créditos: Arquivo Pessoal
O MedEnsina foi responsável por ajudar o rapaz a ser aprovado na federal

O MedEnsina

O processo do rapaz para ser aprovado na federal de Uberlândia começou no MedEnsina, logo depois que terminou o ensino médio. Lá, praticamente aprendeu a ler e a escrever. “Tinha um professor, chamado Marcos Agrela, que lia para mim Memórias Póstumas de Brás Cubas e traduzia o que Machado de Assis estava querendo dizer. Eu não entendia nada antes. E até hoje ele me ajuda.”

“No MedEnsina, em 2015, dei meus primeiros passos. Primeiro livro com que tive contato e que me transformou, primeira redação com consciência do poder da escrita, primeira aula de física que me chamou a atenção, primeira aula de filosofia que me mandou embora pra casa com sede de conhecer mais e mais. Nesses passos, estudando e trabalhando em dois lugares – em uma pizzaria na rua de casa e no Hospital Santa Marcelina como jovem aprendiz -, pude ter o dinheiro para me manter no cursinho”, relata Marcinho.

Após três anos de estudo, e com a ajuda de muita gente que cruzou o seu caminho e faz parte de sua história, o estudante foi aprovado Universidade Federal de Uberlândia, onde cursa o primeiro ano de medicina. “As pessoas do cursinho são incríveis, pois são jovens que abdicam do seu tempo livre e de estudos para reforçar o papel da educação. Eu só passei na federal porque eles trabalharam com as minhas dificuldades, me ensinaram a crescer e me mostraram a importância da perseverança.”

A notícia da aprovação na universidade veio junto de um sentimento de dever cumprido, mas com a consciência de que sua luta continua. “Eu sabia que era uma etapa que estava sendo vencida, mas acreditava que não era o fim. E por que não era o fim? Porque muita gente que lutou comigo ficou para trás e não passou, mas estava persistindo. Eu venci, mas preciso mostrar para a galera a beleza da persistência como eles mesmos me mostraram”, reflete.

O estudante foi convidado por um professor da USP para o acompanhar em uma pesquisa em Harvard
Créditos: Arquivo Pessoal
O estudante foi convidado por um professor da USP para o acompanhar em uma pesquisa em Harvard

Vaquinha

Ao saber da trajetória do rapaz, o professor Paulo Saldiva, pioneiro no programa de intercâmbio que leva os alunos da Faculdade de Medicina da USP para Harvard, o convidou para acompanhá-lo em uma pesquisa científica na universidade norte-americana, que relaciona poluição atmosférica e saúde.

Agora, tornar essa viagem possível é o novo objetivo de Marcinho. O custo necessário para morar em Boston, de acordo com estimativa dos alunos da FMUSP, é de R$ 80 mil, considerando passagem aérea, moradia, alimentação, transporte e seguro saúde.

Como até agora o estudante não tem nenhum auxílio garantido, seja institucional ou por parte familiar, a campanha de financiamento coletivo é sua grande oportunidade de arrecadar o dinheiro. Ajude ou compartilhe o link da vaquinha!

“Não quero ir só. Quero levar comigo todos aqueles que acreditam na educação como o caminho que salva, que transforma pessoas e que dá a elas a oportunidade de transformar o mundo. Voltarei munido do conhecimento e de novas perspectivas para repensar a ciência, a educação e medicina brasileiras”, finaliza o jovem.