Jovem alega ter sido estuprada por segurança em festa de Réveillon em Brasília

Suspeito nega o caso relatado e afirma que o ato foi consentido

Uma mulher de 24 anos relatou, em um texto no Facebook, ter sido estuprada pelo segurança de uma festa de Réveillon em Brasília, no Distrito Federal. O suspeito prestou depoimento à Delegacia da Mulher, na Asa Sul, e afirma que teve relações sexuais com a vítima, mas que “o ato foi consentido”.

O caso ocorreu na festa “The Box – Reveião”, no clube Acadêmicos da Asa Norte. No relato publicado no perfil da jovem no último sábado, dia 2, ela conta que foi abordada por um segurança que pediu para que ela saísse do local. Segundo ela, o homem a levou para um canto isolado e a estuprou.

Trecho do relato da vítima
Trecho do relato da vítima

“Eu tive medo, não reagi (poderia ter sido pior se reagisse, eu poderia apanhar, poderia demorar mais…), só queria que acabasse logo”, escreveu a vítima. O funcionário ainda teria chamado um colega para participar, mas esse outro homem teria recusado violentá-la.

Após o crime, a jovem retornou para a festa para reencontrar os amigos e não contou sobre o estupro para ninguém. Eles saíram do local apenas pela manhã. No dia seguinte, ela não conseguia tirar o absorvente interno e optou por contar aos pais, que a levaram para a Delegacia da Mulher (204 Sul).

Em entrevista ao site “Metrópoles”, o suspeito afirmou: “Meu maior erro de ter ficado com ela foi pelo fato de eu ser casado. O ato que cometi foi adultério, e não estupro”. O segurança, que é proprietário da empresa de segurança contratada pela organização da festa, confirma que chamou um amigo para ter relações com ela também, mas que ele negou por não ter preservativo.

A organização do evento divulgou uma nota dizendo que está à disposição para ajudar nas investigações.

Leia na íntegra o relato da vítima:

“Foi no dia 31 de dezembro de 2015 que decidi passar minha virada no ano com amigos, em uma festa chamada THE BOX – REVEIÃO (em Brasília, DF). Minha companhia foi realmente excelente, não tenho do que reclamar, e não é este o motivo da prosa.

Os serviços anunciados pela organização da festa sequer chegaram perto do que realmente foi. Foi pavoroso! Sem a menor estrutura em todos os quesitos, as demandas simplesmente não foram atendidas. Os banheiros eram pequenos e extremamente sujos, o bar não suportou… E os seguranças… É sobre este desserviço à que vim falar. Houveram várias reclamações sobre a falta de segurança da festa, sobre os carros roubados, sobre as brigas não apartadas, eles simplesmente lavaram as mãos. Seguranças estes que ficavam somente no hall de entrada da festa de forma meramente “decorativa”.

A festa estava horrível, então meia hora antes da virada decidi ao menos “aproveitar” o open bar, assim fiz.
Era mais de meia noite, eu estava dançando com um amigo perto da entrada quando fui abordada por um dos seguranças, que me coagiu a sair da festa, eu realmente não entendi o motivo e mesmo alcoolizada só atendi por ser uma figura de autoridade do local.

Havia uma área de terra onde alguns carros estavam estacionados entre o cerrado. Eu estava completamente vulnerável, com muito medo. Um dos carros estava estacionado de ré para o cerrado, então atrás do carro só havia vegetação. Ali ele me virou de costas e sem a menor cerimônia me estuprou. Eu fui estuprada por quem deveria assegurar minha segurança.

Eu tive medo, não reagi (poderia ter sido pior se reagisse, eu poderia apanhar, poderia demorar mais…), só queria que acabasse logo. Quando ele terminou mandou eu ficar lá, mais uma vez tive medo e não me movi. Ele voltou com outro segurança e disse: “Tá aí, cara, manda ver”. Não consigo descrever o que senti na hora. Ele saiu, eu fiquei com o outro segurança e perguntei porque ele iria fazer aquilo comigo também, acho que ele se assustou e disse que não ia fazer nada, respirei fundo e voltei pra festa num misto de pavor e dormência.

Não contei nada pra ninguém. Me questionei se eu não tinha “pedido por aquilo”, olha que ridículo! É assim que somos ensinadas. A culpa sempre é atribuída à mulher. O dia amanheceu, fui pra casa com meu amigo, eu não conseguia ainda assimilar os fatos. Só pensei que não podia banhar, deitei e tentei dormir. Foi um sono inquieto, eu sentia dores internas, e comecei a lembrar de algumas frases que usamos na militância: “moça, a culpa não é sua”, “não ensine meninas a não serem estupradas, ensine meninos a não estuprarem”.

Decidi levantar e tirar o absorvente interno (sim, durante o estupro eu estava usando absorvente interno), acontece que eu não consegui. Fiquei mais de uma hora pensando no que fazer, entrei em contato com um grupo de apoio à vítimas de crimes sexuais ao qual faço parte, fui ouvida e mesmo assim… Eu estava desnorteada! Não queria contar pra ninguém, estava com vergonha, me sentindo suja, culpada…

Quando num ímpeto saí do quarto e falei com o meu pai um seco: “pai, eu fui estuprada”. Temos quatro cachorros, ele estava lavando a área, parou na mesma hora, esperou minha mãe sair do banho, contou pra ela. Fomos imediatamente à Delegacia da Mulher, eu sequer comi. Saímos de casa por volta de 12h. Ficamos aproximadamente quatro horas na delegacia, foi uma situação extremamente constrangedora, tive que repetir a história várias vezes e reviver aquele momento.

Fui encaminhada ao IML e ao hospital da Asa Sul pela delegacia. O médico do IML não conseguiu tirar o absorvente interno, meu desespero só aumentava. Cheguei ao hospital e fui atendida por uma médica extremamente empática, finalmente me senti um pouco menos desconfortável, ela me tratou tão bem! Ela me consultou e tirou o absorvente, o que apesar de ter doído muito porque minha vagina está realmente bastante machucada, foi um alívio.

Tomei uma Benzetacil em cada lado (sim, foram duas), remédio na veia, mais algumas doses únicas de remédio (via oral) e, o que me abalou muito: iniciei a tomar o coquetel para AIDS (são 28 dias tomando esses remédios fortíssimos, que causam enjoo, vômito e diarreia). Colhi sangue também. Cheguei em casa à noite, exausta, faminta… Até que minha irmã chegou e eu finalmente consegui chorar.

Eu sei que é muita exposição, mas, sinceramente?! Não é pior ao o que me aconteceu. Decidi redigir esta nota de repúdio por alguns motivos específicos: eu fiz tudo como orienta a lei, tudo certinho, e uau!!! Quanta burocracia! A delegacia, o IML e o hospital ficam completamente distantes um do outro, eu estava de carro, acompanhada, mas e a mulher que não tem nenhuma assistência como faz? Ela não faz, ela desiste. Porque se eu tivesse sozinha, juro que teria ido ao posto de saúde dizer que transei bêbada com absorvente interno, eu não teria forças pra passar por isso sozinha (e se não fosse o absorvente interno nem teria ido, correndo riscos de saúde); quantas outras mulheres não devem ter sofrido nas mãos desse imbecil e dessas empresas de segurança irresponsáveis que contratam qualquer um?! E o mais importante, eu não suporto imaginar que outra mulher pode passar pelo mesmo que eu passei e ficar calada, estou fazendo a minha parte pra evitar outras dores e outros sofrimentos.

P.S.: A nota está sujeita a edições para acréscimo de informações.
P.S. 2: Seguem algumas imagens, que comprovam o narrado, nos comentários.
P.S. 3: Tenho recebido muitas mensagens em apoio, estou lendo todas na medida do possível. Muito obrigada, de coração! Tenho recebido também solicitações de amizade, ativei a configuração “seguir” para que recebam atualizações sobre o caso. Tudo que fizer referência ao mesmo terá status público. Meus familiares e amigos estão sofrendo junto comigo, então não quero que eles sejam expostos. Mais, uma vez, muito obrigada!
P.S. 4: Aos que estão duvidando, me julgando… Só desejo que nunca aconteça nada semelhante nem à pessoa que vocês mais odeiam.”