Lei determina reabilitação a homem denunciado por violência doméstica
A legislação prevê que agressores deverão passar por programas de reeducação com o objetivo de diminuir a reincidência dos casos e salvar vidas
Na última sexta-feira, 3, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a Lei 13.984/20, que altera a Lei Maria da Penha com o objetivo de ampliar a proteção sobre a mulher. Agora, homens denunciados por violência doméstica terão de fazer acompanhamento psicossocial de forma individual ou em grupo, além de frequentar obrigatoriamente centros de educação e reabilitação.
Projetos de grupos reflexivos já são colocados em prática em muitas cidades pelo país com o objetivo de reeducar agressores, diminuir a reincidência dos casos e salvar vidas de mais mulheres. O trabalho é feito sob orientação de um facilitador, que recebe treinamento técnico para conduzir os encontros.
Segundo Sérgio Barbosa, coordenador do programa Tempo de Despertar, em São Paulo, a aprovação da lei é uma conquista das mulheres frente à violência de gênero crescente, que se intensifica nesse ambiente de distanciamento social, onde elas estão muito vulnerabilizadas.
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O Tempo de Despertar, criado pela promotora de Justiça Gabriela Manssur, pressupõe que a frequência nos encontros reflexivos não impedem a aplicação das demais determinações previstas na legislação, como o afastamento do lar, a proibição de se aproximar da mulher e de seus familiares, entre outras, sempre para a proteção da vítima.
“Não estamos tirando a responsabilidade do homem. O que a gente faz nesse projeto parte de princípios de segurança à vítima, onde esse agressor será escutado, trabalhando na diminuição da reincidência da violência. Ou seja, para que não aconteça nada com essa mulher e nem com futuros relacionamentos”, afirma Barbosa em entrevista à Catraca Livre.
Os resultados do programa se mostram bastante positivos: a taxa de reincidência dos casos de violência doméstica, entre os participantes do projeto, passou de 65% para 2%, sendo que, nos últimos dois anos, essa porcentagem chegou a 0%.
Aplicação da nova lei
Apesar dos avanços que a nova lei pode trazer, há uma série de entraves para ser colocada em prática em todo o Brasil. Para Sérgio, o primeiro deles é a capacitação técnica da equipe para coordenar o projeto. “Sabemos que exige muito estudo, porque as condições das violências baseadas no machismo são de uma alta complexidade. Tornar o programa efetivo exige capacitação, supervisão e avaliação”, ressalta.
A segunda dificuldade é que a ação requer um dinamismo do próprio sistema judiciário para compreender como efetivará o processo de reeducação em vez de apenas a punição. “É lógico que esse homem cometeu um crime, mas a forma como isso vai se dar precisa que o judiciário tenha de antemão o seguinte entendimento: é melhor que ele seja tratado fora do sistema penitenciário para que possa ser protagonista de sua própria transformação.”
Um terceiro entrave, de acordo com o coordenador do Tempo de Despertar, é justamente a manutenção das equipes, que inclui desde onde vem o orçamento para mantê-las, até como serão distribuídas as responsabilidades nos níveis municipal, estadual e federal.
“Sabemos que há uma contingência orçamentária, em que estão retirando recursos do programa de mulheres. Então, quais são os critérios que teremos para abrir novos centros de reabilitação? Com certeza, esses locais não podem ser colocados junto de nenhum centro de proteção à mulher. Precisam ser afastados, com profissionais qualificados e, principalmente, tem que haver um orçamento para lidar com essa complexidade”, completa.
Grupos reflexivos
A metodologia por trás de grupos reflexivos foi criada por um norueguês, chamado Tom Andersen, e adaptada às condições no Brasil. Sérgio Barbosa explica que consiste, basicamente, em formar grupos com uma meta, nos quais os homens vão trabalhar buscando desconstruir a performance das masculinidades.
Já o facilitador, que é a pessoa técnica do programa, apenas induz os encontros para que um homem, frente a outro homem que cometeu um delito parecido ou diferente do seu, possa refletir em conjunto sobre determinada situação. Dessa forma, se o homem foi socializado para viver a violência em grupo, a desconstrução da mesma também se dará em coletivo.
“É um processo de espelhamento, onde esse homem pode ver no outro as condições materiais, históricas e culturais que permitiram essa violência. Assim, ele também está questionando a si e ao outro sobre essa condição histórica do machismo na nossa sociedade”, finaliza o coordenador do Tempo de Despertar.