Mães da ocupação: o que querem as mulheres do prédio que desabou

Por André Nicolau e Heloisa Aun

10/05/2018 11:32

As mães Deise, Francisca e Daiane lutam por uma moradia para seus filhos
As mães Deise, Francisca e Daiane lutam por uma moradia para seus filhos

Uma semana depois que o edifício Wilton Paes de Almeida pegou fogo e desabou, muitas famílias permanecem no acampamento instalado em frente à igreja do Largo do Paissandu, no centro de São Paulo. Grande parte das barracas colocadas no entorno de uma grande pilha de doações serve de abrigo para mulheres e crianças.

Apesar da tragédia, meninos e meninas brincam entre colchões, sacos de roupas e pacotes de alimentos já consumidos. Ao lado, algumas tendas dão apoio para quem está há dias dormindo a poucos metros dos destroços do prédio, antes ocupado por 169 famílias e 428 moradores, segundo informações da Prefeitura de São Paulo.

O edifício pegou fogo e desabou na terça-feira, dia 1º de maio
O edifício pegou fogo e desabou na terça-feira, dia 1º de maio

Às vésperas do Dia das Mães, comemorado no próximo 13 de maio, a tragédia que envolve o desabamento do edifício expõe os desafios da rotina de muitas mulheres presentes na ocupação: a solidão da maternidade em um acampamento improvisado na rua e a resistência da luta por moradia. Segundo dados da prefeitura, crianças e adolescentes representavam o maior grupo de moradores do edifício: 130 (de 0 a 11 anos) e 40 (de 12 a 18 anos) — equivalente a mais de um terço dos residentes.

O Catraca Livre voltou ao acampamento próximo ao prédio para ouvir as histórias e os sonhos das mulheres que estão no local ao lado de seus filhos. Entre elas, um desejo em comum: poder dar às crianças uma moradia digna.

Confira os depoimentos:

Daiane ao lado da filha e sobrinhas
Daiane ao lado da filha e sobrinhas

‘Neste Dia das Mães, tudo o que eu queria mesmo era ter uma casa pra mim e pros meus filhos’

Daiane da Silva Rodrigues, 27 anos, dois filhos

“Morava na ocupação havia quatro anos e foi muito difícil no dia que [o prédio] caiu. Estava dormindo no 2º andar quando tudo aconteceu e perdi tudo. Tenho dois filhos, uma de dez e um menino de oito anos. E desde então, tem sido muito complicado. As crianças não querem ir para a escola, mas precisam continuar. Inclusive, o Conselho Tutelar já veio aqui para saber como está isso. Eu que levo, eu que busco meus dois filhos e minha sobrinha. Só que não está fácil, não.

A gente paga cada humilhação aqui dentro [no acampamento] e nunca tinha passado por isso. Pra tomar banho, a gente vai na casa do meu ex-cunhado, que fica aqui no centro também. O menino eu deixo na casa do meu ex-marido porque ele tem asma e é melhor assim. A menina fica aqui comigo na rua. Mas, neste Dia das Mães, tudo o que eu queria mesmo era ter uma casa pra mim e pros meus filhos.”

Francisca saiu do prédio com os cinco filhos, o marido e a cachorrinha Mel
Francisca saiu do prédio com os cinco filhos, o marido e a cachorrinha Mel

‘O melhor presente como mãe é a vida dos meus filhos’

Francisca da Silva, 41 anos, cinco filhos

“Eu morava no 3º andar do prédio. No dia do fogo, eu estava dormindo com os meninos [seus cinco filhos]. Meu marido estava na rua porque é carroceiro e, pela graça de Deus, na hora que começou o incêndio, quando deu aquele estouro, ele largou a carroça em frente ao prédio e subiu correndo para tirar a gente. Ele apertou meu braço forte para eu acordar e gritou: ‘O prédio tá caindo!’. Acordei assustada e começamos a descer. Pegamos as crianças e a cachorra, a Mel, minha ‘sexta filha’. Deixamos tudo o que tínhamos. Eu passei um dia e meio de camisola e descalça aqui no acampamento.

Quando olhei, o prédio já estava em chamas. Até hoje quando eu olho pra lá eu não acredito que aquele ‘gigante’ de 26 andares não tá de pé, que foi consumido pelo fogo. Fazia três anos que eu morava lá. Antes, a gente estava em uma outra ocupação do mesmo movimento. Eu sempre fiquei em casa cuidando das crianças e meu marido trabalhando como carroceiro. O nosso sustento é o que ele consegue e o bolsa-aluguel que a gente tem, no valor de R$ 314.

A gente tá aqui na luta e vamos ver o que se decide. Se não derem uma moradia para cada um, a gente vai toda a comunidade junta para algum lugar, mesmo que seja um galpão ou acampamento. Tudo bem que lá a gente brigava, mas somos uma comunidade. No domingo mesmo eu briguei com uma colega minha por causa de filho, mas quando nós descemos do incêndio a primeira coisa que eu fiz foi abraçar ela e perguntar se tinha conseguido tirar todas as crianças. Não é justo a gente se separar.

Para mim, o melhor presente como mãe é a vida dos meus filhos. Deus me livre, mas se eu estivesse agora sem todos eles ou um deles, com certeza eu nem estaria viva. Então, o melhor presente de Dia das Mães, independente de a gente estar deste jeito, é eles estarem comigo.”

Deise tinha acabado de voltar a morar no prédio com cinco dos sete filhos
Deise tinha acabado de voltar a morar no prédio com cinco dos sete filhos

‘Meu maior sonho é ter uma moradia digna para os meus filhos’

Deise da Silva Rodrigues, 31 anos, sete filhos

“Eu nasci em São Paulo e já morei em muitos lugares, moça. Já morei em albergues e também na rua. Em ocupação, a primeira em que vivi eu tinha 15 anos. Quando pegou fogo [no edifício Wilton Paes de Almeida], eu tinha acabado de voltar a morar lá, no 3º andar. Paguei a taxa, trouxe todas as minhas coisas, comprei gás e tudo, e no outro dia desabou.

Eu tenho sete filhos, mas comigo só vivem cinco, os outros dois estão com minha comadre. Sempre criei todos sozinha, me sustento com o Bolsa Família e as cestas básicas de doações. No dia do desabamento, meu armário estava cheio de coisa que peguei para eles: tinha arroz, tinha feijão, mas tudo queimou. O pouquinho que eu tinha, que eu construí, perdi tudo.

Foi terrível sair do prédio quando começou o fogo. A gente estava dormindo, acordei um por um, mandei eles descerem, peguei a bebê que estava na cama, peguei a bolsa de documentos e desci em seguida, não deu tempo de pegar mais nada. Eu não encontrei um monte de gente depois. Eu tinha amizade com a Selma [que está desaparecida], meus filhos estudavam com os filhos dela e eram amigos.

Aqui no acampamento, as coisas estão mais ou menos. A gente fica indo na casa dos outros para tomar banho. Eu não sei para onde eu vou depois daqui, seja o que Deus quiser. Estou confiando em Deus. Eles [os filhos] iam começar hoje a ir para a escola de novo. Eles não estavam indo porque queimou todo o material.

Meu maior sonho é ter uma moradia digna para os meus filhos e terminar de cuidar deles, criar eles, do jeito que eu fazia.”

Barraca de Valdirene, que pediu para não ser fotografada
Barraca de Valdirene, que pediu para não ser fotografada

‘Meu maior sonho é alugar uma casa e fazer minha vida com os meus filhos, sem depender de ninguém’

Valdirene, 38 anos, três filhos

“Eu morei dois anos nesse prédio, no 3º e no 5º andar, mas eu fiquei sem dinheiro para pagar o valor de R$ 400. Então, a coordenadora da ocupação pediu para eu desocupar, com minhas três crianças. Graças a Deus, no dia do incêndio eu não estava mais lá, mas voltei para o acampamento porque estava morando de favor na Brasilândia [zona norte de São Paulo].

Eu morava de aluguel antes de ir viver em ocupação, mas meu marido está preso há cinco anos porque caiu no tráfico e ficou difícil pagar as contas só com o Bolsa Família no valor de R$ 400. Antes, eu tinha pensão do pai dos meus dois filhos mais velhos, só que ele ficou desempregado e parei de receber há três anos.

Eu trabalhava na área de limpeza de um shopping e fui demitida porque eu tinha que ficar muitos dias no hospital com a Sofia, minha filha caçula que sofre de broncoespasmo e vivia internada. Nunca mais pude procurar emprego porque não tenho com quem deixar ela. Ela é uma criança doente e precisa de mim.

O pessoal do prédio sempre me apoiou muito, mas a coordenadora me humilhava, me fazia limpar o banheiro. O 5º andar, onde eu vivia, era uma sala dividida para duas famílias, com a madeira podre, queimada e os vidros todos quebrados. Era muito frio à noite.

Hoje, eu sou praticamente mãe e pai das crianças. Eu prefiro ficar no centro da cidade porque aqui eu não passo fome com meus filhos, tem muita doação. [No acampamento] a gente é uma família. Eu não arranjo confusão porque está todo mundo na mesma situação. Se eu vejo alguma discussão, eu me afasto.

Meu maior sonho como mãe é que Deus prepare um ‘auxílio’ pra mim, pra eu poder alugar uma casa e fazer minha vida com os meus filhos, sem depender de ninguém. No Dia das Mães, eu não quero ganhar presente não. Quero que Deus me dê mais um dia de vida, paz e saúde.”

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