Marielle: como se desvendou a rota da Fake News

Caso Marielle mostra como funciona a máquina de fake news

Infográfico do O Globo mostrando o caminho da difamação

O caso Marielle deu uma aula de fake news – e como combater essa doença das redes sociais. Nunca se expôs com tanta clareza os propagadores de mentiras, numa inédita mobilização dos veículos de comunicação responsáveis.
Ao percorrer a onda de mentiras contra Marielle Franco o jornal O Globo, apoiado em dados colhidos pelo Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) , encontrou uma peça fundamental que já tinha sido denunciada no ano passado pelo Catraca Livre : o site ceticismo político, sem expediente nem fonte de contato, usado frequentemente como referência pelo MBL. Portanto, um site-fantasma.

Seu suposto editor Luciano Ayan é um mistério: não há nenhuma foto dele nem dados sobre sua vida em fontes confiáveis. O site é registrado na Dinamarca – portanto, é impossível rastrear seus verdadeiros donos. Portanto, é um site-fantasma, que existe graças a facilidade de se manter esse tipo de perfil no Facebook.

O Catraca Livre, por exemplo, com seus 9 milhões de seguidores no Facebook, ficou de plantão 24 horas para desmentir os boatos,  auxiliado por fontes como Boatos.org e Aos Fatos – plataformas especializadas em checagem de informações. O Catraca faz parte de uma articulação para criar a Rede da Verdade ( ReVer): uma aliança de veículos de comunicação, empresas de tecnologia, grupos de checagem de fatos e entidades da sociedade civil para combater falsidades na internet. 

O mecanismo de propagação de fake news encontrou na desembargadora do Rio Marilia Castro Neves uma autoridade “respeitável” sobre Marielle Franco, vinculando-a ao crime organizado. Ela, porém, admitiu nunca ter ouvido falar na vereadora até o crime: Marielle tirou as “informações” do blog de uma amiga.

Na condição de “autoridade” no assunto e com um cargo importante, ela virou referência para a cadeia de falsidades espalhadas pelo Twitter, Facebook e WhatsApp. Foi aí que o site Ceticismo Político teve um papel fundamental ao servir de difusor para uma rede.

Afirma o Globo: o link do Ceticismo Político havia sido compartilhado mais de 360 mil vezes no Facebook, ocupando o primeiro lugar entre as publicações que abordaram o boato da ligação da vereadora com o crime organizado

Imagem com informações mentirosas atribuídas a Marielle FrancoNesse momento, entram milhares de robôs disseminando a informação, além de perfis falsos, ancorados numa opinião “respeitável”.

No Twitter, o deputado Alberto Fraga, presidente do DEM no Distrito Federal e presidente da Frente Parlamentar de Segurança Pública, fortaleceu as mentiras, ao posta: “Conheçam o novo mito da esquerda, Marielle Franco. Engravidou aos 16 anos, ex-exposa do Marcinho VP, usuária de maconha, defensora de facção rival e eleita pelo Comando Vermelho, exonerou recentemente 6 funcionários, mas quem a matou foi a PM”.

Indagado pela reportagem da Band News, o deputado, que também é coronel da reserva, disse que recebeu as informações pelas redes sociais e compartilhou sem apurar a veracidade do conteúdo.

Imagem falsa contra Marielle

A imagem acima mostra uma mulher, que não é Marielle, no colo do traficante Marcinho VP. Foi disseminada  pelo pastor Marcos Carvalho, subtenente da Polícia Militar no Rio. Ele usou seu Facebook para distribuir o conteúdo e, depois, apagou a postagem.

A Agência Lupa mostrou que a postagem de Carvalho teve milhares de curtidas e foi fartamente compartilhada no Facebook. “A imagem apareceu em um grupo que eu faço parte. E eu postei no Facebook, dizendo que ‘a imagem falava por si’, simplesmente isso (….) Peço perdão aos familiares e amigos da Marielle”, escreveu Carvalho.

Em sua foto de perfil, Carvalho aparece ao lado do deputado federal Cabo Daciolo (Avante-RJ), que foi eleito pelo PSOL em 2014, mas expulso da legenda em 2015. Na segunda-feira (15), o pastor gravou um vídeo pedindo “perdão” por ter compartilhado a foto e disse que tinha retirado a imagem de um “grupo de WhatsApp”.

Em todos os casos citados, os envolvidos na disseminação de mentiras tiveram de se retratar.

No caso da desembargadora Marília Castro Neves, ao constatar a leviandade de seu post e acuada por denúncias de fake news, ela o apagou e, mais tarde, se desculpou, dizendo ter sido precipitada.

A vida da desembargadora foi então vasculhada: descobriram post escritos por ela disseminando preconceito contra pessoas síndrome de Down, ódio a políticos de esquerda, estimulando desprezo às campanhas contra assédio sexual. Será processada em várias frentes.

O deputado Alberto Fraga será alvo de uma representação no Conselho de Ética da Câmara. Segundo ele, se arrependeu da publicação.

O MBL viu-se obrigado a mudar o tom do caso Marielle, exigindo uma apuração do assassinato.

Houve uma avalanche que envolveu rigorosamente todos os veículos de comunicação contra as mentiras sobre a vereadora assassinada. Publicou-se, com muito destaque, depoimento de um coronel da PM do Rio – Robson Rodrigues –  a favor da vereadora, que teve dezenas de milhões de leitores.

“Cada morte violenta me arranca um pedaço da alma, pois os mais de 60 mil homicídios ao ano nos distanciam, e muito, do lugar civilizatório que, julgo, mereceríamos ocupar como país tão lindo como o nosso. Calo, sofro, choro em silêncio. Não me apraz falar, não me apraz comparecer a rituais de despedida fúnebre e sentir o sofrimento das pessoas, principalmente dos familiares, em respeito a suas dores. O cargo me obrigou a assistir inúmeros enterros, de inúmeras vítimas policiais de uma guerra fratricida que nos prostra enquanto seres humanos. Uma guerra inglória”, escreveu o coronel.

O resultado final foi que um dos legados de Marielle foi mostrar como se combate a indústria da mentira nas redes sociais.

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