MPF denuncia seis por tortura e assassinato de Vladimir Herzog
Decisão atende às determinações da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que condenou o Brasil por se omitir na investigação do caso
Era 25 outubro de 1975 quando Vladimir Herzog teve a morte anunciada pela ditadura militar. Levado um dia antes à sede do Doi-Codi, em São Paulo, para prestar depoimento, o laudo expedido pela perícia atestava suicídio.
A foto de Vlado enforcado ganharia o mundo. Se tornaria símbolo das atrocidades cometidas durante os 21 anos de ditadura. Nesta terça-feira, 17, 45 anos após o episódio, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou seis pessoas pelo crime.
A decisão responde às determinações da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que em 2018 condenou o Estado brasileiro por se omitir na investigação, julgamento e punição dos envolvidos na morte de Herzog.
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Audir Santos Maciel, na época comandante responsável pelo Doi-Codi, e José Barros Paes, então Chefe de Comando da Segunda Seção do Estado Maior do II Exército, seriam, segundo a promotoria, responsáveis ‘por motivo torpe, com o emprego de tortura e por meio de recurso que impossibilitou a defesa’ de Herzog.
Além disso, o MP destaca que a morte de Herzog representava o uso do aparato estatal para reprimir opositores. “O homicídio de Vladimir Herzog foi cometido por motivo torpe, consistente na busca pela preservação do poder usurpado em 1964, mediante violência e uso do aparato estatal para reprimir e eliminar opositores do regime e garantir a impunidade dos autores de homicídios, torturas, sequestros e ocultações de cadáver.”
No texto, a procuradoria destaca que o crime foi envolveu um ‘grande número de agentes’ do Doi-Codi, que trabalharam tanto no sequestro quanto na vigilância de Herzog. “O homicídio praticado pelos denunciados foi cometido com emprego de tortura, consistente na inflição intencional de sofrimentos físicos e mentais agudos contra a vítima, com o fim de intimidá-lo e dele obter informações.”
Ainda segundo a denúncia, Audir Maciel, José Paes e Altair Casadei, apontado como carcereiro de Herzog, foram responsáveis por modificar a cena do crime ‘ao colocar o cadáver em posição de enforcamento, com o intuito de induzir a erro a Polícia Técnica, o juiz criminal e a sociedade, objetivando ocultar a realidade de que ali ocorrera uma sessão de tortura’.
Uma história de impunidade
Consta também a participação dos médicos legistas Harry Shibata e Arildo de Toledo Viana, ambos do Instituto Médico Legal de São Paulo (IML). Dois dias após a morte, eles teriam forjado o laudo médico do crime, atestando suicídio. “Visando a assegurar a ocultação e a impunidade do crime de homicídio acima mencionado, omitiram, em documento público, declarações que dele deviam constar, com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevantes”.
Segundo a Procuradoria, Shibata e Viana serviam à ditadura militar e, por isso, forjaram a versão para não perder os respectivos cargos. O documento, assinado por ambos, destaca a inexistência de ‘lesões mortais de qualquer natureza, capazes de qualificar a morte de violenta ou natural patológica’.
Durval Ayrton Moura de Araújo, responsável pelo Inquérito Policial Militar (IMP) no caso, também aparece na denúncia do MP. A versão aponta que ele ‘auxiliou na manutenção da versão falaciosa dos fatos, valendo-se também da função pública para tal fim, de modo que o IMP foi direcionado à ‘comprovação’ da ocorrência de suicídio’.
O que acontece ?
Se a denúncia da Procuradoria for aceita pela Justiça, Audir Maciel e José Paes responderão pelo assassinato de Herzog ‘por motivo torpe’, os médicos legistas Harry Shibata e Arildo Viana por omitir informações verdadeiras e inserir dados falsos em documento público, Ailton Casadei, carcereiro do Doi-Codi, será réu por induzir peritos ao erro e Durval Araújo por deixar de praticar ato de ofício para satisfazer interesse pessoal.
Instituto Vladimir Herzong pede justiça
Em nota, o instituto divulgou nota sobre a denúncia expedida pelo MPF, onde diz esperar que a justiça seja feita.
“O Instituto Vladimir Herzog espera que a Justiça brasileira cumpra a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) diante da importante decisão do Ministério Público Federal (MPF), que denunciou seis agentes da ditadura militar (1964-1985) pelo assassinato de Vladimir Herzog, ocorrido em 25 de outubro de 1975.
A denúncia do MPF, revelada nesta terça-feira, 17 de março de 2020, aponta como responsáveis pelo assassinato de Herzog os militares José Barros Paes, Audir Santos Maciel e Altair Casadei, que eram do comando das forças de repressão do exército; os médicos legistas Harry Shibata e Arildo de Toledo, que assinaram um falso laudo de suicídio; e o promotor Durval Moura de Araújo, que nunca denunciou os envolvidos no caso.
Nossa expectativa agora é que a Justiça brasileira aceite imediatamente a denúncia do MPF e os acusados possam ser levados a julgamento, colocando um ponto final nesses 45 anos de impunidade”.