Mulher que atacou casal gay em petshop poderia ser presa em flagrante?
Entenda como funciona o processo penal que poderia levar alguém a ser preso por cometer o crime de homofobia
Na última segunda-feira, 28, começou a circular um vídeo na internet em que uma mulher que vestia uma camiseta escrito “fé” atacava um casal gay dentro de uma loja de petshop em Birigui, interior de São Paulo. Na ocasião, ela disse que o relacionamento das vítimas “não é de Deus”.
Na gravação feita por um dos homens atacados, dá pra ver o quanto a mulher estava alterada, destilando muito ódio e praticando visivelmente homofobia contra os gays. De xingamentos a ameaças, ela não teve nenhum pudor em fazer o que fez, se sentiu totalmente impune mesmo quando foi alertada que a polícia seria chamada.
Para entender melhor como poderia proceder esse caso juridicamente, conversamos com Ednardo Mota, advogado criminalista e especialista em Direito Penal, Processo Penal e Criminologia formado pela UERJ.
Como se configura crime de homofobia nesse caso?
Ednardo explica que o crime de injúria consiste na ofensa à honra ou dignidade de alguém e tem a pena de 1 a 3 meses de detenção ou multa, previsto no artigo 140 do Código Penal.
“Quando praticado com a utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, orientação sexual, identidade de gênero, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, o crime é qualificado, a pena é mais alta e a ação penal deixa de ser privada e se torna pública, condicionada à representação da vítima”, disse.
Só para esclarecer, ação penal privada é uma iniciativa da vítima ou seu representante legal, se ela for menor ou incapaz. Já a ação penal pública é a que depende de iniciativa do Ministério Público. Ela sempre se inicia por meio da denúncia, que é a peça inicial do processo.
A mulher poderia ter sido presa?
De acordo com Mota, a mulher poderia ter sido presa em flagrante delito e ter sido conduzida à delegacia de polícia civil para registro de ocorrência pela suposta prática, em tese, do crime de injúria preconceituosa, qualificada do delito de injúria, prevista no artigo 140, § 3° do Código Penal, com pena de 1 a 3 anos de reclusão e multa.
“Nesse caso, eventual prisão não perduraria muito, uma vez que não seria possível a conversão da prisão em flagrante em preventiva, pois para essa espécie de prisão provisória a lei exige que se trate de crime cuja pena máxima ultrapasse o patamar de 4 anos (artigo 313, inciso I do Código de Processo Penal)”, ressaltou o advogado.
Isso acontece porque em caso de condenação ao fim de eventual ação penal, autores de crimes cujas penas máximas não ultrapassem o limite de 4 anos, teriam direito ao regime aberto, além da possibilidade de substituição da pena de privativa de liberdade por pena restritiva de direito, como prestação pecuniária, limitação de fim de semana, serviços comunitários, dentre outras.
Ednardo Mota diz que a prisão provisória, como forma de medida cautelar, não seria proporcional e razoável. A pessoa seria submetida provisoriamente a uma situação mais gravosa do que a que poderia lhe ser imposta em caso de condenação definitiva.
A pena de reclusão é aplicada a condenações mais rigorosas, o regime de cumprimento pode ser fechado, semi-aberto ou aberto, e normalmente é cumprida em estabelecimentos de segurança máxima ou média. Diferentemente da pena de detenção que é aplicada para condenações mais leves e não admite que o inicio do cumprimento seja no regime fechado.
O ataque pode ser considerado crime de homofobia?
Segundo Ednardo, as agressões verbais feitas pela mulher no vídeo são nitidamente ofensas homofóbicas, em razão de se dirigirem à orientação sexual das vítimas. Assim, não configuram apenas crimes de injúria simples, mas atraem a aplicação de sua forma qualificada, a injúria racial do artigo 140, § 3° do Código Penal.
“Importante observar que a orientação sexual e a identidade de gênero não estão previstas expressamente no Código Penal como circunstâncias que agravam o crime de injúria, mas são assim consideradas desde o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, em 2019, da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, e do Mandado de Injunção (MI) 4733, quando a Suprema Corte entendeu que é inconstitucional a demora do Congresso Nacional em criminalizar atos de homofobia e de transfobia, decidindo que até que o parlamento edite uma lei nesse sentido, condutas homofóbicas e transfóbicas devem ser enquadradas nos crimes de racismo, previstos na Lei 7.716/2018”, explica.
Como proceder em algum caso semelhante?
O advogado especifica que a pessoa que sofrer preconceito homofóbico, transfóbico, racial ou qualquer discriminação em razão de sua orientação sexual ou identidade de gênero pode registrar boletim de ocorrência em qualquer delegacia de polícia para buscar a responsabilização criminal do ofensor, bem como pleitear uma indenização no âmbito da responsabilidade civil.
“É aconselhável reunir o maior número de informações e provas possíveis do fato, como fotos, vídeos e dados das testemunhas, e, preferencialmente, buscar assistência de um advogado ou da Defensoria Pública, através de seus núcleos especializados em igualdade racial, LGBT e direitos humanos”, finaliza.