Mulheres sofrem ataques ao defender a democracia no Brasil
Para a historiadora Juliana Serzedello, é muito importante que as mulheres estejam atentas para não perder os direitos já conquistados
Jornalistas, políticas, professoras, pesquisadoras, atrizes, escritoras, advogadas. As mulheres estão em todos os lugares, cada vez mais, decorrente de muita luta encabeçada pelos movimentos feministas ao longo da história. Apesar dos avanços e do maior espaço conquistado, elas ainda são minoria e vítimas de ataques frequentes por defenderem suas opiniões, seus direitos e, sobretudo, a democracia.
No campo político, a importância da representatividade feminina tem sido mais discutida, inclusive com a criação de movimentos como o Vote Nelas, que incentiva a presença de mais mulheres no poder. Uma pesquisa do Ibope, em parceria com a ONU Mulheres Brasil, mostrou que 70% dos brasileiros acreditam que a democracia só existe de fato se houver a presença de mulheres na política. Para 80% dos entrevistados, a participação feminina causa transformações positivas nesses ambientes.
Ainda que o eleitorado seja composto por 52% de mulheres, o número de eleitas é baixo. Em 2018, o total de escolhidas para a Câmara dos Deputados passou de 10% para 15%. No Senado, o percentual caiu de 18% para 13%.
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A violência que assola a vida de milhares de mulheres diariamente em todo o país também se reflete no meio político. Em março de 2018, a vereadora Marielle Franco, defensora de pautas relacionadas aos direitos humanos, foi brutalmente assassinada no Rio de Janeiro e, até hoje, o crime não foi solucionado. O ocorrido teve repercussão internacional e trouxe à tona a perseguição que existe contra representantes mulheres em cargos de poder. Outro exemplo disso são os ataques machistas contra a ex-presidente Dilma Rousseff em 2016, na época de seu impeachment.
A eleição do presidente Jair Bolsonaro veio acompanhada da intensificação de um discurso de ódio e machista, além da perseguição a jornalistas, especialmente mulheres. Os dois casos mais emblemáticos sobre o tema são os ataques a Patricia Campos Mello, da Folha de S.Paulo, e Vera Magalhães, do Estadão, responsáveis por denúncias contra o governo.
Desde 2019, a ciência também tem sido alvo de ataques e cortes de verba, em uma tentativa de desvalorização da área. Apesar disso, pesquisadores e pesquisadoras demonstraram a necessidade de investimento na área.
Exemplo disso é o caso da dupla de cientistas que sequenciou o genoma do coronavírus em menos de 48 horas. São elas: Jaqueline Goes de Jesus, pós-doutoranda na Faculdade de Medicina da USP e bolsista da Fapesp, e Ester Sabino, diretora do Instituto de Medicina Tropical (IMT) da USP e coordenadora do Centro Conjunto Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE), que é apoiado pela Fapesp e pelos britânicos Medical Research Council e Fundo Newton.
Mas qual o papel da luta das mulheres neste momento de fragilidade da democracia brasileira?
Para Juliana Serzedello, historiadora e professora do Instituto Federal de São Paulo, é muito importante que as mulheres estejam atentas para não perder os direitos já conquistados. “Nós estamos em um momento muito delicado do jogo democrático no Brasil, então buscar a manutenção de direitos conquistados, como a legislação que regulamenta o trabalho das domésticas, o direito ao aborto legalizado e o direito ao bolsa família”, diz.
“E também ampliar esses direitos, pensar em direitos reprodutivos, nos direitos da população encarcerada, e da comunidade negra, LGBT e indígena; estas são as pautas centrais do jogo democrático do Brasil atualmente”, completa a especialista.
Neste Dia Internacional da Mulher, a Catraca Livre lembra a história de figuras que, recentemente, foram vítimas de ataques pelo fato de defenderem a democracia, cada uma a sua maneira. Confira abaixo:
Talíria Petrone
“Uma mandata negra, feminista e popular no Congresso Nacional!”, assim se define a deputada federal Talíria Petrone, eleita pelo PSOL nas eleições de 2018, com 107.317 votos, para representar o estado do Rio de Janeiro. Sua militância começou em 2010, quando conheceu o partido e decidiu se candidatar a vereadora em sua cidade natal, Niterói.
A candidatura como deputada federal veio algum tempo depois, em decorrência do crime político contra a vereadora Marielle Franco, amiga e companheira de lutas de Talíria e com quem ela iniciou a vida pública. “Vimos a necessidade de dar consequência política a esse crime que marca nossa ainda frágil e incompleta democracia. Decidimos juntas não ter mais receios de ocupar cada vez mais o poder com os nossos corpos e vozes”, ressalta em seu site.
Após eleita, Talíria começou a ser vítima de ataques mais graves, assim como os sofridos por outros parlamentares, como Jean Wyllys. A deputada federal foi ameaçada de morte e passou a ser escoltada por agentes do Departamento de Polícia Legislativa (Depol) em Brasília. A solicitação veio diante das ameaças que circularam na deep web, descobertas pela Polícia Federal.
Patricia Campos Mello
A jornalista Patricia Campos Mello, da Folha de S.Paulo, aparece na terceira posição de uma lista que inclui os 10 casos mais urgentes de ataques contra jornalistas em todo o mundo. O ranking foi feito pela organização internacional One Free Press Coalition. A repórter revelou que empresas estavam enviando mensagens em massa pelo WhatsApp durante as eleições de 2018, o que é uma prática ilegal.
Patricia virou vítima das milícias digitais bolsonaristas depois de um depoimento prestado à CPMI das Fake News por Hans River do Nascimento, ex-funcionário de uma empresa envolvida no disparo de mensagens por WhatsApp. Patricia recebeu, ainda, insultos de conotação sexual, feitos pelo próprio presidente da República, Jair Bolsonaro. “Ela [Patricia] queria um furo. Ela queria dar o furo a qualquer preço contra mim”, afirmou ele a militantes em frente ao Palácio da Alvorada.
Vera Magalhães
A jornalista e colunista do Estadão Vera Magalhães se tornou alvo de ataques nas redes sociais após divulgar que o presidente Jair Bolsonaro, por meio de seu celular, compartilhou vídeos convocando a população para as manifestações contra o Congresso Nacional.
Após a denúncia, bolsonaristas criaram uma conta no WhatsApp em nome da jornalista e enviaram mensagens falsas em outras redes sociais. Também chegaram a compartilhar uma cobrança de 2015 da escola em que estudam os filhos de Vera. O youtuber Leandro Ruschel defendeu a exposição de informações pessoais da profissional, como o salário que recebe da TV Cultura para apresentar o programa “Roda Viva”.
“A gente já viu ataques a jornalistas em governos passados, mas neste existe uma característica de que os ataques destinados a mulheres são muito mais violentos e sempre embutem um componente machista, misógino, sexista, como aconteceu com a Patricia Campos Mello e comigo mais recentemente. Isso é autorizado pelo presidente da República, pela sua família, e se espraia para outras autoridades e também para as redes sociais apoiadoras do governo”, diz, em entrevista à Catraca Livre.
Anielle Franco
A dor de perder a irmã, Marielle, fez com que Anielle Franco lutasse cada dia mais para que a vereadora nunca fosse esquecida e tomou a frente do movimento para representá-la. Ao longo desses dois anos desde o crime no Rio de Janeiro, a escritora sofreu — e ainda sofre — ataques por defender quem sempre a inspirou. Ela relatou que chegou a ser alvo de cuspida na rua com sua filha no colo.
Anielle criou, também, o Instituto Marielle Franco, do qual é diretora, que oferece aulas, palestras e orientações, e está escrevendo um livro de memórias da vereadora.
Sâmia Bomfim
Atual deputada federal pelo PSOL em São Paulo, Sâmia Bomfim convive com ataques distintos desde a época em que foi eleita vereadora por São Paulo. Naquele período, seu colega, Fernando Holiday (DEM), chegou a pedir sua cassação e estimulou seus seguidores a disseminarem mensagens de ódio contra ela. Também sofreu machismo e gordofobia por parte do apresentador Fernando Gentili, que a chamou de “gorda”.
Defensora dos direitos das mulheres, a deputada federal também é pré-candidata do PSOL à Prefeitura de São Paulo. À Catraca Livre Sâmia reiterou que o país vive um momento grave da história, de “fortes ataques às liberdades democráticas, seja liberdade de imprensa, no Judiciário, na liberdade política, de organização, de participação em movimentos sociais”.
“Nós vemos as mulheres como principal alvo, em especial, por parte do presidente Bolsonaro e da sua trupe de apoiadores. Eu, como mulher, que me coloco nessa condição de superar os problemas do nosso modelo de democracia, sou vítima de uma série de ataques, em especial com o argumento da misoginia: a contestação da nossa capacidade intelectual, da capacidade política, ou muitas vezes ofensas a respeito da minha forma física, uma série de memes, fake news, e tudo utilizado nas redes sociais”, explicou.
Tabata Amaral
A deputada federal Tabata Amaral, de 26 anos, a segunda parlamentar mais jovem da atual legislatura, foi alvo de ataques após votar a favor da reforma da Previdência. As mensagens ofensivas vieram tanto da oposição, do PDT e também dos grupos conservadores. À época, ela declarou que via hipocrisia em tais ataques da esquerda e que parte deles era machista.
“No momento em que eles olham para a votação da reforma da Previdência e não reconhecem todo o esforço pessoal que eu fiz para mudar o texto, me parece hipócrita e também triste que essa oposição gaste tempo com alguém que se coloca no campo progressista, só porque ela ao mesmo tempo tem uma visão de mundo que contempla a responsabilidade fiscal também”, explicou, em entrevista ao Congresso em Foco.
Em outra ocasião, Tabata publicou um vídeo em suas redes sociais afirmando que estava sofrendo ameaças da milícia virtual bolsonarista após pedir o pedido de impeachment do ministro da Educação, Abraham Weintraub, no STF (Supremo Tribunal Federal).
Rachel Sheherazade
Rachel Sheherazade, âncora do principal telejornal do SBT, está entre as jornalistas vítimas de ataques por se manifestarem contra o governo Bolsonaro. Segundo a apresentadora, ela e os filhos recebem ameaças de morte constantes. “Campanhas difamatórias, ataques em massa, ameaças de morte, ameaças contra meus filhos têm sido uma rotina desde que ousei criticar o então candidato Jair Bolsonaro, ainda no episódio da greve dos caminhoneiros em 2018”, escreveu pelo Twitter.
Ao comentar a campanha difamatória contra Vera Magalhães, Sheherazade ressaltou que o que há em comum em todos os ataques recentes contra jornalistas é que as vítimas são mulheres. “Todos partem do mesmo escritório virtual do crime, já denunciado na CPMI das Fake News, e solenemente ignorado pelo sr. PGR e pelo Ministro da Justiça, Sergio Moro. A violência que minhas colegas sofrem eu sofri e tenho sofrido também”, afirmou.
A jornalista do SBT disse ainda que não pode afirmar que os ataques sejam feitos a mando de Bolsonaro, “mas não há como negar que ele tira proveito do ódio que semeia”. “É esse ódio que inspira seus discípulos, que encoraja os covardes, que põe em xeque a própria liberdade de imprensa”, ressaltou.