O que as crianças perdem quando a Filosofia sai da escola?
A medida provisória aprovada pelo Governo Federal neste mês de setembro, que desobriga o ensino de artes, sociologia e filosofia nas escolas, apesar de impactar mais diretamente a vida dos jovens secundaristas, uma vez que se aplica à reforma curricular do Ensino Médio, levanta reflexões cruciais para a educação infantil. Afinal, o que as crianças aprendem quando estudam Filosofia?
O educador Peter Worley, presidente da The Philosophy Foundation, e pesquisador do King’s College de Londres, fez um experimento com crianças de nove e dez anos de uma escola pública de Londres que acabou se revelando um diálogo filosófico genuíno. A experiência foi relatada em um artigo, publicado no site Aeon e traduzido pelo Portal Aprendiz. E faz pensar: Como estimular o talento natural das crianças para filosofar sobre as coisas? Afinal, mais do que um currículo obrigatório, a filosofia é inerente ao ser humano, e estudos já comprovam que ela contribui para a apreensão das ciências práticas, como a matemática. O que significa, então, proporcionar uma relação com as questões humanas mais primordiais?
Peter fez a seguinte pergunta às crianças: “Alguém gostaria de viajar pelo tempo?”, com a condição de que o lugar escolhido para a viagem fosse no futuro, pois a máquina imaginária não vai para o passado, e também que o destino da viagem estivesse a menos de 15 segundos de distância. Bastou esse cenário sugerido para que as crianças mergulhassem numa reflexão profunda sobre o tempo, a vida e existência humana.
A primeira participante da brincadeira-experimento é uma menina. Ela se senta em uma cadeira que faz as vezes de máquina do tempo. Então, o professora estimula que todos os outros alunos contem até 12 – seria o tempo de chegar no destino escolhido. Depois, Peter questiona: “Afinal, ela viajou no tempo”, ao que uma das crianças responde: “Somos todos viajantes do tempo”. Outros dizem que não, que ela apenas ficou lá sentada e não saiu do lugar. E outros vão além:
“Existem dois tipos de viagem no tempo: ‘natural’ e ‘artificial’. A viagem natural pelo tempo é a maneira pela qual todos nos movemos pelo tempo; já a ‘artificial’ é o que viajantes do tempo, como o Doctor Who, fazem.”
“Quando eu faço filosofia com as crianças, eu estou introduzindo à filosofia como uma atividade, um processo de pensamento – estou introduzindo-as ao ato de filosofar. Minha questão é: isso acontece suficientemente?”, questiona Peter, ressaltando que muitas pessoas – professores até – caem no equívoco de achar que aprender filosofia é aprender o que ela quer dizer. Para ele, é muito mais do que isso, é colocar-se à disposição da reflexão, do pensamento crítico. E não faltam exemplos de que as crianças fazem isso o tempo todo, em seus infindáveis “porquês” sobre as coisas. “Crianças não podem ler textos filosóficos, não podem examinar argumentos complexos feitos por filósofos históricos profissionais. Mas elas podem responder a questões profundas, elaboradas de maneira simples”, conclui o professor.
Crianças são filósofas por natureza
No livro “A poética do devaneio”, o filósofo francês Gaston Bachelard defende o valor das capacidades imaginativas da criança para recriar situações vividas e inventadas, e afirma que nosso poder de ressignificação da vida começa na infância, quando a criança constrói suas primeiras referências de solidariedade em relação ao outro e de consciência de si mesma.
“Somente pela narração dos outros é que conhecemos a nossa unidade. No fio de nossa história contada pelos outros, acabamos, ano após ano, por parecer-nos com nós mesmos”, explica o autor. Para ele, o germe de uma infância bem nutrida desses potenciais de imaginação permanece na vida adulta. “Uma infância potencial habita em nós. Essa infância, aliás, permanece como uma simpatia de abertura para a vida, permite-nos compreender e amar as crianças como se fossemos os seus iguais”
*Com informações do Portal Aprendiz e do Aeon Ideas