Petição de alunas cobra mais autoras mulheres em livros da Fuvest

Dos 9 livros cobrados no vestibular, só um é de autoria feminina

“Representativo e sintomático”, assim definem as alunas sobre lista do vestibular reforçar a desvalorização intelectual das mulheres
Créditos: Arquivo Pessoal
“Representativo e sintomático”, assim definem as alunas sobre lista do vestibular reforçar a desvalorização intelectual das mulheres

Foi numa aula de português que Alice Lauria, estudante do 2º Ensino Médio “passou os olhos” pela lista dos nove livros exigidos no vestibular da Fuvest e percebeu que apenas um deles tinha sido escrito por uma mulher.

O sentimento de revolta causado pela desvalorização feminina motivou a aluna e suas colegas, integrantes do coletivo feminista “Eu não sou uma Gracinha”, a criarem um abaixo-assinado para que o processo seletivo torne mais equilibrada a proporção de autores homens e mulheres em sua seleção de livros obrigatórios.

A petição foi aberta pelas estudantes na Change.org durante um workshop do programa Elas Mudam o Mundo, que tem como foco empoderar mulheres a usarem melhor a tecnologia para se mobilizarem pelas mudanças sociais que desejam ver no Brasil e no mundo. Criado há menos de duas semanas, o abaixo-assinado já acumula quase mil assinaturas em apoio.

“Já passou da hora de as mulheres começarem a ser valorizadas, e não incluí-las na lista de livros obrigatórios de um dos vestibulares mais importantes do Brasil, é reforçar essa desvalorização”, desabafa Alice.

O problema vem de longe: uma análise realizada pela Change.org na lista de livros obrigatórios exigidos pela prova da Fuvest, o vestibular para ingresso na mais concorrida universidade do país, a Universidade de São Paulo (USP), mostra que não foram exigidos livros escritos por autoras mulheres entre 2010 e 2017. A partir de 2018, dos 9 livros exigidos pelo vestibular, apenas um era de autoria feminina. A baixa proporção se manteve na lista de obras obrigatórias para 2019, 2020, 2021 e 2022.

Estudando o gênero literário Romantismo há mais de quatro meses, Alice se indigna por nunca ter aprendido em sala de aula um pouco mais sobre Maria Firmina dos Reis, considerada a primeira romancista brasileira. “Para nós, ela representa muito, além de ser mulher, era negra e escreveu o primeiro livro que relata a escravidão do ponto de vista dos escravos. Mas não parece ser valorizada do jeito que deveria”, comenta. Entre as principais obras da autora estão “Úrsula” (1859) e o conto “A Escrava” (1887).

Descontentes em perceber a desvalorização das mulheres, inclusive no meio literário, as estudantes inauguraram na escola uma estante feminista, batizada de “Maria Firmina dos Reis”, com diversos livros escritos por mulheres, inclusive “Eu Sou Malala”, biografia da paquistanesa baleada pelo grupo radical islâmico Talibã. Malala Yousafzai, ativista pela educação de meninas e mulheres, foi a mais jovem vencedora de um Nobel da Paz, em 2014.

Luzia Alonso, Lena Giuliano e Alice Lauria em frente à estante feminista “Maria Firmina dos Reis”
Créditos: Arquivo Pessoal
Luzia Alonso, Lena Giuliano e Alice Lauria em frente à estante feminista “Maria Firmina dos Reis”

Pela afirmação e representatividade da mulher

Luzia Alonso, que cursa o último ano do Ensino Médio, acredita que a exigência feita na petição funciona como uma afirmação da mulher. “Ter essas autoras nas leituras obrigatórias do vestibular é uma afirmação de que estamos ocupando significativo espaço e principalmente de que já fizemos história. Clarice Lispector escreve em ‘A Hora da Estrela’: ‘(…) um outro escritor, sim, mas teria que ser homem porque escritora mulher pode lacrimejar piegas’, demonstrando uma perspectiva histórica quanto à literatura produzida por mulheres'”, diz.

Para a jovem, que deve prestar o vestibular em breve, a mudança na lista dos livros representaria para as mulheres a possibilidade de “nos vermos nas narrativas não como objetos de idealização ou personagens planos, sem aprofundamento, mas como protagonistas fortes, capazes e aptas para escrevermos nossas próprias histórias”. “É o momento para que deixemos de silenciar mulheres esquecidas na história brasileira”, comenta Luzia, lembrando-se que os alunos crescem com poucos exemplos femininos em todas as áreas do conhecimento e sempre a partir da perspectiva do homem, sendo eles retratados como “vanguardistas”.

Considerada referência e a mais importante universidade da América Latina, a USP já tem definidas todas as obras literárias para os processos seletivos dos próximos três anos. A lista, que pode ser consultada no site da Fuvest, mostra apenas uma autora entre os nove definidos para cada um dos anos — Helena Morley, com “Minha Vida de Menina”, em 2020, e Cecília Meireles, com “Romanceiro da Inconfidência”, para 2021 e 2022.

“Visto que grande parte da elaboração do currículo básico das escolas pauta-se na matéria requerida, a ausência de autoras mulheres contribui para que o ensino básico não trate sobre elas e por conseguinte que elas não sejam referências brasileiras. É necessário que esse conhecimento seja público e que a contribuição das mulheres seja reconhecida”, comenta Luzia. A estudante enfatiza que das poucas referências a mulheres no meio acadêmico, a maioria ainda é sobre os trabalhos de mulheres brancas e de classe média.

As alunas apostam no abaixo-assinado para mudar essa realidade. Segundo Lena Giuliano, que está no 2º ano do Ensino Médio, um abaixo-assinado online pode trazer uma visibilidade enorme para a mobilização. “Além das petições serem fáceis e rápidas em sua criação, apoiá-las também tem essas características: basta colocar seu e-mail e seu nome, o que é essencial para que as pessoas vençam a preguiça e apoiem a causa”, destaca a adolescente, esperando que a Fuvest dê atenção à petição criada pelo coletivo feminista das estudantes.

‘Eu não sou uma Gracinha’

As alunas, que estudam na Escola Gracinha (Nossa Senhora das Graças), na zona sul de São Paulo, fazem parte do coletivo “Eu não sou uma Gracinha”, criado em 2014. O grupo é fruto de um projeto escolar de História, desenvolvido por alunas que cursavam o 9º ano.

Todas as sextas-feiras as integrantes do coletivo se reúnem. Ainda são feitos alguns encontros extraordinários, que podem incluir professoras, mães, funcionárias e alunos meninos. ”

Já fizemos reunião extraordinária com temas como feminismo negro, vertentes feministas, a legalização do aborto na Argentina, microagressões, pornografia e prostituição, roda de conversa mães e filhas, entre outras”, conta Alice Lauria. Como benefícios decorrentes das ações do grupo, a estudante acredita que a relação, tanto da escola quanto dos alunos com questões ligadas ao feminismo e machismo, mudou depois que o coletivo iniciou as atividades.

Em parceria com Change.org (Oficial)

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