‘O poder público não tem cultura do planejamento’, diz urbanista

Ao Catraca Livre, o urbanista Kazuo Nakano afirma que a prevenção em áreas de risco é essencial para evitar novas tragédias

05/05/2018 19:13 / Atualizado em 29/06/2018 15:10

Edifício Wilton Paes de Almeida, no centro de São Paulo, antes da tragédia
Edifício Wilton Paes de Almeida, no centro de São Paulo, antes da tragédia

A tragédia do edifício Wilton Paes de Almeida, no centro de São Paulo, evidenciou a urgência da discussão sobre o direito à moradia em grandes cidades. O prédio de 24 andares, que pegou fogo e desabou na madrugada desta terça-feira, dia 1º, era ocupado por 169 famílias e 428 moradores, segundo informações da prefeitura. O incêndio foi causado por um curto-circuito em uma tomada no quinto piso.

O desmoronamento da ocupação mobilizou muitas pessoas, instituições e movimentos por moradia a ajudarem as famílias vítimas do ocorrido. Toneladas de doações foram entregues à Cruz Vermelha, além dos itens levados a igrejas, outros prédios ocupados, instituições ou diretamente aos moradores que estão acampados perto do edifício.

Ao Catraca Livre, o urbanista Kazuo Nakano, doutor em Demografia pela Universidade de Campinas (Unicamp) e mestre em Estruturas Ambientais Urbanas pela Universidade de São Paulo (USP), disse que a rápida mobilização é significativa para a luta social. “Temos agora todo um contexto para acirrar as denúncias e mostrar a omissão do poder público em relação ao atendimento das necessidades habitacionais da população de baixa renda”, afirma.

O prédio pegou fogo e desabou na última terça-feira, dia 1º
O prédio pegou fogo e desabou na última terça-feira, dia 1º

Segundo o especialista, São Paulo tem dois planos de habitação prontos e bons, que dimensionam todas as necessidades da capital e as estratégias de construção de novas moradias, mas eles permanecem no papel. “A prefeitura não segue suas responsabilidades de fazer uma política habitacional efetiva em larga escala, como a cidade precisa”, declara.

O arquiteto acrescenta que é preciso vistoriar todas as outras ocupações para garantir a segurança não só de prédios, mas também de todas áreas de risco. “Temos 470 áreas de risco de desabamento na cidade já mapeadas, que estão ocupadas por moradias de famílias de baixa renda”, diz.

Por isso, a prevenção é extremamente necessária para evitar mais tragédias. “Os poderes públicos do Brasil estão considerando cada vez menos a cultura do projeto e do planejamento, pois para eles isso é algo secundário. Tudo acaba sendo trabalhado na base do improviso e da emergência”, acrescenta Nakano.

O edifício era ocupado por 169 famílias e 428 moradores
O edifício era ocupado por 169 famílias e 428 moradores - Paulo Pinto

Em relação às alternativas para suprir a demanda por moradia em São Paulo, o urbanista cita algumas possibilidades. A primeira delas é a prefeitura trabalhar em parceria com os movimentos sociais para combater a tendência de criminalização dessas pessoas.

“Eles têm provado uma autogestão de boa qualidade e uma organização das famílias que moram nas ocupações. Formular e implementar uma política habitacional junto com os movimentos é algo que a gente já viu no Brasil em outras experiências e representa um dos caminhos importantes, embora não seja o único”, explica.

Outro ponto é considerar que a política habitacional do país não precisa ser só de produção de propriedade privada individualizada. “A gente tem que encarar novas formas de distribuição de moradias, como aluguel subsidiado, que é a locação social, baseado em um parque habitacional construído pelo poder público. Ou mesmo o aluguel subsidiado em parques habitacionais privados”, afirma.

“Além dessas alternativas, é essencial que a Prefeitura de São Paulo comece a montar um banco de terras e imóveis a serem utilizados para a produção de habitações para famílias que não têm onde viver”, finaliza Kazuo Nakano.