Policial cita ‘glamourização do militarismo’ e critica ‘radicalização’ da PM em atos

"Isso é algo pensado, construído nos últimos três anos por esses grupos bolsonaristas que agem dentro das corporações", destaca policial civil gaúcho

No último domingo, 31, centenas de manifestantes contrários ao governo Jair Bolsonaro se reuniram na avenida Paulista, região central de São Paulo, para pedir democracia em meio às diversas ameaças de cerceamento da liberdade no país.

O grupo, encabeçado por integrantes da torcida organizada Gaviões da Fiel, do Corinthians, e coletivos de torcedores dos times de São Paulo, Palmeiras e Santos, ocupou a região no início da tarde em meio a gritos contra o atual presidente e outras reivindicações.

A cerca de 300 metros dali, um grupo de apoiadores de Bolsonaro, em menor número, se aglomerava entoando suas tradicionais mensagens de fechamento do Congresso, STF e carregando bandeiras usadas por grupos supremacistas ucranianos.

Além de São Paulo, manifestações envolvendo bolsonaristas e opositores ocorreram no Rio de Janeiro e Porto Alegre no último domingo. Em todas as ocasiões, a Polícia Militar interviu para evitar confrontos. Curiosamente, bombas, tiros de bala de borracha e fuzil foram apontados para um lado: o de quem pedia democracia.

Em entrevista à CNN Brasil na tarde desta segunda-feira, 1º, o coronel Álvaro Batista Camilo, secretário executivo da Polícia Militar de São Paulo, afirmou que os primeiros conflitos começaram quando bolsonaristas partiram para cima dos manifestantes “antifascistas”.

Apesar disso, o que se viu durante a cobertura dos telejornais foi o ataque direto a apenas um grupo presente na ocasião. Se de um lado, opositores a Bolsonaro foram atacados com bombas de efeito moral e tiros de borracha, do outro bolsonaristas foram contidos harmoniosamente, quando não protegidos. A exemplo de uma manifestante, que carregava um bastão de beisebol, e foi conduzida por policiais sem qualquer medida enérgica.

Aparelhamento da segurança pública

Para o policial civil do Rio Grande do Sul Leonel Radde, a atuação da Polícia Militar não apenas em São Paulo, mas nas outras capitais, indica um nítido aparelhamento dos órgãos de segurança pública de diferentes regiões do país. “Isso é algo pensado, que vem sendo construído nos últimos três anos por esses grupos bolsonaristas que agem dentro das corporações. Possuem claras caraterísticas fascistas que impõem na cabeça de outros policiais. Isso acontece principalmente na Polícia Militar, a partir do momento que inventam a existência de um inimigo comunista, que quer subverter a ordem estabelecida.”

Pam Santos ⁩/ @soupamsantos (Fotos Públicas)

Radde explica que esse contexto de perseguição, entretanto, tem origem na própria estrutura da Polícia Militar, acostumada a tratar conflitos sociais, greves e manifestações como combate ao inimigo.

E lembra que o apoio de policiais a Bolsonaro acontece justamente no momento de maior crise do governo, em meio à queda de aprovação de eleitores, pandemia, recessão econômica e desgaste da imagem da família, alvo de investigações. “Junte isso à lógica da glamourização do militarismo, pelo Bolsonaro ter sido militar, ainda que seja um militar de caserna, que nunca fez nada e teve uma carreira ridícula, mas que distribui cargos no governo, faz afagos a PMs. Mais o discurso de que bandido bom é bandido morto, esse anticomunismo doentio, numa ode à violência dos policiais, isso gera essa radicalização desse grupo vinculado não apenas aos policiais militares, mas a todos os órgãos de segurança.”

Perseguição a opositores

Fatores que, segundo Radde, geram radicalização e tentativa de perseguição contra quem diverge de Bolsonaro. Não apenas nas ruas, mas também dentro das corporações policiais. “Ocorre a criminalização de quem, de forma democrática, é crítico ao presidente dentro da polícia. Algo típico do fascismo, né? E depois nos tacham de comunistas, como aconteceu na ditadura, no nazismo, no fascismo italiano e em todos esses regimes autoritários.”

Pam Santos ⁩/ @soupamsantos (Fotos Públicas)

Em sua análise, Radde explica que este fenômeno político abre caminho para um campo de visão único, em que o bolsonarismo se torna o único pensamento na corporação, fazendo com que a polícia deixe de ser um órgão de estado para se tornar representante de uma ideologia fascista, “de ode aos abusos, tolerância com milícia, neonazismo, ações de paramilitares. Crimes tipificados no Código Penal e que vão tendo leniência não só da polícia, mas de setores como Ministério Público e Judiciário. Salvo algumas exceções, como o STF, em que o ministro Celso de Mello chama a atenção para o clima de pré-nazismo, onde ele tem toda razão.”

Por isso, justifica ele, a polícia no último domingo partiu ao ataque contra aqueles que pediam democracia enquanto nada fez contra quem pedisse o fim da democracia. “É perfeitamente compreensível, dentro deste contexto, que uma manifestação pacífica, que pede democracia, seja atacada. Enquanto a outra, radicalizada e que exige o fechamento da democracia, cometendo crimes, como apologia à ideologia de supremacia racial, passe batido. Porque está de acordo com a ideologia plantada dentro desse sistema. E este é o risco que a gente corre agora.”

Polícia nazista?

Radde lembra que uma polícia de pensamento ideológico hegemônico, que não trabalha de acordo com as leis, pode ser comparada à organização paramilitar Schutzstaffel, ligada ao partido nazista e fiel a Adolph Hitler, mundialmente conhecida como SS. “A gente vê que é um risco para toda a sociedade. Não apenas para quem se levanta contra Bolsonaro, mas pra todos aqueles de centro-direita e da direita não fascista, como Doria, Fernando Henrique, que também passam a correr risco. Isso o próprio Moro falou, né? Sobre o armamento de milícias e um grupo paramilitar que pretende trabalhar pelo presidente. E eles começam a fazer perseguições internas com sindicâncias, teorias de conspiração, querendo achar lideranças dos movimentos Antifas. Como se existisse um movimento Antifa e não fosse isso uma visão de mundo e sim um movimento estruturado como uma Al Qaeda. Buscando impor uma ideia de que os outros são violentos, criando situações pra legitimar o fechamento do regime.”