‘Por que se incomodam que meu filho use vestido?’, diz mãe
A jornalista Carol Patrocinio publicou um texto para compartilhar como lida com as questões do filho Chico, de seis anos, que gosta de brincar de boneca e desde os três anos já expressa sua preferência por usar vestidos ao invés de roupas consideradas “de menino”. O texto viralizou e acabou se tornando não só uma defesa pela quebra de preconceitos e tabus, mas também um verdadeiro retrato das principais angústias e dúvidas – tanto das crianças quanto dos pais – que as chamadas “manifestações de gênero” na infância podem gerar.
Intitulado “Por que as pessoas se incomodam tanto que meu filho use vestido?” , o depoimento foi publicado no side colaborativo Medium. Carol também é mãe de Lucca, de 13 anos, e em casa procura diluir os papéis de gênero o máximo que pode, não só no tratamento e nas tarefas, mas também nas brincadeiras.
“Não foi fácil lidar com o primeiro pedido de vestido ou de boneca. Não foi porque a gente ficou morrendo de medo do mundo, de como as pessoas iam lidar com aquilo, de como tudo ia cair sobre o Chico. Mas aí pensamos em algo muito simples: a gente prefere mudar nosso filho ou o mundo? A única resposta possível aí é mudar o mundo. Nosso filho não fez nada de errado e vamos defendê-lo de todas as maneiras necessárias.”
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A discriminação começa na infância
Tudo começou quando a jornalista publicou em suas redes uma foto do filho usando um vestido. Na ocasião, a família se preparava para prestigiar a inauguração da Casa 1, em São Paulo, um centro de acolhida para pessoas LBGT que são abandonadas pela família. A mãe não esperava que a repercussão seria tão grande, nem que receberia tantas críticas.
“Foi assustador… Deu uma hora de postagem, não tinha nada. No dia seguinte, acordei e peguei meu celular. Vi que tinha muita notificação. Quando eu entrei e vi que era a foto dele, rolei para ver os comentários”, relembra Carol. Leia alguns trechos do relato:
“Crio meus filhos para que eles sejam por fora quem são por dentro. Meu filho mais velho teve fases em que só usava camisa de futebol e chuteira, mesmo para ir ao shopping, e eu deixei. Porque não deixaria o mais novo usar o que quer? Só porque não faz parte do papel que querem que ele interprete? Veja, a masculinidade ou a heterossexualidade também são papeis representados, também são performances de algo. Não há diferença aí.”
Ele, como uma criança de 6 anos, frequenta a escola. Ele tem amigos. Ele se diverte. Ele usa roupas confortáveis e que permitam que ele descubra o mundo ao seu redor. Nas festas ele usa vestidos. E as crianças reagem como se espera: elas aceitam.(…) As crianças, inclusive, educam os adultos. Explicam que é só um vestido, que roupa é só roupa e que cada pessoa pode ser quem ela é. Os adultos é que são o problema, são eles que têm tanto medo do desconhecido que se trancam em quartos escuros e esperam que nada ilumine aquele cantinho.”
Ela conta que sua coragem de se expor e compartilhar suas inquietações gerou um movimento positivo de outras mães a procurarem para conversar. “Elas vieram pedir uma ajuda do tipo: ‘Como eu faço com meu filho? Como eu lido com o meu marido que não deixa meu filho brincar de boneca ou que fica agressivo quando vê?'”, conta.
Contra o tabu, o acolhimento
Na publicação, Carol conta como as manifestações de gênero dos filhos – ou seja, a preferência por usar determinados acessórios, brinquedos ou executar papeis considerados femininos ou masculinos – são confundidas com orientação sexual ou mesmo diagnosticadas muitas vezes de forma precoce como uma disforia de gênero. “Meu filho é uma criança trans? Ele é gay?”. Sobre isso, ela explica que o mais importante é acolher a essência da criança em que ela escolher ser, no momento em que tiver condições para isso. Até lá, o respeito à fluidez de gênero tipicamente infantil é fundamental.
“Se ele escolher não usar mais quando crescer, lindo.
Se ele nos disser que é trans, lindo.
Se ele nos disser que é gay, lindo.
Se ele nos disser que é hetero, lindo.
Se ele nos disser que é bi, lindo.
Se ele nos disser que é preconceituoso como as pessoas que comentaram coisas horríveis na foto dele… bem, aí vamos ter certeza de que falhamos.”
A jornalista expõe os dois lados da questão – os comentários ofensivos e os retornos positivos que recebeu – com o intuito de sensibilizar as pessoas para o tema, e também de orientar as famílias que precisam se proteger contra a discriminação, citando o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
“(…) nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, por qualquer pessoa que seja, devendo ser punido qualquer ação ou omissão que atente aos seus direitos fundamentais. Ainda, no seu artigo 7º, disciplina que a criança e o adolescente têm direito à proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”
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