Entenda o que é Rol Taxativo e por que ele te prejudica e beneficia somente planos de saúde

A decisão STJ sobre Rol Taxativo favorece planos de saúde e prejudica a vida de milhares de pacientes que ficarão sem tratamento

A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre “rol taxativo” favorece planos de saúde que lucraram R$ 20 bilhões em 2021 e prejudica a vida de milhares de pacientes que por causa desta canetada podem ficar sem tratamento e acabar morrendo.

Entenda o que é Rol Taxativo e por que ele te prejudica e beneficia somente planos de saúde
Créditos: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Entenda o que é Rol Taxativo e por que ele te prejudica e beneficia somente planos de saúde

O STJ definiu na quarta-feira, 8, por 6 votos a 3, que o rol de procedimentos listados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) deve ser considerado taxativo. Isso quer dizer que o que não estiver na lista preliminar da ANS não precisará ser coberto pelos planos de saúde.

A fundadora do Instituto Lagarta Vira Pupa, Andrea Werner, defensora do rol exemplificativo, acompanhou o julgamento em frente ao STJ e lamentou a decisão. “Vamos recorrer ao STF. Estamos unindo entidades e familiares que precisam de tratamentos com decisão da Justiça”, ressaltou Andrea Werner.

Werner denunciou em suas redes sociais que logo após o julgamento, famílias já começaram a ser impactadas pela decisão do STJ.

“O rol taxativo mata. Estamos dizendo isso há meses. Hj era pra ser um dia feliz pelo aniversário do meu filho, mas foi dia de sofrer por mensagens assim. Parabéns aos ministros que votaram pelo rol taxativo. Parabéns pra ANS. Parabéns pro inominável. Pessoas vão morrer”, escreveu ela ao compartilhar uma mensagem de uma mãe.

Essa mãe diz : “Andrea, nosso advogado nos avisou hoje cedo que a Unimed já pediu no processo para interromper a liminar. Desesperador. Oxigênio portátil, fisioterapia respiratória método RTA, TO, e a justificativa da Unimed não está no ROL”.

Entenda a decisão

Segundo Werner, “A decisão impacta 50 milhões de usuários de convênios no Brasil inteiro. E também o SUS, que vai receber as demandas de todos os procedimentos, medicamentos e cirurgias negados pelos planos a partir de agora”

Até agora, o poder judiciário entendia que o rol da ANS se tratava de uma lista de cobertura mínima que os planos de saúde eram obrigados a cumprir. E com isso, se a operadora negasse algum tratamento alegando que ele não constava no rol e você levasse o caso à Justiça, provavelmente o usuário venceria.

“A partir de 2019, no entanto, o ministro Luis Felipe Salomão mudou seu entendimento sobre o assunto e ‘contaminou’ toda a 4ª turma do STJ”, explicou Andrea Werner em artigo publicado logo após a decisão do Superior Tribunal de Justiça, na revista Carta Capital.

O voto

O voto de 3 ministros na quarta-feira, foi baseado nesta lei. “Um julgamento que deveria ser apertado virou um baile do poder financeiro sobre o cidadão comum”, apontou a ativista.

Em seu voto, a Ministra Gallotti afirmou: “estamos tratando de empresas que buscam o lucro, este é o ponto aqui”.

“Ali anunciava-se o tom. Ao lado da Constituição, regida pelo princípio de não retrocesso social, apenas a ministra Nancy Andrigui e os ministros Tarso Sanseverino e Moura Ribeiro, que foram os únicos que pareceram perplexos com o resultado final”, analisou Andrea.

Lucro

A ministra Nancy disse, “não se trata de uma escolha de Sofia entre a vida e os lucros das empresas”.

“Realmente, a escolha não pareceu difícil aos seis ministros que decidiram contra os usuários de saúde suplementar, mercado que lucrou R$ 17,5 bilhões em 2020. Os próprios advogados dos convênios, que acompanharam o julgamento do plenário, pareciam confortáveis, ao ponto de um ter sido visto jogando ‘Candy Crush’ no celular. Logo que se formou a maioria, começaram, imediatamente, a peticionar para derrubar liminares de pacientes do país inteiro”, revelou Andrea que acompanhou o julgamento no STJ.

“A decisão pelo rol taxativo mitigado significa que os planos poderão cobrir exceções. Mas os critérios para essas “exceções” são, propositalmente, difíceis de cumprir: ter eficácia científica comprovada e/ou validação internacional, nunca tiver sido negado expressamente pela ANS, ter validação em órgãos nacionais como Conitec e Natijus, não ter procedimento similar no rol, e já ter esgotado todas possibilidades contidas no rol. E tudo tem que ser comprovado nos autos do processo”, explicou Andrea.

Dura realidade

“A regra é clara: o rol de procedimentos é taxativo e, portanto, a negativa administrativa torna-se uma dura realidade, conforme centenas de prints que já estamos recebendo de famílias que, até dia 07/06, tinham procedimentos fora do rol autorizados sem grandes objeções. A exceção terá que ser buscada judicialmente. O STJ simplesmente inverteu o ônus da prova para a parte mais fraca da cadeia: o cidadão. Antes, era o convênio que tinha que provar a falta de necessidade ou importância do procedimento fora do rol. Agora, o usuário tem que provar que é essencial. Aliás, alguém tem ideia do valor de uma perícia no poder judiciário”, explicou a ativista.

Andrea ainda apontou que muitos juízes já vinham derrubando liminares há meses somente com base no voto do ministro Salomão, dado em setembro de 2021 e que agora é uma cascata de negativas administrativas de convênios e avisos de fim de cobertura. Processos que ainda não tiveram sentença estão em risco. “E não se sabe, ainda, se os convênios vão querer e poder pedir ressarcimento dos usuários pelos gastos que tiveram enquanto as liminares estavam válidas”.

Vale destacar que isso afeta milhões de usuários que dependem de terapêuticas e exames específicos para câncer, serviço de homecare, intervenções variadas para diferentes deficiências, bipap, cirurgia intrauterina, medicamentos para doenças raras, ELA, AME e muitas.

ANS descarada

A professora Lígia Bahia, coordenadora do grupo de pesquisa sobre saúde coletiva da Uerj, afirmou que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) se coloca “descaradamente” ao lado de empresas de saúde, que, segundo ela, exigem um rol de procedimentos dentro de um mínimo que podem oferecer.

“A ANS seria um órgão público, deveria ser um órgão público – e como órgão público de país que tem na sua Constituição direito à saúde. Entretanto, a ANS se coloca descaradamente ao lado das empresas de planos de saúde”, afirmou.

“[É] muito importante que a gente divida essa informação, que é estabelecida [a lista de procedimentos] por um órgão que não tem competência para isso. A ANS não foi criada para definir o que pode e o que não pode na saúde. E, ao contrário, a ANS foi criada para defender os direitos da saúde dos clientes dos planos de saúde”, explicou.

“[Os planos de saúde] deveriam atuar com regras de mercado, com competição. Eles deveriam competir entre si para serem melhores. Entretanto, não é isso que acontece, eles exigem um rol de procedimentos. É o mínimo e eles querem ficar nesse mínimo. As listas, as regras de cobertura, são típicas de sistemas públicos. É muito estranho que empresas privadas exijam isso”, disse.

Civilidade ficou para trás

Em artigo pulicado no Estadão, assinado junto com Mário Scheffer, que é professor Doutor do Departamento de Medicina Preventiva (DMP) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), Bahia aponta que “diante de uma sociedade que avança aos tropeções para reconhecer direitos e acolher a diversidade, empresas privadas, inacreditavelmente apoiadas por instituições públicas, não vacilaram, puxaram a marcha da civilidade para trás”.

“Famílias e indivíduos, já às voltas com dificuldades extremas, foram tachadas como transtorno. Por existirem, prejudicariam o equilíbrio financeiro de empresas situadas entre aquelas que possuem indicadores de desempenho econômico excepcionalmente elevados”, elucida Lígia Bahia.

Para a professora, os planos repudiaram as crianças “gastadoras”, sob a alegação de uma “injustiça” relativa a preços. Quem consome mais não pode pagar o mesmo que os “saudáveis”, foi esse o brado retumbante do STJ.

“A divisão entre ricos e pobres, doentes e sãos, retrocede séculos, para um período em que não existiam mutualidades nem associações baseadas nas contribuições de todos para socorrer aqueles que precisam”, analisou Lígia.

Relação entre doentes e não doentes

Entre os inúmeros clientes de uma empresa de planos de saúde, uma parcela não consome, outra faz uso frequente de procedimentos de baixo valor de remuneração, e um terceiro grupo utiliza muitos serviços caros.

“Portanto, o preço, necessariamente, é calibrado pela relação entre doentes e não doentes. Esse “desconto”, possibilitado pela coletivização do risco, é repassado para os preços pagos pelas operadoras a médicos, profissionais, laboratórios e hospitais. É por isso que valores de atendimentos particulares são maiores do que os pagos pelos denominados convênios”, explicou a professora pesquisadora.

Pagamento extra

Lígia ainda mostra que entre os juízes do STJ a favor e contra a “taxatividade”, ficou implícita a possibilidade de um “pagamento extra”, para quem quiser escapar do rigor do racionamento das coberturas. “A ideia, extraída diretamente do senso comum do comércio de coisas, não resolve os problemas dos julgamentos nos tribunais que se deparam com necessidades de saúde de gente”, apontou a professora.

“Os planos de saúde não são um produto homogêneo, há diferenças gritantes de preços e redes credenciadas. Até aqui o rol foi considerado mínimo. Se o seu caráter taxativo valer agora para todos, pacientes com contratos “top” ou “premium” terão um decréscimo no padrão de acesso? A decisão do STJ vai causar mais confusão e conflitos”, ponderou Lígia Bahia.

Famosos contra a decisão do STJ

Oator e apresentador Marcos Mion, cujo um dos filhos, Romeo, tem autismo, usou o Instagram para mostrar sua a insatisfação com a decisão do STJ. “Desacreditado, desolado com as notícias que a gente recebeu sobre rol taxativo”, começa o desabafo.

“É muito triste, eu sinto uma revolta, cara. Revoltado com esse absurdo, que é o rol taxativo, tenha sido aprovado por seis votos no STJ. Eu não consigo pensar em uma justificativa digna e honrável para votar a favor disso”, continuou o apresentador, que destacou a opinião pública e o desespero de milhões de família. “O dinheiro venceu mais uma vez, foi colocado acima das nossas necessidades, acima das nossas vidas”.

Na publicação, Mion fez questão de deixar o seu repúdio completo ao rol taxativo e citou o nome dos magistrados que votaram a favor e contra à decisão. Ele agradece aos ministros Nancy Andrighi, Tarso Sanseverino e Mauro Ribeiro, que votaram contra. “E não esqueçam também os nomes dos seis ministros que votaram a favor do rol taxativo: Luis Felipe Salomão, Villas Bôas Cuevas, Raul Araújo, Isabel Gallotti, Marco Buzzi e Marco Aurélio Bellizze”, enumerou o artista.

“Por mais que eles tenham dito que essa aprovação do rol taxativo foi feita com algumas ressalvas, que tenham exceções, que é possível comprovar em juízo a necessidade do procedimento ou tratamento pedido pelo médico, é óbvio que o que já era difícil vai ficar ainda mais difícil. Essa decisão do STJ coloca nas mãos dos advogados dos planos de saúde uma excelente justificativa para que eles possam negar os pedidos usando a lei. Um argumento usado é que as coisas vão continuar iguais. Ué? Então, para que mudar? É óbvio que tem coisa nas entrelinhas, né?”, questionou Marcos Mion.

“Os que choraram com essa decisão, como as milhões de famílias que fazem parte da comunidade autista, eu choro junto com vocês. Sintam-se abraçados e lembrem-se que a luta não para e as vitórias virão”, concluiu Marcos Mion.