Se dependesse de Regina Duarte, ela jamais teria feito estas novelas

Atriz declarou que "a arte não pode ter ideologia" e contradisse sua história na televisão brasileira

Está difícil decifrar como será a atuação de Regina Duarte à frente da Secretaria de Cultura do Governo de Jair Bolsonaro (sem partido). Apesar do futuro incerto, algumas declarações da atriz nos levam a crer que, se dependesse dela, muitas obras de arte jamais teriam sido produzidas no passado.

Em entrevista à série “Plano Sequência”, apresentada por Carlos Vereza e produzida pelo TV Escola, Regina Duarte afirmou que “a arte não tem ideologia e nem pode ter ideologia”. O programa está disponível no Youtube.

Regina Duarte e Jair Bolsonaro
Créditos: reprodução/Instagram
Regina Duarte e Jair Bolsonaro

“Ideologia”. Está aí uma palavra bastante utilizada pelo atual Governo. Segundo o dicionário Aurélio, “ideologia” significa “reunião das certezas pessoais de um indivíduo, de um grupo de pessoas e de suas percepções culturais, sociais, políticas, etc”.

Podemos tirar daí que uma obra de arte “com ideologia” transmitiria aos seus espectadores uma visão de mundo altamente pessoal do artista ou grupo que a produziu. Ora, e o que é a arte senão o resultado de uma visão de mundo altamente pessoal de alguém ou alguns?

Tentando não ser tão objetivo na análise sobre o depoimento de Regina Duarte, é importante refletir sobre o que seria essa tal “ideologia” de que a ideologia bolsonarista fala. Ah, sim, caro leitor. A partir de o momento em que Bolsonaro se coloca como conservador, ele assume uma postura ideológica. Perdoe-me frustrá-lo com tal informação.

Sem assumir conclusões finais, é provável que a “ideologia” a que Regina Duarte se refere é aquela que faz linha de frente ao conservadorismo. É a que busca discussões sobre igualdade social, a que ironiza classes dominantes, a que revela a podridão no mundo. A que faz pensar.

Ironicamente, se dependesse da declaração atriz, ela jamais teria atuado na novela “Roque Santeiro”. A obra, escrita por Aguinaldo Silva e Dias Gomes, estava marcada para ser exibida em 1975 na Rede Globo. Porém, a emissora recebeu um ofício do DOPS que censurava a telenovela, por se tratar de uma sátira à exploração política e comercial da fé popular.

Lima Duarte, Regina Duarte e José Wilker em “Roque Santeiro”
Créditos: reprodução/TV Globo
Lima Duarte, Regina Duarte e José Wilker em “Roque Santeiro”

A obra só foi ao ar em 1985, marcando o processo de redemocratização no Brasil e consagrando Regina Duarte no papel da viúva Porcina.  O sucesso estrondoso de “Roque Santeiro” (a novela de maior audiência da história da TV Globo) simplesmente não aconteceria se sua própria protagonista estivesse à frente da Cultura na época. Bizarro, não?!

Outro papel marcante da atriz foi em “Malu Mulher”, série escrita por Glória Perez e exibida em 1979 pela Rede Globo. A trama mostrava o cotidiano de Maria Lúcia Fonseca, a Malu, uma socióloga paulista, divorciada e mãe de uma menina de 12 anos. Talvez o papel mais feminista da carreira da atriz.

“Malu Mulher” mostrava a rotina de uma mulher divorciada na pele de Regina Duarte
Créditos: reprodução/TV Globo
“Malu Mulher” mostrava a rotina de uma mulher divorciada na pele de Regina Duarte

Por essas e outras torna-se difícil confiar em qualquer declaração dos membros que governam o Brasil nos dias de hoje. As contradições são muitas. Regina Duarte é incumbida de defender a arte e a cultura do país, e mesmo assim consegue dar um tiro no próprio pé, colocando em cheque sua própria carreira.

Como disse Lima Duarte, em alusão a Roque Santeiro, “hoje temos um Sinhozinho Malta no poder e uma Porcina na Cultura”. E não está errado.