Vaquinha quer comprar máquinas de costura a mães com HIV no Quênia

O projeto Hope Designers ensina técnicas de costura e de administração para mulheres com HIV no país

O projeto só tem cinco máquinas de costura para 21 mulheres
Créditos: Marina Pedroso
O projeto só tem cinco máquinas de costura para 21 mulheres

O Quênia tem um dos maiores índices de pessoas com HIV da África e quem mais mais sofre são as mulheres. Ao chegar no país durante sua viagem de volta ao mundo, a jornalista brasileira Marina Pedroso conheceu um grupo de mães na favela de Manyatta, em Kisumu, que vivem com AIDs, e decidiu ajudá-las de alguma forma.

Segundo a jornalista, muitas mulheres ficaram viúvas após seus maridos contraírem a doença e morrerem. Por isso, elas passam a cuidar dos filhos sozinhas e sem qualquer fonte de renda. Mas, o projeto Hope Designers, da Kar Geno, o qual a jornalista é voluntária, ensina desde 2015 técnicas de costura e de administração para que essas mães possam criar e vender roupas, bolsas e acessórios, para, depois de formadas, tentar abrir seu próprio negócio.

No entanto, a iniciativa só tem cinco máquinas de costura para 21 mulheres, além de faltarem materiais básicos, como tesouras e tecidos. A situação do projeto faz com que as participantes revezem entre si, mas isso limita o trabalho.

Ao ter contato com o projeto, Marina decidiu criar uma vaquinha virtual para arrecadar doações e comprar máquinas de costura para as mães do Hope Designers. “Essas mulheres são vulneráveis e vem de um histórico de dependência financeira e abuso, mas são capazes e resilientes — só precisam da oportunidade”, ressalta na descrição da campanha.

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Lucy é uma das 21 mulheres soropositivas que estudam costura na favela de Manyatta, Quênia, pra criar e vender peças que ajudem na sua renda. O problema é que o Hope Designers, projeto da @kar_geno que dá esse curso, precisa de ajuda. Mas antes, uma palavrinha: Não me importa se você tem preguiça do termo ‘empoderamento’. Pode até ser que o sentido tenha banalizado. Mas não há outra definição: essas mulheres não têm família nem estado pra ajudar a alimentar seus filhos (que dirá elas próprias). Ao venderem o que criam, ganham poder, sim. Poder para não depender de ninguém financeiramente, não se subjugarem e sobreviverem. Não me importam os “tá na miséria porque quer” ou “é preguiça de trabalhar”. Essas mulheres perdem o emprego quando diagnosticadas e não conseguem outro pois “não têm futuro”. Mulheres periféricas doentes são tratadas como se não existissem mais. Como se infectassem ao menor toque, como se não valessem a contratação. E não é o único abandono: muitas já pediram à Hope um lugar pra dormir pq nem a família queria conviver mais com elas. Não me importa se você acha que dar uma máquina de costura pra uma mulher reforça o machismo. O contexto aqui é 100% outro – a máquina virou uma armadura pra elas se protegerem da desumanidade e ganharem respeito por levarem dinheiro pra casa. Por fim, nunca me importei menos com rosas. Além de empoderamento, tb gosto das palavras sororidade e empatia. É esse trio que desejo e quero fazer acontecer pra todas as mulheres – principalmente pra Lucy, Vivians, Beatrice, Jacqueline, Harriet, Pamela, Elizabeth, Emma, Juliet, Winfred, Cynthia, Sharon, Mercy, Doris, Brenda, Lensa, Martha, Grace, Louise, Alice e Lilian. No momento, só 5 delas podem costurar enquanto as outras esperam. Mas até o final dessa semana, esse cenário vai mudar. Pq ainda tem muita gente humana nesse mundo. Em 2 dias, a #vaquinha arrecadou o valor de três máquinas de costura. E eu quero convidar você que chegou até aqui a celebrar esse #DiadasMulheres na prática, não com rosas. Doe qualquer quantia pra conseguirmos mais armaduras pra essas mulheres. Se não puder, tá tudo bem – bora compartilhar até chegar na @brunamarquezine então 😂💪🏽 #8M

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De acordo com a voluntária, se o número de máquinas de costura aumentar, todas poderão produzir, a escala de produtos aumentará e, consequentemente, a possibilidade de venda.

“Não só a fonte de renda delas aumenta, como mais mulheres e famílias podem ser abarcadas pelo projeto também. O número de beneficiadas pode subir de 21 para 150 em dez anos e, considerando as famílias de 6 a 8 pessoas que sustentam, o impacto pode chegar em centenas de mulheres e crianças”, explica.

A campanha de financiamento coletivo tem como meta arrecadar R$ 17 mil, pois cada máquina custa em torno de R$ 830. Até a publicação desta reportagem, a vaquinha reuniu R$ 4.410. Quer ajudar com qualquer valor? Clique aqui!

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[2 de 3] O Quênia tem um dos maiores índices de #aids da África e quem mais sofre com esse fato, é claro, são as mulheres. Aí vão alguns fatos:⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ – Há duas mulheres pra cada homem no quadro populacional do país. Em 2010 foi criada uma lei constitucional que passou a permitir o casamento poligâmico aos homens⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ – logo, a ~libertinagem masculina virou algo cultural e, enquanto elas têm um homem só, eles se relacionam com várias, infectando-as numa proporção muito maior do que o contrário.⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ – Como as mulheres ficam responsáveis pelos filhos, vão ao hospital com mais frequência do que homens. Por isso, é muito mais fácil mapear aquelas com HIV e começar o tratamento nas fases iniciais. A maioria dos homens, por outro lado, foge do teste e só vai tentar se tratar na fase terminal. Resumindo: É extremamente comum encontrar mães infectadas e viúvas. E, sim, elas continuam cuidando dos filhos, mas agora sozinhas.⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ – Uma vez descobertas com a doença, elas são demitidas e dificilmente conseguem outro emprego. Há uma séria discriminação por trás disso – supostamente, elas “não têm futuro na empresa porque simplesmente não têm futuro, vão morrer logo”. A situação é ainda pior entre as mulheres periféricas e rurais – com menos acesso à educação, compõem 80% do mercado informal, que não garante a entrada a um sistema de saúde ou ao planejamento familiar e limita muito que peçam qualquer tipo de empréstimo ou crédito em bancos. Sem contar que, quando o marido morre, culturalmente se entende que elas não têm o direito à sua terra – um primo safado pode chegar e tomar dela. Portanto, são mais vulneráveis e dependentes financeiramente.⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ – último fato: essas mulheres precisam de ajuda. [CONTINUA]

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HIV no Quênia

No Quênia, há duas mulheres para cada homem no quadro populacional. Em 2010, foi criada uma lei constitucional que passou a permitir o casamento poligâmico aos homens. Desta forma, é culturalmente aceitável que as mulheres tenham um homem só, mas que eles se relacionam com várias.

Ou seja, no país com 6% de toda sua população diagnosticada com HIV positivo, a proporção de homens que infectam suas esposas é muito maior do que o contrário. Como as mulheres ficam responsáveis pelos filhos, vão ao hospital com mais frequência do que homens e torna-se mais fácil mapear aquelas com HIV para iniciar o tratamento nas fases iniciais da doença.

A maioria dos homens, por outro lado, foge do teste e só vai tentar se tratar na fase terminal. O resultado disso é preocupante: é extremamente comum encontrar mães infectadas e viúvas.

Uma vez descobertas com a doença, elas são demitidas e dificilmente conseguem outro emprego. Há uma séria discriminação por trás disso – supostamente, elas “não têm futuro na empresa porque simplesmente não têm futuro, vão morrer logo”.

A situação é ainda pior entre as mulheres periféricas e rurais – com menos acesso à educação, compõem 80% do mercado informal, que não garante a entrada a um sistema de saúde ou ao planejamento familiar (geralmente oferecido pelas empresas) e limita que peçam qualquer tipo de empréstimo ou crédito em bancos. Sem contar que, quando o marido morre, culturalmente se entende que elas não têm o direito a sua terra – um familiar homem pode chegar e simplesmente tomar dela.