Dimenstein: melhor crítica contra Moro e Deltan vem de Harvard

Matthew Stephenson interpretou os diálogos como "uma chocante e imperdoável quebra de ética

15/06/2019 09:01 / Atualizado em 24/09/2019 14:18

A BBC reproduziu crítica de um professor de Direito de Harvard ( uma das melhores universidades do mundo) ao comportamento de Sergio Moro e Deltan Dallagnol –também crítico ao site Intercept.

As “conversas demonstram uma chocante e imperdoável quebra de ética do então juiz Moro” e um “erro de avaliação” do procurador, segundo Matthew Stephenson, amigo do procurador.

Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol em evento no Estadão em 2017
Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol em evento no Estadão em 2017 - Jorge Araújo/Folhapress

É uma crítica sóbria, profunda e desapaixonada, vinda de quem gosta tanto de Moro como do procurador.

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O professor de direito de Harvard Matthew Stephenson já foi ciceroneado pelo procurador Deltan Dallagnol no Brasil, contou com o apoio dele para dar palestras e participar de conferências e até foi à casa do chefe da força-tarefa da Lava Jato. Stephenson diz respeitar e gostar de Dallagnol, mas acha que o procurador errou ao trocar ideias sobre estratégias da maior operação anticorrupção do país com o juiz responsável por julgar o caso.

Mensagens divulgadas pelo site Intercept Brasil sugerem que o ex-juiz Sergio Moro, atual ministro da Justiça e Segurança Pública, teria sugerido Dallagnol trocar a ordem de fases da operação, indicado uma testemunha, antecipando ao menos uma decisão judicial e aconselhado o promotor sobre o escopo da acusação. Tanto Moro quanto Dallagnol negam qualquer irregularidade.

“O juiz Moro jamais deveria ter enviado mensagens de texto particulares para Dallagnol com sugestões de como sua equipe deveria proceder”, escreveu o professor no blog Global Anticorruption, referência entre pesquisadores do tema corrupção.

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“E, francamente, Dallagnol –que, novamente, é alguém de quem gosto e respeito e penso ser uma pessoa decente e honrada-– deveria ter gentilmente mas firmemente recuado quando recebeu essas mensagens, dizendo algo como: ‘Agradeço suas sugestões, mas acho que provavelmente não deveríamos ter conversas privadas sobre o caso'”, completou no texto, no qual o próprio professor descreve a proximidade que tem com o procurador.

No texto intitulado Quão prejudicial são os vazamentos da Lava Jato? Algumas reflexões preliminares sobre a história-bomba do Intercept, o professor critica Moro, Dallagnol e também o Intercept. Diz que as “conversas demonstram uma chocante e imperdoável quebra de ética do então juiz Moro” e um “erro de avaliação” do procurador.

De ‘fato muito grave’ a ‘não tem nada ali’, as reações ao vazamento de supostas mensagens entre Moro e Dallagnol.

Mas pondera que “a natureza das comunicações (entre Moro e Dallagnol) não parece mostrar parcialidade política ou ausência de provas para as principais acusações, ou irregularidades processuais que possam prejudicar a imparcialidade dos julgamentos, além das próprias comunicações.”
Antes de fazer parte do corpo docente de Harvard, Stephenson foi assessor do juiz Stephen Williams no Tribunal de Recursos da Circunscrição do Distrito de Colúmbia (EUA) e do juiz da Suprema Corte dos EUA Anthony Kennedy. O professor tem se dedicado a pesquisar corrupção e separação dos poderes. Stephenson também tem um podcast, no qual Dallagnol participou.

Stephenson é também crítico ao que chama de “retórica superaquecida do Intercept”.
Para ele, a alegação do Intercept de que os textos mostram que os promotores sabiam que não tinham um caso tão forte contra Lula quanto alegavam em público “é frívola”.

“As mensagens de texto roubadas não fornecem qualquer razão, além do que já estava no registro público, para questionar a propriedade da condenação de Lula”, avalia Stephenson.

Lula foi denunciado em 2016 pelo Ministério Público Federal do Paraná sob acusação de receber propina, no valor de aproximadamente R$ 3 milhões, da empreiteira OAS como parte de acertos do PT em contratos na Petrobras. A quantia, segundo a acusação, correspondia à reserva de um apartamento tríplex em Guarujá (SP) e benfeitorias nesse imóvel. Lula nega.

Segundo as mensagens divulgadas agora, no dia 9 de setembro de 2016 Dallagnol questionou colegas procuradores sobre inconsistências em provas contra o ex-presidente no caso do tríplex no Guarujá – que levou à condenação de Lula.

“Falarão que estamos acusando com base em notícia de jornal e indícios frágeis? então é um item que é bom que esteja bem amarrado. Fora esse item, até agora tenho receio da ligação entre Petrobras e o enriquecimento, e depois que me falaram to com receio da história do apto? São pontos em que temos que ter as respostas ajustadas e na ponta da língua”, escreveu o procurador.

Em mensagens enviadas horas depois, ele celebra ter encontrado uma reportagem do jornal O Globo, em 2010, que mostraria conexão entre a Petrobras e o tríplex do Guarujá: “Tesão demais essa matéria”, disse.

Falarão que estamos acusando com base em notícia de jornal e indícios frágeis?’, escreveu Dallagnol no grupo de procuradores

Além de criticar a natureza das conversas, dizendo que Moro cometeu violações éticas sérias, e de ponderar que o conteúdo das mensagens reveladas até agora não é suficiente para atestar que o julgamento de Lula não foi justo, o professor também faz uma reflexão sobre críticas de que a Lava Jato teria um viés anti-PT.

Ele diz que essa alegação “é a mais difícil de avaliar”. “Por um lado, fiquei preocupado om vários aspectos das mensagens, porque discordo das conclusões políticas e legais da equipe da Lava Jato, e, o mais importante, porque me incomodei com procuradores falando tão abertamente sobre sua esperança de que um lado, em vez de outro, vença uma eleição”.

Diz ainda ter ficado “desapontado” em ver procuradores que respeita “fazendo pouco caso dos valores de uma imprensa livre”, ao defenderem que Lula não falasse ao jornal Folha de S.Paulo.

Mesmo assim, ele avalia que, apesar do tom das conversas, os diálogos não trazem evidência de que a Lava Jato foi enviesada desde seu início, quando foi deflagrada em 2014.

Professor de Harvard pondera que o conteúdo das conversas apresentado até agora não fornece indício suficiente para dizer que a Lava Jato nasceu e cresceu com viés político.

“Em setembro de 2018, os promotores da Lava Jato estavam torcendo para que o PT perdesse a eleição, mas não há provas de que tenham tomado qualquer ação oficial inapropriada, e a hostilidade ao PT pode ter resultado dos ataques implacáveis ​​do PT à operação Lava Jato, incluindo ameaças de fechamento e denúncias pessoais dos promotores.”

Ele diz não se surpreender que, em setembro de 2018, a perspectiva de uma vitória do PT era vista pelos procuradores “com algo entre trepidação e pânico”.

Stephenson compara essa situação com a de “membros do Departamento de Justiça, CIA e FBI torcendo pela derrota de Donald Trump na eleição de 2020, levando em conta os ataques que ele vinha realizando contra essas instituições”.

“Mas o que nós realmente queremos saber”, escreve Stephenson, “é se a força-tarefa da Lava Jato estava tendo o PT como alvo, por razões políticas inaceitáveis, no início de 2016 (e antes). As mensagens de 2018 não lançam muita luz sobre esta questão”.

A BBC News Brasil procurou o professor, que está na China e autorizou usar o conteúdo do texto publicado. Até a publicação dessa matéria ele não havia respondido às perguntas adicionais encaminhadas pela reportagem. No blog, o professor disse que não mantém contato com Dallagnol desde abril e que não consultou o procurador para escrever sobre as primeiras impressões sobre o caso revelado pelo site Intercept Brasil.