William Bonner faz relato sobre últimos dias de vida do pai

Apresentador postou foto de Bonemer já debilitado por doença

O apresentador William Bonner durante o Jornal Nacional

William Bonner surpreendeu seus seguidores no Instagram nesta semana ao publicar duas mensagens a respeito de seu pai, William Bonemer, que morreu há um ano.

Sempre discreto com relação aos assuntos de sua vida pessoal, o apresentador do “Jornal Nacional”, da TV Globo, postou uma foto de um mocassim marrom, na última segunda-feira, 27, e contou que o calçado tem ligação à sua rotina de visitas ao pai nos seus últimos dias de vida.

“Eu gostei desse sapato logo de cara. Tinha um tom de couro cru, sem brilho nenhum, e o conforto que só o mocassim pode oferecer a quem não pise com solados emborrachados. No ano passado, nas idas semanais a SP para visitar meus pais, meu pai doente, elegi uma espécie de uniforme. Todo sábado, pegava estrada às 6 da manhã pra almoçar com eles. E calçava esses sapatos”, escreveu.

O jornalista ainda revelou que Bonemer faleceu aos 86 anos, após perder uma batalha contra um câncer.

“Meu pai tinha 86 anos e um mieloma. É um câncer de agressividade baixa, comum em velhinhos. Em parte pela idade, em parte pela medicação, meu pai vivia naquele universo infantil dos senis. Emocionava-se com quase tudo, compreendia quase nada e se envolvia em repetições de afazeres e de dizeres. Perguntava dezenas de vezes a mesma coisa e demonstrava surpresa a cada vez que ouvia a mesma resposta como se fosse única, inédita.”

Dois dias depois, Bonner publicou uma foto de Bonemer e escreveu: “[…] Em maio do ano passado, seis meses e meio antes de nos deixar, meu pai exibiu o sorriso que o cansaço lhe permitia pra nos deixar essa foto de presente. A imagem do orgulho dele. E do nosso”.

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A não-cerimônia de despedidas do meu pai durou quase 3 anos. A químio e o tempo se encarregavam de lhe embaralhar memórias, mas não aleatoriamente. As mais remotas ganhavam prioridade. E as mais imediatas se apagavam. Ponto. Talvez por isso ele tenha intensificado as visitas ao local onde morou e estudou, como interno, durante o fundamental 2 e o ensino médio. Era onde tudo lhe parecia mais vívido, porque cenário de sua vida uns 70 anos antes. Ficava perambulando. Cansava-se. Sentava-se num banco, olhando o movimento dos estudantes no campus. Fazia isso todos os dias. Chegava a repetir o programa matinal no meio da tarde. E me convidou a acompanhá-lo nas andanças em todos os sábados que tivemos, no ano passado. Numa dessas ocasiões em que me guiou pelas ruas internas do Mackenzie, em SP, pedi a meu pai que se sentasse num banco. Disse a ele: “Pai, me deixa fazer uma foto sua com o Chamberlain ao fundo.” Há mais de meio século, tinha sido o prédio de moradia de alguns dos alunos internos, apenas. Os que obtinham notas boas e que se comportavam adequadamente. Um dos maiores orgulhos do meu pai foi a postura que se viu obrigado a ter quando chegou o momento de ingressar no ensino médio, na segunda metade da década de 1940. Como interno, ou iria para o edifício Chamberlain ou teria que arranjar um pensionato qualquer nas redondezas. Porque só os mais aplicados tinham lugar ali. Em maio de 2016, 6 meses e meio antes de nos deixar, meu pai exibiu o sorriso que o cansaço lhe permitia pra nos presentear com esse retrato. A imagem do orgulho dele. E nosso.

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Eu gostei desse sapato logo de cara. Tinha um tom de couro cru, sem brilho nenhum, e o conforto que só o mocassim pode oferecer a quem não pise com solados emborrachados. No ano passado, nas idas semanais a SP pra visitar meus pais, meu pai doente, elegi uma espécie de uniforme. Todo sábado, pegava estrada às 6 da manhã pra almoçar com eles. E calçava esses sapatos. Meu pai tinha 86 anos e um mieloma. É um câncer de agressividade baixa, comum em velhinhos. Em parte pela idade, em parte pela medicação, meu pai vivia naquele universo infantil dos senis. Emocionava-se com quase tudo, compreendia quase nada e se envolvia em repetições de afazeres e de dizeres. Perguntava dezenas de vezes a mesma coisa e demonstrava surpresa a cada vez que ouvia a mesma resposta como se fosse única, inédita. Nas mais de 40 viagens de fim de semana a SP, devo ter calçado esse sapato umas 30 vezes. E, em quase todas, ele recebeu os cuidados do meu pai. “Júnior, esse sapato não vê uma graxa há quanto tempo?” Júnior sou eu. “Pai, esse sapato não leva graxa. É assim mesmo. Fosco.” E ele: “Sei… Isso é falta de graxa! Que vexame! Me dá isso aqui que eu vou dar um trato.” E não adiantava argumentar. Meu pai me fazia entregar os sapatos, que limpava com pano úmido. Aplicava cera marrom. Esperava secar. E lustrava por minutos seguidos, no vai e vem da escova que usou por mais de 40 anos. Tingia de marrom o couro sem tintura. E lustrava o que não tinha brilho nenhum. Ao longo de 11 meses, enquanto nos despedíamos, meu pai foi modificando completamente meu mocassim. Pondo cor e luz na opacidade. Depois que o velhinho partiu, guardei esses sapatos num lugar onde não pudessem me ver. E fugi deles por um ano inteiro. Hoje de manhã, sei lá como, do fundo de uma prateleira, me acharam de novo, quando me vestia pra sair. E me ocorreu de usá-los com a roupa que tinha escolhido pro dia. E nunca, desde que me interessei por eles numa vitrine, nunca me foram tão deliciosamente confortáveis.

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