Por que eu amava cachorros, mas comia porcos?

Julia Guglielmetti, do À Base de Planta, conta como se tornou vegana

Julia Guglielmetti, do À Base de Planta
Créditos: Letícia Faria
Julia Guglielmetti, do À Base de Planta

Eu sempre fui louca por carne, principalmente vermelha. Amava picanha sangrando, quibe cru, carpaccio. Minha infância foi à base de nuggets de frango e salsicha. Na adolescência, pedia pra tirar o alface do hambúrguer. Eu era a pessoa que tinha raiva de vegetarianos, dizia que tinham pele caída e que não aproveitavam a vida. Agora, aos 30 anos de idade, eu sou vegana! É ou não é um caso de superação? Hahaha.

Tudo começou em outubro de 2015. Eu morava na Vila Mariana, em São Paulo (SP), e sempre que passava de madrugada pela Rua Vergueiro, me chamava a atenção ver uma lanchonete sempre bombando, não importasse o horário. Era o Prime Dog, lugar muito conhecido pelos veganos paulistanos (não é publi, rs). Lá são vendidos sanduíches e refeições com carne, mas tem um cardápio vegano bem extenso! Um dia resolvi parar por pra ver qualé. Foi a primeira vez que li palavras como “tofupiry” e “vegarella”. Achei engraçado e curioso, mas pedi um cachorro-quente de carne (na verdade, de jornal, cof cof) mesmo! Na segunda vez que passei lá, reparei que todo mundo estava pedindo os lanches veganos e decidi experimentar. BUM! Mudou minha vida! Eu não tinha N-O-Ç-Ã-O de que um hambúrguer sem nada de origem animal pudesse ser tão bom!

Nessa época, eu tinha uma marca de moda e uma loja. Fazíamos festas por lá e sempre convidávamos alguém para tocar nossa cozinha. Um dia foi uma moça que fazia brusquetas ovolactovegetarianas. BUM! De novo rolou uma explosão de sabores na minha mente! Eu nunca tinha considerado comer pão italiano com abacate e iogurte de pepino na vida! Vê se pode?

Junto a tudo isso, parei de tomar pílula anticoncepcional, parei de usar shampoo convencional, me aproximei dos naturebismos e comecei a assistir alguns documentários, como “Fat, Sick and Nearly Dead” (“Gordo, Doente e Quase Morto”, em português), “Food Matters” (“O Alimento é Importante”, em português) e “Cowspiracy” (“A Conspiração da Vaca”, em português).

Passei a me fazer questionamentos que antes nunca havia pensado. Por que eu amava cachorros, mas comia porcos, que são tão inteligentes quanto? Comecei a me tocar de que aquela bandejinha de presunto, na verdade, um dia foi um ser vivo, com dores e emoções. Um animal que tinha um espírito, uma alma. Um bicho que viveu miseravelmente sob o controle humano, passou por medo, por estresse até que foi morto para meu consumo. Percebi que era muita responsabilidade ter aquela energia dentro do meu corpo. Se eu jamais teria coragem de cortar o pescoço de alguém, porque pagar para fazerem isso por mim?

As informações foram gotejando na minha cabeça, até que um dia reparei que estava há uma semana sem carne! Decidi que, a partir dali, pararia de vez! Foi assim que me tornei ovolactovegetariana, ou seja, não comia nenhum tipo de bicho morto, mas ainda usava ovos e laticínios.

Quando fazemos uma mudança tão dramática na nossa vida, temos que ressignificar muita coisa. Nesse caso, a principal virada foi reaprender a cozinhar… e esse processo foi apaixonante! Como disse no primeiro parágrafo, cresci sem comer uma folha de alface sequer (e confesso que ainda não sou muito fã!), então tive que rebolar em preparações que eu curtisse!

No começo, meio que fazia qualquer coisa, de qualquer jeito e, quando olhava, nem tinha vontade de comer. Foi aí que comecei a me esforçar pra deixar o prato bonito. Para incentivar a mim mesma, eu fotografava tudo o que fazia! Assim nasceu minha conta no Instagram. Fiz meu perfil apenas para registrar minhas invencionices, sem nenhum tipo de expectativa. Mas o @abasedeplanta foi crescendo e crescendo!

Do veganismo nasceu o amor pela cozinha
Créditos: Julia Guglielmetti/@abasedeplanta
Do veganismo nasceu o amor pela cozinha

Fui melhorando, viajando nas criações e curtindo cada vez mais! Enquanto eu pesquisava incessantemente sobre novas receitas, de tabela também vinham muitas informações sobre a indústria do leite, dos ovos, do mel e sobre todas as formas de exploração animal. Mesmo assim, eu batia no peito para dizer que era impossível ficar sem queijo! Por isso, passei mais de um ano e meio sem comer carne, mas consumindo produtos provenientes de crueldade. Era a mais pura preguiça de encarar minha hipocrisia e, de fato, mudar.

Com o fim de um relacionamento, tomei vergonha na cara. Assei uma fornada de pães de queijo (até o momento, minha maior fraqueza), comi com bastante manteiga (minha segunda maior fraqueza) e decidi que no dia seguinte acordaria vegana! Isso foi em agosto de 2017.

No começo eu tropecei bastante. Ficava sem graça em situações sociais e acabava comendo algo com queijo. Tinha preguiça de investigar os ingredientes em um restaurante e comia manteiga sem querer. Aos poucos, me informando bem e com mais convicção, superei essa fase. Devagarzinho também fui me desfazendo das minhas roupas de couro e dos cosméticos testados em animais. Ainda tenho algumas coisas, mas é minoria.

Tudo foi e continua sendo um processo. Aprendo coisas novas todos os dias. Parece clichê, mas ser vegana mudou minha vida de todas as maneiras. Cozinhar virou minha maior paixão e até mudou o rumo da minha vida profissional. Sinto meu corpo mais leve e adquiri mais clareza mental. Parar de comer cadáver ajudou, inclusive, no meu autoconhecimento. É como se tivesse despoluído meu sistema e minha cabeça.

Eu experimento muito mais alimentos do que antes. Exploro mais texturas, sabores e aromas do que quando comia carne. Meu paladar melhorou radicalmente. Meu leque alimentar foi ampliado e não reduzido, como muitos podem achar.

Nem sempre é fácil. Às vezes estou na estrada e tenho que comer arroz, feijão e batata frita. Mas tá tudo bem. Esse trio pode não ser o mais completo em vitaminas, mas é delicioso e mais saudável do que um pedaço desnecessário de linguiça.

O amor pelos animais gerou uma série de descobertas gastronômicas
Créditos: Letícia Faria
O amor pelos animais gerou uma série de descobertas gastronômicas

Um recado pra Julia de cinco anos atrás: minha pele não é caída e aproveito muito mais a vida. As experiências de hoje, a Julia do passado nem imaginava que pudessem existir.

Se você chegou até o final desse texto, talvez tenha algum interesse em fazer essa transição ou também está nessa jornada! Se precisar conversar, me manda uma mensagem pelo À Base de Planta! Lá também compartilho minhas receitas veganas que podem te inspirar de alguma maneira.

Texto escrito por Julia Guglielmetti, do À Base de Planta.

Julia Guglielmetti

Em parceria com Julia Guglielmetti

Jornalista e criadora de conteúdo de casa e cozinha

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