Por que a educação infantil de Portugal se destaca mundialmente?

Integração entre teoria e prática, exigência de formação superior para professores e formação continuada e específica de profissionais habilitados para lidar com as potencialidades das crianças vem fazendo do ensino em educação infantil de Portugal um exemplo cada vez mais bem-sucedido.

Apesar de o contexto – social, político e econõmico – ser totalmente distinto do que temos no Brasil, as práticas realizadas no modelo português podem ser utilizadas como inspirações a longo prazo.

Educação infantil de Portugal: o que podemos aprender com ela?

A educadora especialista em educação infantil Sara Barros falou com o blog da Fundação Maria Cecilia Vidigal sobre as particularidades do sistema português, considerada uma das mais avançadas não só da Europa, mas do mundo. Confira:

Portugal conseguiu colocar em prática uma educação infantil de qualidade. Você pode citar as principais estratégias usadas para isso?

É um fato que a qualidade da educação de infância em Portugal aumentou nos últimos trinta anos. Algumas circunstâncias parecem-me particularmente relevantes nesse movimento de qualificação. Em primeiro lugar, a formação inicial de nível superior, obrigatória há três décadas para os educadores da educação pré-escolar (entre os três anos e a entrada na escolaridade obrigatória) que, mais recentemente, também se tornou obrigatória para o trabalho pedagógico com crianças entre os doze e 36 meses. Ainda, a existência de documentos orientadores que, desde a década de 1990, foram enquadrando o trabalho na educação infantil, dos quais destacaria as Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar, que foram, em 2016, revistas e atualizadas, bem como o Perfil Específico de Desempenho Profissional do Educador de Infância, de 2001. É também relevante assinalar o alargamento da rede, tanto da educação pré-escolar como da creche (0- 3 anos), que, neste último caso, duplicou nos últimos dez anos.

Penso, todavia, que apesar do investimento realizado, a afirmação de que temos, atualmente, uma educação de infância de qualidade em Portugal deve ser feita com cautela e espírito crítico. De fato, a investigação realizada revela, relativamente à educação pré-escolar, uma qualidade média ou moderada. Relativamente à creche, em que o investimento foi mais tardio, os dados revelam uma qualidade baixa em muitos dos contextos. Precisamos continuar fazendo um monitoramento contínuo dessa qualidade e a ponderar caminhos para a crescente qualificação dos serviços, que envolvam sinergicamente as políticas, a investigação e as práticas.

Quais desafios ainda existem na formação dos educadores infantis em Portugal para que se possa fortalecer a qualidade?

Um dos grandes desafios atuais à qualidade na educação de infância relaciona-se com a existência de um modelo sequencial na formação inicial de educadores de infância (licenciatura + mestrado) que, na sua primeira fase (licenciatura em educação básica), apresenta poucas possibilidades de articulação teoria-prática, uma tendência forte para a fragmentação disciplinar e, em muitos casos, certa negligência face à formação para a profissionalização específica da educação de infância.

Outros desafios relacionam-se com a necessidade de reforçar a formação para as particularidades da ação pedagógica com crianças nos primeiros três anos de vida e rever a formação contínua desses profissionais, de forma a torná-la mais próxima e mais responsiva às necessidades dos grupos e dos contextos.

O sistema de ensino de Portugal privilegia a forte articulação entre a teoria e a prática desde os anos iniciais da formação do professor.

Quais exemplos internacionais você pode citar de experiências de formação bem-sucedida para educadores da educação infantil?
Um dos modelos frequentemente citados pela qualidade na formação inicial de educadores de infância é o finlandês. Ele privilegia um aspecto central na aprendizagem profissional, a integração da teoria e da prática, mediada por processos de investigação protagonizados pelos estudantes, acompanhados por docentes mais experientes, quer da instituição de ensino superior, quer dos profissionais que desenvolvem a sua ação direta com os alunos. Para tal, dois aspectos caracterizam centralmente a formação:

A prática pedagógica é iniciada o mais cedo possível no âmbito do processo formativo. Valoriza-se a interação constante entre a prática pedagógica e a teoria educacional ao longo do curso.

Nos primeiros anos de vida, a questão do vínculo com adultos de referência é crucial para um melhor desenvolvimento infantil. Como esse vínculo deve ser trabalhado na formação dos educadores?
Deve ser trabalhado transversalmente e considerando aspetos teóricos e metodológicos. Acredito que, nesse caso, as abordagens pedagógicas de raízes participativas poderão ter um lugar de destaque, uma vez que apresentam propostas coerentes do ponto de vista teórico, valorativo e prático que enfatizam as relações e interações, bem como as suas interfaces com outras dimensões da Pedagogia, em respeito à natureza integrada da ação profissional. É nesse alinhamento que poderemos colocar, na análise desse vínculo, o debate em torno das relações de poder, do balanceamento da educação e dos cuidados, da relação com as famílias (de cooperação e de abertura, e não de competição), da ética relacional, que implica elevados níveis de sensibilidade e de responsabilidade.

Como se dá, em Portugal, a integração entre as áreas de educação, saúde e assistência social para promover um olhar holístico da criança? Esse tema é tratado nas formações dos educadores?
A integração de diferentes setores não tem uma tradição relevante em Portugal, na primeira infância. De fato, acabamos por ter um trabalho muito pouco concentrado e muito pouco integrado. Será necessário um esforço ao nível da intersetorialidade em prol de políticas e práticas mais amigas das crianças e das famílias. Sabemos da relevância desse trabalho, particularmente junto a crianças e famílias em situação de risco social.


*Com informações de Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal

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