O desabafo do médico que fez plantão sozinho no hospital da USP
"Essa é a fotografia de toda a equipe de clínica médica de plantão hoje no #HUdaUSP", diz Gerson Salvador
O último sábado, dia 16 de dezembro, ficou marcado na vida e na carreira do médico Gerson Salvador, que atua desde 2010 no Hospital Universitário da USP. Pela primeira vez, o profissional, que também é diretor do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp), fez um plantão de 12 horas sozinho.
Na foto publicada em seu Facebook, um corredor completamente vazio mostra a realidade da instituição, que já chegou a atender mil pacientes por dia, mas tem sofrido um desmonte por parte da reitoria da universidade.
“Essa é a fotografia de toda a equipe de clínica médica de plantão hoje no #HUdaUSP. Chegou o dia: sozinho no pronto-socorro. Espero que em breve encontremos solução para o desmonte deste hospital, em benefício de todos que dele dependem”, escreveu o médico na rede social. A publicação logo repercutiu e já tinha quase 6 mil compartilhamentos até a publicação desta reportagem.
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Ao Catraca Livre, Gerson contou que a escala completa da instituição era de três médicos. Mas, a partir do desmonte que o hospital vem sofrendo e de uma série de colegas que se demitiram nos últimos anos por causa de problemas estruturais, o número passou a não fechar mais. Por isso, no sábado, o profissional teve que dar atendimento aos dez pacientes em observação no local e prestar socorro em possíveis emergências.
O pronto-socorro infantil do HU está fechado desde outubro e o adulto está parcialmente sem atendimento desde o último dia 11. Segundo o Simesp, de 2013 para 2017, o número de médicos no hospital caiu 17%: foi de 299 para 248. A pequena quantidade de funcionários fez o órgão dar preferência a doenças e condições que podem causar risco de morte ou danos permanentes aos pacientes.
Desmonte
De acordo com Salvador, o plano de demissão voluntária de 2014 teve adesão de cerca de 16% do número de trabalhadores do HU. “Eu acredito que as pessoas foram motivadas pelas ações da reitoria, que abandonou o hospital, fez declarações atacando os servidores e colocou a comunidade contra eles”, explica o profissional.
Desde que se concretizou o plano de demissão voluntária, muitos serviços foram fechados, incluindo 40% dos leitos de terapia intensiva, 25% dos leitos de internação, além da diminuição dos médicos para fazer as escalas de plantão. “Isso causou um estresse muito grande para quem fica, pois somos nós os porta-vozes dessa situação de completo abandono. Nós que precisamos falar para a população que os serviços que estão indisponíveis.”
“A consequência desse plano tem sido o desmonte progressivo e sucessivo do hospital a partir de uma ação deliberada, de uma opção política do reitor, tentando passar o HU para o governador do estado”, completa. Em 2014, os servidores se reuniram com Geraldo Alckmin, que se comprometeu a manter o hospital na USP e a ajudar a superar a crise. “Ele realmente manteve a instituição e desautorizou o reitor, mas ainda não veio qualquer auxílio do Governo do Estado.”
Sobre a reação dos pacientes a respeito do HU, o médico disse que há alguns casos de agressão contra funcionários. “Felizmente, o coletivo Butantã na Luta visitou diversos lugares da região e obteve 44 mil assinaturas a favor do HU. Essa resposta da população tem tido impacto muito grande junto aos órgãos de estado, ao Ministério Público e ao Governo de SP“, afirma Gerson.
“O nosso desejo se encontra com a disposição da população em recuperar esse hospital, abri-lo para a comunidade e oferecer uma atenção hospitalar excelente, além de formar profissionais comprometidos para atender as próximas gerações com uma qualidade excelente”, finaliza Salvador.
A reportagem entrou em contato com a reitoria da universidade, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.