Desabafo de mulher de médico que atende vítimas de trânsito
“Meu marido é médico e trabalha em uma das UTIs de um grande hospital público de São Paulo. As vítimas de alguns dos acidentes de trânsito mais espetaculares que aparecem nos telejornais vão parar lá. Pessoas trituradas, aos pedaços, loucas de dor, que os profissionais de saúde vão juntando, cuidando. Muitas não resistem, outras sobrevivem mas jamais serão autônomas de novo; raramente partem sem sequelas.
Ao contrário de quem vê a notícia do acidente na TV, admira o carro esmagado, diz “que horror” e vai fazer outra coisa, meu marido e a equipe da qual ele faz parte encaram a pessoa e sua família, dão as notícias mais atrozes, tomam decisões e assumem responsabilidades sobre tratamentos. Muito além da técnica, a equipe testemunha o impacto dos acidentes naquelas vidas. Um mar de sofrimento.
Algumas pessoas ficam lá por horas, outras por semanas. Por vezes, meu marido explode de estresse e de tristeza. Todo profissional da saúde passa por isso.
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O Brasil é o quinto país no mundo em mortes por acidentes de trânsito. Somente em 2013, o SUS registrou 170.805 internações por acidentes de trânsito. Os médicos do sistema público, obrigados a gerir a escassez, assistem ao gasto evitável de mais de R$ 200 milhões por ano no atendimento às vitimas– e ainda assim sabemos que, por falta de recursos, elas não recebem toda a assistência que precisariam ou merecem.
Só com motociclistas, nos últimos seis anos, as internações hospitalares no SUS tiveram um crescimento de 115% e o custo com o atendimento a esses pacientes, de 170,8%. Por isso, quando vimos que a futura gestão municipal assegurou que vai mesmo cumprir a promessa de aumentar os limites de velocidade em São Paulo, nós dois choramos.
Num devaneio, eu desejei que os marqueteiros de Doria fossem responsáveis pela acolhida de acidentados nos hospitais públicos de São Paulo e que eles fossem encarregados de dar as notícias às famílias. Porque em São Paulo ainda estão longe de entender que trânsito é uma questão de saúde pública, custeada pelo contribuinte brasileiro.
Qualquer estudo sabe que todo acidente torna-se mais grave em maior velocidade, mas a politicagem de quinta categoria dificulta uma evolução cultural imprescindível: ficar uma hora a mais no trânsito é desagradável; não chegar em casa, ou chegar com sequelas, é bem mais. E custa caro, de todas as formas, para todos nós.” Trecho da coluna de Cláudia Collucci, publicada na Folha de S.Paulo. Leia na íntegra