Remédios para ansiedade e sono matam mais que heroína e cocaína

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Muito se fala sobre os perigos do uso indiscriminado de medicamentos e de drogas ilegais, mas um componente em especial chamou a atenção dos cientistas recentemente: a Benzodiazepina (BZD).

BZDs reduzem ansiedade quando são administradas doses baixas e induzem sono quando em doses maiores, segundo OMS
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BZDs reduzem ansiedade quando são administradas doses baixas e induzem sono quando em doses maiores, segundo OMS

O composto – que é usado em drogas psiquiátricas como o Rivotril, Valium, Xanax, Ativan, entre outros – foi alvo de duas pesquisas sobre os riscos de morte associados ao seu uso, publicadas no American Journal of Public Health (Jornal Americano de Saúde Pública) e no Vancouver Sun.

“As benzodiazepinas são um grupo de compostos de estrutura similar que reduzem a ansiedade quando são administradas doses baixas e induzem o sono quando em doses maiores. As pautas clínicas recomendam em geral prescrever as benzodiazepinas para tratar a ansiedade ou a insônia grave, incapacitante e que causa angustia extrema. Os prestadores de serviços de saúde devem levar em conta que o uso de benzodiazepinas está associado a problemas de dependência e síndrome de abstinência, consequentemente deve ser usada na dose eficaz mínima e durante o menor tempo possível”, aponta o relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS).

O primeiro estudo – feito por pesquisadores da University of British Columbia (UBC), de Vancouver, Canadá – analisou o impacto do uso de benzodiazepinas nas taxas de mortalidade e estabeleceu que seu consumo estava relacionado a um maior risco de morte do que o consumo de drogas ilegais.

“Há muitas pesquisas sobre o abuso de drogas mais tradicionais ou outras ilegais como heroína, cocaína e anfetaminas, mas não se sabe muito sobre o abuso desse tipo de droga”, disse Keith Ahamad, cientista clínico da UBC e médico especialista em vícios no St. Paul’s Hospital.

O levantamento foi feito com 2.802 participantes, que foram entrevistados semestralmente por aproximadamente cinco anos e meio cada. Ao final do estudo, 527 pessoas do grupo (18,8 por cento) haviam morrido.

Os pesquisadores descobriram que a taxa de mortalidade foi 1,86 vezes maior entre os usuários de BZD. Ahamad observou que mesmo depois de isolados outros fatores que poderiam influenciar a mortalidade – como o uso de drogas ilegais, HIV, infecções e comportamentos de alto risco – a taxa de mortalidade permaneceu alta entre os usuários de benzodiazepinas.

Um segundo estudo realizado em uma parte menor dentro do mesmo grupo examinou a ligação entre o uso de BZD e a infecção por hepatite C (HCV).

Dos 440 indivíduos que eram HCV negativos no início da pesquisa, 158 relataram uso de benzodiazepinas prescrito ou ilícito e 142 participantes contraíram HCV durante o curso do estudo.

O estudo descobriu que o BZD estava associado a uma maior taxa de infecção pelo HCV, as taxas de infecção foram 1,67 vezes maiores entre os participantes do estudo que usaram medicamendos à base do composto.

Provavelmente estamos prescrevendo essas drogas de uma maneira que está causando danos”, disse o cientista clínico Keith Ahamad
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Provavelmente estamos prescrevendo essas drogas de uma maneira que está causando danos”, disse o cientista clínico Keith Ahamad

“O interessante sobre isso é que é uma droga prescrita e as pessoas pensam que estão seguras. Mas, como verificamos, provavelmente estamos prescrevendo essas drogas de uma maneira que está causando danos”, disse Ahamad.

Thomas Kerr, professor de medicina na UBC observou que o aumento das mortes relacionadas com BZD quadruplicou nos Estados Unidos entre 1999 e 2014, além de apontar que há 50% mais mortes nos país anualmente em decorrência do uso de medicamentos psiquiátricos do que relacionadas à heroína: “Esses estudos realmente revelam quão perigosas são essas drogas e como devem ser usadas ​​com grande cautela”, afirma.

Ele também observa que é necessário aumentar a atenção na forma como as prescrições são feitas e monitorá-las.

Ahamad acredita que o fato de muitos médicos não serem devidamente educados sobre a prescrição de benzodiazepinas impacta nesse cenário: “Há riscos que acompanham esses medicamentos e precisamos ter muito, muito cuidado com a forma como os estamos prescrevendo”, completa.