‘Família é quem ama, cuida, protege e permanece’: a história de dois pais e sua filha adotiva

Conheça a trajetória de um casal homoafetivo que construiu sua família por meio da adoção e transformou medo em pertencimento

22/05/2025 10:46 / Atualizado em 04/06/2025 21:59

Em um mundo onde os caminhos da parentalidade se desenham de formas múltiplas, Gabriel Repullo, 30, e Vinicius Repullo, 32, encontraram, na adoção, o traço mais profundo da palavra família. Nascidos e residentes em Mogi das Cruzes (SP), os dois empresários compartilharam com delicadeza e firmeza a história de como construíram um lar ao redor de uma certeza: o amor não conhece fronteiras biológicas.

O Dia Nacional da Adoção é celebrado em 25 de maio, e a história do trio ganha ainda mais significado — não apenas pela data, mas porque traduz, com afeto e coragem, o que realmente sustenta um lar: vínculos criados pela presença, pela escuta e pelo cuidado diário

‘Família é quem ama, cuida, protege e permanece’: a história de dois pais e sua filha adotiva
‘Família é quem ama, cuida, protege e permanece’: a história de dois pais e sua filha adotiva - Reprodução/Instagram @eai.gaah

O plano certo desde o início

O desejo de serem pais não era um projeto distante ou eventual. Para Gabriel, foi uma convicção que se desenhou com clareza desde o princípio. “A adoção não foi um plano B, foi o plano certo desde o início”, afirma. A crença de que família se define pelo afeto, e não pelo sangue, guiou cada passo do casal rumo à parentalidade.

A decisão, embora consciente e repleta de entrega, não veio isenta de receios. “É claro que tivemos receios… é natural. Mas mesmo diante das incertezas, havia dentro de nós uma certeza maior: nosso filho ou filha estava por aí, esperando ser amado(a)”, lembra Gabriel. Para ele, havia algo divino no percurso: “Deus plantou esse desejo no nosso coração, e Ele mesmo foi conduzindo cada passo.”

Os desafios de um processo transformador

Iniciado em 2016, o processo de adoção foi tudo, menos simples. Vinicius o define como “desafiador”, não apenas pela burocracia, mas pelo impacto emocional que o acompanhava. Além das exigências formais, o casal enfrentou um obstáculo mais íntimo: a ausência de apoio nos primeiros anos. “Muitos não compreendiam nossa decisão, e outros simplesmente se afastaram. Então, nós mesmos construímos a nossa própria rede de apoio”, relata.

A chegada de Emylly veio poucos meses antes do início da pandemia de COVID-19. O mundo parava, e a casa dos dois pais ganhava uma nova vida. O isolamento social, que para muitos representou solidão, tornou-se para eles um mergulho profundo na nova experiência de serem pais.

“O isolamento nos colocou num cenário ainda mais desafiador — éramos só nós por nós. Mas também foi nesse momento que entendemos: mesmo sem apoio humano, Deus estava conosco em tudo”, diz Vinicius.

O encontro com Emylly

Gabriel se lembra com nitidez do primeiro encontro com Emylly: “Foi dois dias após ela completar seus dois aninhos de idade. Uma menininha linda, mas com marcas visíveis na alma.” A menina chorava com frequência, assustava-se facilmente, e trazia consigo um medo constante — de ser deixada, de não ser amada, de que tudo aquilo acabasse.

A adaptação foi difícil. “Nos sentimos impotentes em muitos momentos”, admite Gabriel. Mas havia também uma firme decisão: ser refúgio. Com paciência, cuidado e amor, os três começaram a construir uma nova história.

“Foram noites longas, dias intensos, mas aos poucos ela foi se sentindo segura. A relação foi crescendo e florescendo. Deixamos de ser estranhos e passamos a ser família.”

Uma família formada por dois pais e uma filha que descobriram no amor o verdadeiro significado de lar.
Uma família formada por dois pais e uma filha que descobriram no amor o verdadeiro significado de lar. - Arquivo pessoal

Diálogo, orgulho e os desafios da diversidade

Com quase oito anos, Emylly hoje é motivo de orgulho para os pais. “É uma menina forte, doce e cheia de luz”, descreve Vinicius. Recentemente, eles decidiram conversar abertamente com a filha sobre a adoção — assunto que, por muito tempo, foi evitado. Para surpresa dos pais, Emylly recebeu a notícia com serenidade. “Mas pra nós… foi um processo emocional bem mais intenso”, completa Vinicius.

A adoção em si já carrega camadas complexas, mas quando somada ao fato de ser uma família formada por dois pais, a vivência se entrelaça com o enfrentamento de preconceitos.

“Já passamos por olhares tortos, comentários disfarçados, mas aprendemos a não deixar que isso nos defina. A gente escolheu o amor — e o amor é sempre o caminho certo.”

Uma casa cheia de música, abraço e pertencimento

A própria Emylly, em sua linguagem doce e espontânea, ajuda a desenhar esse retrato familiar. Embora não se lembre de muitos detalhes do dia em que conheceu seus pais — era pequena demais —, ela carrega no coração uma lembrança afetiva: “Eles me abraçaram com tanto amor, que mesmo pequena, eu senti que ali era o meu lugar.”

Brincar, inventar receitas na cozinha, assistir desenhos juntinhos. Esses são alguns dos momentos favoritos de Emylly com Gabriel e Vinicius. Ela descreve sua casa como um lugar onde “todo mundo se cuida, se escuta e dá muitos abraços apertados”. É, como ela diz com simplicidade, “uma família diferente de algumas, mas pra mim ela é perfeita.”

Quando questionada sobre o que a faz se sentir amada, Emylly não hesita: “Quando meus pais me chamam de filha, quando dizem que me amam, quando me ouvem com atenção… O amor deles é o que mais me deixa feliz.”

Escolhida com amor

Emylly também já falou com outras pessoas sobre ter sido adotada. “No começo eu tinha medo de não entenderem, mas agora eu gosto de contar”, relata. Para ela, há uma alegria especial no fato de ter sido “escolhida com muito amor por dois pais que me esperaram com o coração cheio de vontade de ser minha família.”

Adoção no Brasil: números e desafios

Atualmente, há mais de 35 mil pretendentes a pais e mães em diferentes partes do Brasil e cerca de 5 mil crianças disponíveis para adoção. A maioria das crianças disponíveis é composta por adolescentes e crianças de 10 a 14 anos. Aproximadamente 972 crianças têm alguma condição de saúde, e 1.185 apresentam algum tipo de deficiência, indicando a necessidade de atenção especial.

O tempo de espera para adoção pode variar significativamente. Quando o perfil do adotante se encaixa nas diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente, o processo pode durar cerca de um ano. No entanto, quando há problemas no decorrer do processo, o tempo médio fica em torno de três anos e meio.

Adoção por casais homoafetivos

A adoção por casais homoafetivos no Brasil tem avançado significativamente, com importantes reconhecimentos legais e jurisprudenciais. No entanto, ainda existem desafios jurídicos e sociais que precisam ser enfrentados para garantir a plena igualdade de direitos.

Segundo dados da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-BR), 50.838 crianças foram registradas por casais homoafetivos no Brasil entre os anos de 2021 e 2023.

Abraços, afeto e pertencimento. Três vidas que se cruzaram para construir uma nova história de amor e cuidado.
Abraços, afeto e pertencimento. Três vidas que se cruzaram para construir uma nova história de amor e cuidado. - Reprodução/Instagram @eai.gaah

Como adotar no Brasil: passo a passo

O processo de adoção é gratuito e deve ser iniciado na Vara de Infância e Juventude mais próxima de sua residência. A idade mínima para se habilitar à adoção é 18 anos, independentemente do estado civil, desde que seja respeitada a diferença de 16 anos entre quem deseja adotar e a criança a ser acolhida.

Os principais passos incluem:

  • Pré-cadastro no portal SNA – CNJ: Realizar o pré-cadastro no portal do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA).
  • Requerimento e documentação: Procurar a Vara da Infância e da Juventude da cidade para preencher requerimento específico e entregar a documentação necessária.
  • Curso de preparação: Participar do curso de preparação psicossocial e jurídico para a adoção oferecido pelo Poder Judiciário.
  • Avaliação psicossocial: Participar das entrevistas realizadas pela equipe técnica do Fórum e receber a visita da equipe técnica na residência.
  • Sentença de Habilitação: Após a avaliação, aguardar a sentença de habilitação e inclusão dos pretendentes no SNA.
  • Para mais informações, acesse o Portal do CNJ.

Representatividade que acolhe

Gabriel destaca a importância de tornar pública a história da família: “Contar nossa história não é sobre status, nem busca por aplausos. É sobre mostrar que toda forma de amor é válida.” Para ele, a visibilidade importa, especialmente quando se trata de afetos que fogem da normatividade.

“Que nossa filha cresça sabendo que é amada — não importa como chegou até nós, nem a forma da nossa família”, afirma. E conclui com uma mensagem que reverbera como convite: “Se você sente esse chamado no coração, vá em frente. A adoção transforma vidas — e não só a da criança, mas principalmente a dos pais e das pessoas ao redor.”