Três irmãos, dois pais e uma história de adoção: “ouvimos ‘pai’ nos primeiros minutos”

Em homenagem ao Dia Nacional da Adoção, conheça a história inspiradora de Carlos e Lucas, um casal homoafetivo que adotou três irmãos biológicos

21/05/2025 14:45 / Atualizado em 26/05/2025 11:15

No domingo, 25, é celebrado o Dia Nacional da Adoção. Para o casal Carlos Henrique Ruiz, de 38 anos, e Lucas Rabello Monteiro, de 33, essa data representa muito mais que uma causa: é um retrato do que vivem todos os dias ao lado dos filhos Kawã, Edgar e Ketlin Ruiz Monteiro.

Kawã, Edgar e Ketlin chegaram para formar uma nova família com Carlos e Lucas.
Kawã, Edgar e Ketlin chegaram para formar uma nova família com Carlos e Lucas. - Acervo pessoal

Juntos há 16 anos, os dois professores paulistanos sempre souberam que seriam pais: “a adoção sempre foi nossa ideia principal para nos tornarmos pais”, conta Carlos em entrevista especial à Catraca Livre.

O sonho ganhou contornos reais em 2015, quando o Supremo Tribunal Federal reconheceu o direito de casais homoafetivos à adoção. A partir daí, eles começaram a se organizar.

Como começou o processo de adoção?

O processo de habilitação foi iniciado em janeiro de 2019 e concluído em novembro do mesmo ano.

Para fins de informação, o processo de habilitação na adoção é a etapa em que a Justiça analisa se a pessoa ou o casal está apto a adotar. Isso é feito por meio de entrevistas, cursos preparatórios, avaliação psicossocial e análise de documentos. Somente após essa fase é possível entrar na fila de adoção.

Inicialmente, o plano do casal era adotar duas crianças pequenas. Mas tudo mudou quando receberam, por WhatsApp, uma mensagem com as iniciais, as idades e a origem de três irmãos do Rio de Janeiro.

Sem fotos, sem rostos. Ainda assim, algo bateu forte: “sentimos que eram nossos filhos, relembra Carlos.

O encontro que virou família

Kawã tinha 12 anos, Edgar 9 e Ketlin apenas 5. Os três estavam em uma casa de acolhimento desde 2017 e tinham acabado de passar por uma tentativa frustrada de adoção.

O próximo passo seria a adoção internacional. Mas a conexão com Carlos e Lucas mudou o rumo dessa história.

Carlos e Lucas iniciaram o processo de habilitação para adoção em 2019.
Carlos e Lucas iniciaram o processo de habilitação para adoção em 2019. - Acervo pessoal

O primeiro encontro aconteceu em plena pandemia da covid-19. “Não tivemos acesso à fotos, então a primeira visita à casa de acolhimento era também o nascimento dos nossos filhos para nós, conhecer seus rostos, segurar suas mãos, ouvir suas vozes, tudo foi muito forte para nós”, relata o pedagogo.

Em meio a muita ansiedade, eles foram apresentados pelas psicólogas e conduzidos a uma sala para conversar.

Foi nesses primeiros minutos que ouvimos ‘pai’ pela primeira vez. Nossos corações estavam explodindo de emoção, uma sensação muito diferente. Éramos pai! Essa palavra foi bastante impactante para nós, principalmente porque não esperávamos que fosse tão rápido.”

A conversa fluiu com naturalidade. Edgar queria saber quem lavava a louça na casa deles, Ketlin queria garantir que alguém cuidaria do cabelo dela, e Kawã queria mostrar suas plantas.

Mas, na despedida, o momento mais marcante: “almoçamos com eles e, aproximando-se do fim do nosso encontro, Kawã se afastou. Quando fomos dar tchau a ele, ele olhou nos olhos do Carlos e perguntou: ‘vocês vão voltar mesmo, né?’ […] Partimos para nossa casa despedaçados“, conta Lucas, que é professor de língua portuguesa.

Quais foram os principais desafios? E a adaptação das crianças?

Durante um mês, as visitas aconteceram nos fins de semana. Até que no dia 18 de julho de 2020, os irmãos puderam ir para casa pela primeira vez para um período de 15 dias — e nunca mais voltaram para o abrigo. A guarda provisória foi concedida, e uma nova etapa começou.

Sem terem preparado o quarto antes, Carlos e Lucas improvisaram um acampamento na sala. “Queríamos que eles participassem das escolhas de tudo. […] Queríamos conhecer nossos filhos, o mundo deles, só depois apresentar o nosso. […] Descobrir o que pensavam, o que comiam, que tipo de músicas ouviam.” Essa escuta ativa foi essencial para o vínculo.

Os desafios chegaram com a fase de adaptação. Os três filhos não eram alfabetizados. Então, com as aulas remotas por causa da pandemia, os dois assumiram os papéis de pais e professores simultaneamente.

Nosso maior desafio no começo foi estabelecer a rotina. Não foi nada fácil, pois estávamos criando laços afetivos, dando conta da educação escolar, estabelecendo rotina, noções de pertencimento, letramento racial e ainda tendo que administrar uma nova realidade familiar em meio à pandemia.

A adaptação completa levou cerca de dois anos. “Todos estávamos aprendendo a ser pais e filhos. Um dos maiores desafios foi estabelecer essa noção de pertencimento e constância. Aquela era a nossa família. E nossos filhos precisavam se sentir pertencentes.

Kawã, Edgar e Ketlin são irmãos biológicos.
Kawã, Edgar e Ketlin são irmãos biológicos. - Acervo pessoal

Sem negar o passado e com força para o futuro

As crianças chegaram com histórias e traumas anteriores à adoção, que nunca foram escondidos.

Sempre foi algo tratado com muita naturalidade com nossos filhos. A história deles faz parte de quem eles são, no início ela estava muito mais presente, era uma memória dolorosa e muitas vezes tratada com sentimento de raiva. Com o tempo, muita conversa e também com acompanhamento terapêutico, tudo foi se ajustando. Hoje em dia, nossos filhos conseguem olhar para trás sem esse peso.”

A adaptação levou cerca de dois anos, com apoio terapêutico e muita conversa.
A adaptação levou cerca de dois anos, com apoio terapêutico e muita conversa. - Acervo pessoal

O que mudou com a paternidade? “Completamente tudo”, resume o pedagogo. O casal conta que passou a ver o mundo com outros olhos e as preocupações e os sonhos mudaram.

Nossa relação é muito gostosa, criamos um espaço seguro para que todos possam tratar sobre qualquer assunto sem receios. Não somos perfeitos, temos nossas diferenças, nossos desafios… são 2 adolescentes, 1 criança e 2 adultos… mas somos uma família unida, cheia de afeto e buscamos sempre melhorar“, pontua com emoção.

A família está cada dia mais unida. Atualmente, Kawã tem 17 anos, Edgar está com 14 e Ketlin com 10.
A família está cada dia mais unida. Atualmente, Kawã tem 17 anos, Edgar está com 14 e Ketlin com 10. - Acervo pessoal

Rede de apoio, humor e afeto

Segundo o casal, durante todo o processo de adoção, uma rede de apoio foi fundamental. Atualmente, estar em contato com outras famílias formadas por adoção, amigos, familiares e profissionais, como psicólogos, faz toda a diferença.

Muitas famílias convencionais não vão entender o que estamos passando, existe uma empatia muito grande quem passa pela adoção em situações que muito provavelmente outras pessoas julgariam de forma condenatória.”

Além disso, o preconceito ainda existe. “Na internet, recebemos alguns comentários homofóbicos que tentam desvalidar nossa paternidade e deslegitimar nossa família, mas esses comentários são minoria perto de todo amor que nossa família recebe”, destaca Carlos. O casal acumula mais de 500 mil seguidores somente no Instagram através da conta @paisde3_.

O casal compartilha a rotina e o amor da família nas redes sociais para inspirar outros.
O casal compartilha a rotina e o amor da família nas redes sociais para inspirar outros. - Acervo pessoal

Desde 2022, a história da família também é compartilhada nas redes sociais e tudo começou com Carlos, que antes compartilhava conteúdos como professor.

Acabei postando um vídeo paródia do ‘Rico Esnobe’, fiz o ‘pai esnobe’ mostrando que meus filhos tinham sido destaques na escola (logo eles que tinham sido recentemente alfabetizados). Esse vídeo viralizou, pois as pessoas começaram a questionar a minha paternidade. Foi então que percebemos que era necessário falar sobre isso, naturalizar famílias como a nossa, falar sobre adoção, dupla paternidade, homoafetividade e interracialidade“, lembra.

O casal reforça a importância da adoção com base em afeto, presença e respeito à história das crianças.
O casal reforça a importância da adoção com base em afeto, presença e respeito à história das crianças. - Acervo pessoal

Com bom humor, Carlos e Lucas seguem inspirando outras famílias e mostrando que o amor — com afeto, compromisso e presença — é o que sustenta qualquer lar.

E para quem sonha com uma história de adoção como a deles, o recado de Carlos é claro: “Siga seus sonhos, seu coração! Não se cobre tanto. Tome bastante cuidado com opiniões alheias de pessoas que não vivem a adoção, ainda existe muitos tabus e preconceitos. Esteja bem com você mesmo e em seu casamento – caso seja um casal. A adoção precisa de uma base muito bem estruturada. Não tenha pressa.”