‘Quase não acreditei’: médica engravidou de gêmeos aos 48 anos após adotar o primeiro filho

Neste Dia das Mães, conheça a história de uma médica que realizou o sonho da maternidade depois dos 45 anos e hoje é mãe de três

09/05/2025 12:32

Aos 48 anos, a médica Ana Marice Teixeira Ladeia viveu o que muitos consideravam improvável: engravidou de gêmeos após anos de tentativas.

Ana Marice com seus filhos: Mathias, Arthur e Anaïs
Ana Marice com seus filhos: Mathias, Arthur e Anaïs - Acervo pessoal

A gestação — desafiadora, mas transformadora — veio depois da adoção do primeiro filho, completando a família pela qual tanto esperou.

Em homenagem ao Dia das Mães, a cardiologista, professora e escritora baiana, atualmente com 63 anos, bate um papo com a Catraca Livre sobre maternidade em suas diferentes formas e fases da vida.

Uma vida dedicada à medicina

Nascida em Caetité, no interior da Bahia, Ana Marice vive em Salvador desde os 16 anos, quando se mudou para estudar.

Aos 18, ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), após ser aprovada nas duas únicas faculdades de medicina do estado à época.

Desde cedo, foi bolsista de iniciação científica já se envolvendo com pesquisa. Fez residência em cardiologia e depois fez mestrado, doutorado e morou na França, onde se especializou em cardiologia pediátrica e ecocardiografia.

Em 2000, já de volta ao Brasil, tornou-se professora da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública e, desde 2013, coordena o Programa de Pós-graduação em Medicina e Saúde Humana.

Além da carreira acadêmica e médica, ela também se dedica à escrita. “Sempre escrevi contos, poesias e romances”, conta. Já publicou livros, participou de antologias e mantém um perfil no Instagram onde escreve resenhas de filmes.

Ela é mãe, médica, professora e escritora
Ela é mãe, médica, professora e escritora - Acervo pessoal

O desejo de ser mãe e o caminho até a maternidade

Ana sempre quis ser mãe, mas o tempo foi passando. Entre uma especialização e outra, a maternidade ficou em segundo plano.

Quando fui viver na França, já com planos de voltar para o Brasil, entendi que estava na hora de engravidar. Eu tinha 32 anos, mas não aconteceu.

A partir daí, vieram anos de tentativas, tratamentos em centros especializados no Brasil e na Europa, e muitas frustrações. Com 34 anos, iniciou fertilizações in vitro, mas a gravidez não se concretizava.

Com as dificuldades, a gravidez foi se tornando algo maior, desafiador, traumático. Eu sempre consegui os objetivos da minha vida que dependiam de mim, mas isso não dependia e era muito desgastante tentar, tentar, e não conseguir.”

Só mais tarde descobriu que, além da endometriose, também tinha uma condição genética: trombofilia, que também dificulta a gestação.

A cardiologista lembra que os procedimentos e as medicações exigiam muito de seu corpo, mas o impacto emocional era ainda pior. “Durante semanas, eu alimentava a esperança de engravidar e, de repente, uma dosagem laboratorial acabava com o sonho. Era muito frustrante.”

Embora tivesse o apoio de médicos, familiares e amigos, chegou a um ponto em que preferia nem compartilhar mais as tentativas e decepções.

Adoção do filho mais velho

Após anos tentando engravidar, Ana compreendeu que o desejo maior não era a barriga crescendo, mas sim um filho nos braços.

Eu já tinha feito inúmeras fertilizações in vitro e não engravidava. Eu não me importava mais em gestar. Eu queria um filho comigo. Então entendi que o caminho de ter o filho que eu tanto queria, era adoção.”

Foi então que ela adotou o Mathias, hoje com 18 anos, seu filho mais velho: “Foi um processo muito lindo. Um encontro de almas.” 

“Ele sempre foi meu filho, só foi gestado em outra barriga. […] Eu o vi desde o dia que nasceu e ele veio ficar comigo no seu terceiro dia de vida“, afirma.

Gravidez aos 48 anos – e de gêmeos

Dois anos e meio depois da adoção, Ana decidiu usar os últimos embriões congelados na Espanha. Estava em paz, sem pressão. Fiz sem a angústia de ter que engravidar, eu estava feliz com minha maternidade. Eu estava mais relaxada, mas também meu tratamento incluiu uma medicação para melhorar a trombofilia“, relata.

E então veio o positivo — pela primeira vez: “quando descobri, quase não acreditei, nunca
tinha dado certo.”

Eu estava atendendo uma paciente quando meu marido me ligou para confirmar o exame. Eu comecei a chorar diante da paciente e expliquei a razão. Acho que ela se assustou, pois não retornou”, relembra, com humor.

Mas não era só um: eram dois. “Quando soube que eram gêmeos, fiquei apavorada com medo de perder os bebês.”

A gravidez foi difícil: anemia severa, refluxo, desnutrição, ameaça de parto prematuro. “Não vou dourar a pílula. Para mim foi muito difícil.” 

Ana precisou de repouso absoluto, uso de ferro venoso e muita psicoterapia.

Parto e primeiros meses com três filhos

Segundo Ana, o parto foi dramático, pois com 8 meses e 2 semanas de gestação, a bolsa rompeu. Como havia usado anticoagulante, a cesariana precisou ser feita sob anestesia geral.

O casal de gêmeos, Anaïs e Arthur, nasceram com depressão respiratória por causa do anestésico, mas logo se recuperaram. E, então, Ana se viu com três filhos pequenos — e quase 49 anos.

Filhos de Ana Marice
Filhos de Ana Marice - Acervo pessoal

Era o meio da vida com três filhos. […] Eu já tinha uma carreira estabelecida, embora com redução de carga horária, 6 meses depois, eu segui com a vida. […] Mas depois do trabalho, era eu, meu marido e as crianças. Inclusive nas madrugadas e quando adoeciam.”

Preconceitos e julgamentos

Sobre ter engravidado aos 48, Ana revela que o maior julgamento veio dela mesma. “Eu achava que não daria conta de levar a gestação até o final. Algumas pessoas também não acreditaram que isso estava acontecendo, mas depois todos ‘festejaram’ essa conquista.

Para lidar com todas essas questões, ela destaca: “a terapia foi fundamental para eu aguentar meus medos.”

Hoje, a médica reconhece o impacto da maturidade na forma como cuida dos filhos. Antes, ela diz que acreditava que seria uma mãe perfeita. “Até eu ter filhos e constatar que sou a mãe possível de ser, com tudo que trago comigo como pessoa”, comenta.

Sou uma mãe presente, protetora, cuidadora, que ajudava nas tarefas escolares. Mas, por exemplo, nunca fui a mãe lúdica de inventar brincadeiras em casa. Por outro lado, fazemos muitas viagens em família, mesmo com eles muito pequenos.”

Médica, professora, escritora e mãe

A forma como se dedica aos filhos também está ligada à sua trajetória profissional.

Com meus alunos, eu sempre fui um pouco ‘mãe’. Talvez mais exigente do que com meus próprios filhos, mas sempre vibrando e apostando nos meus alunos. De certa forma, eu ‘os adoto’ enquanto estão comigo. Como médica, também materno alguns pacientes, está em mim. Como canceriana, ‘a grande mãe’ faz parte da minha essência.”

A rotina de Ana segue intensa: ela começa o dia como mãe, trabalha como médica e professora, leva e busca os filhos na escola, acompanha as tarefas, faz atividade física duas vezes por semana e ainda se dedica aos trabalhos acadêmicos à noite. Quando precisa, encontra nos fins de semana o tempo para escrever seus textos de ficção.

Casada há 40 anos, ela destaca que a parceria com o marido sempre foi essencial para que tudo funcionasse.

A médica é casada há 40 anos
A médica é casada há 40 anos - Acervo pessoal

A médica reconhece que nem sempre foi fácil — e que ainda não é —, mas cada desafio compensa: foi minha melhor escolha e o meu maior desafio. […] Maternidade é questão de essência e não de idade.”

Uma resposta de quem sempre cuidou de muita gente e, depois de anos sonhando em ter a própria família, vai celebrar mais um Dia das Mães com seus três filhos, hoje adolescentes.