João Martins lança ‘Suspiro’, terceiro álbum da carreira, em tempos de pandemia
'O samba é político e de resistência até para quem acha que não'
Por Letícia Motta e Larissa de Aquino
João Martins se destaca nas rodas de samba do Brasil pelas suas expressivas composições tocadas em seu banjo. Antes de “Suspiro”, seu novo trabalho, João gravou dois discos solo, “Juízo que dá samba” (2009) e “Receita pra amar” (2012), além de participações em álbuns coletivos, como “Samba Social Clube – nova geração” (2016).
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Ícone da nova geração do samba, suas letras se espalharam por rodas país afora, entre as quais destacam-se “Lendas da mata” (com Raul DiCaprio), “Amor calmo”, “Lírios d’Oxum” (com Inácio Rios) e “A caixa” (com Pablo Gamarra). De lá pra cá, João fincou pé no circuito de rodas, casas noturnas, teatros, auditórios e lonas do Rio de Janeiro, com passagens também por Portugal e Estados Unidos. E volta e meia tem gravações de seus shows ao vivo pirateadas e vendidas em frente ao Mercadão de Madureira, no Rio de Janeiro, glória suprema do artista popular.
Entre as 14 faixas de “Suspiro”, três delas têm participações luxuosas: Reinaldo na agridoce “Inconsequentes” (Alison Martins, Serginho Madureira, João Martins e Pipa Vieira) – a última gravação do Príncipe do Pagode como convidado em disco pouco antes de falecer em novembro de 2019; Sombrinha no partido “Pretas, brancas e morenas” (Juninho Thybau, PH Mocidade, Luciano Bom Cabelo e João Martins), pérola do humor cínico tão recorrente no samba; e Diogo Nogueira na romântica “Lua no jardim” (Leandro Fregonesi e João Martins).
O álbum, produzido por Leandro Sapucahy e lançado após longos oito anos de espera para os seus fãs, está disponível nas principais plataformas digitais.
Na entrevista exclusiva ao Samba em Rede, o cantor, compositor e instrumentista carioca de 35 anos fala, entre outros assuntos, sobre a importância do samba como movimento político e de resistência; e da relação com seu pai, já que João cresceu embalado pelo som do cavaquinho malandro de Wanderson Martins, instrumentista, arranjador e produtor com longa folha de serviços prestados ao samba.
– O fato de lançar um CD vai na contramão do mercado fonográfico. Por que você não optou por um EP ou vários singles?
Penso antigo às vezes. Fui seduzido pelos álbuns que ouvi durante o tempo: discos, CDs. Isso se transmite na vontade de contar uma história através das faixas de um disco. Pra caber em só cinco, essa história tem que ser muito boa.
– Você é reconhecido como compositor. Tem alguma “forma” que você prefira fazer música?
Forma preferida não tem. A que menos gosto é musicar letras.
– As religiões de matrizes africanas estão muito presentes na sua obra. Nesse álbum você destaca alguma música com essa influência?
“Pai Xangô Menino” (com Leandro Fregonesi e DiCaprio) é uma macumba firme! “Nova Era” (com Fregonesi) tem nuances de arranjo com um ijexá e também remete ao aspecto religioso na sua mensagem. Eu gosto, respeito e saúdo.
– O álbum conta com participações especiais de Diogo Nogueira, Sombrinha e uma faixa com Reinaldo. Qual é a emoção de lançar uma das últimas músicas com a voz do Rei?
Reinaldo foi muito generoso comigo nos recebendo do jeito que recebeu lá em São Paulo. Gravar com ele e depois acompanhar um pouco as gravações do disco dele é algo que vou levar pra sempre. Ele sentia muitas dores, mas mesmo assim sempre pedia pra gravar mais uma faixa dando uma verdadeira aula: lição de vida foda na frente dos nossos olhos!
– Qual o seu papel no cenário atual? Como você vê e contribui para a união dessa galera?
Meu papel é atualizado a cada dia baseado nas coisas que já participei e construí com meus parceiros/amigos/irmãos. Que os próximos capítulos continuem de compromisso com a emoção que o Samba revela nas suas práticas em conjunto. A gente junto rola melhor.
– Vemos que seu pai é um dos seus maiores apoiadores e, provavelmente, ele te inspirou para estar nesse ofício. Há muita troca? Ele te aconselha? Como funciona essa relação profissional?
É uma parceria muito forte. Produzir é uma parte que fazemos com muito prazer. Entender um ao outro como artistas, sugerir um repertório, desenhar, executar os arranjos e todas as etapas de um disco é algo que juntos nos divertimos sempre. Estar junto de amigos músicos no estúdio, estamos sentindo falta…
– Você se realiza muito vendo outros artistas cantarem suas músicas? Existe alguma gravação ou momento marcante?
Outro dia vi o Toninho Geraes dizendo que dá azar contar as músicas gravadas e meio que adotei a superstição. Pra ele, deve ser fácil perder as contas tendo tantas gravadas. Mas ele, assim como eu, deve ficar muito realizado a cada gravação por outro artista, assim como também fiquei bravo com os cantores que mudam as melodias. Brincadeiras à parte: ter Dona Ivone cantando uma parceria nossa foi demais.
– “Suspiro” é um título importante para o momento que estamos vivendo. Quais têm sido seus momentos de suspirar?
Esta música tem um aspecto sombrio e mórbido como os tempos de hoje. Tenho suspirado de alívio vendo pessoas se arrependendo de ter confiado cegamente em políticas que, na verdade, nem combinam com o que elas acreditam, mas que infelizmente as abraçaram. Avisamos.
– Sabemos da dificuldade do artista viver da sua arte, ainda mais em tempo de isolamento social. Quais as medidas em prol da classe artística você entende como necessárias diante do contexto atual?
As crises teoricamente serviriam para as coisas se reinventarem e se ressignificarem. Na real, vejo lives milionárias e aglomeratórias principalmente contrariando as recomendações; vejo o público gostar e cobrar dos artistas “menores” algo tão espetacular quanto os que “inventaram” um novo “mercado”. Haja aspas pra responder as perguntas onde “dinheiro” é resposta intuitiva.
– O samba é um movimento político e de resistência? No que ele efetivamente pode contribuir?
Político e de resistência até pra quem acha que não. Na prática, sinto como se fôssemos fracos demais para resolver e fortes demais pra sermos ajudados. A figura do salvador é o caminho mais fácil e a gente busca essa salvação através de um discurso que a gente nem sabe qual é através de alguém que não sabemos a cara. Seguimos cantando, compondo, lançando e cantando do jeito que der.
– Na quarentena estamos vendo as pessoas falarem muito sobre a importância do acesso à cultura. Parece que precisam passar por um momento difícil para entenderem o papel da arte. O que você acha sobre isso?
É importante aceitar todas as artes e entender que tudo é cultura. O Brasil, com tanta pluralidade, sofre porque não se reconhece em nada que é culturalmente popular e popularmente cultural. Daí bota a cultura num lugar muito distante e se agarra no que é moda e está mais perto.
– Acha que é um momento de reflexão? Qual ensinamento tira desse confinamento?
É algo que nunca pensamos viver. Acho que o ensinamento ainda vai chegar.
Para finalizar, João, vamos de ping-poing:
– Uma música: “A Oitava Cor”
– Uma saudade: microfonia
– Um artista: Miltinho
– Uma fonte de inspiração: Beth Carvalho
– Um amor calmo: ninguém merece
– Uma mulher: tem duas aqui que merecem o mundo
– Um homem: o de palavra
– Um amigo: o copo. Mas sempre brigamos
– Um lugar: Praia do Leme, barraca do Lobato
– Uma frase: chega!
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