Cannabis medicinal é tema de curso voltado para médicos
Cannabis medicinal ganha força entre os pacientes brasileiros, que cada vez mais se informam e procuram esta alternativa natural de tratamento
Com suas propriedades estudadas há décadas e seus benefícios comprovados dia após dia pela ciência, a cannabis medicinal tem ganhado força entre os pacientes brasileiros, que cada vez mais se informam e procuram esta alternativa natural de tratamento. Para garantirem seus medicamentos para diversas patologias, no entanto, eles ainda esbarram em questões como a burocracia, o preconceito e o desconhecimento da comunidade médica, que não possui uma formação específica sobre o tema para receitar canabinoides assertivamente.
De acordo com a Anvisa, só no ano passado foram quase 20 mil pedidos de liberação para compra de medicamentos derivados da cannabis – número já superado em 2021, ainda em setembro, pelas 22 mil solicitações enviadas diante de um “cenário agravado pela pandemia, provocando um aumento ainda maior nos pedidos de importação destes produtos”.
Os registros de mercado no Brasil são otimistas, mas tímidos se comparados a outros lugares do mundo, onde estima-se que a cannabis medicinal tenha movimentado 18 bilhões de dólares no último ano. Por aqui, os 21,9 milhões de reais anotados pelo segmento em 2020 poderiam ser bem maiores, caso os médicos que já receitaram canabinoides não representassem apenas 0,4% dos profissionais com CRM ativo no país.
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“Pacientes que nos procuram para tratar a ansiedade aumentaram demais na pandemia, inclusive, com casos já graves e de manejo difícil, porque muitos demoram para achar um médico confiável e acessível, dados os pouquíssimos que têm essa formação e que são prescritores com experiência”, conta o Dr. Wellington Briques, médico, professor e fundador da Cannabis Academy, comunidade científica que discute e educa profissionais sobre o sistema endocanabinoide (espécie de comunicação entre o cérebro e os processos de quase todo o corpo humano) e as aplicações dos produtos derivados de cannabis medicinal.
“As indicações destes produtos abrangem quase todas as áreas terapêuticas, como no tratamento de ansiedade, depressão e até dores crônicas. Com o foco das pesquisas mudando dos efeitos adversos do THC para os efeitos benéficos de todos os outros canabinoides da planta, frequentemente temos notícias de novas interações com nosso sistema endocanabinoide e de novos produtos que têm componentes, concentrações e potenciais terapêuticos diferentes, nos atualizando para prescrições mais precisas e ajustáveis”, afirma, ressaltando a importância de fomentar ações educativas para a comunidade médica, que hoje não acompanha o ritmo de evolução das pesquisas científicas com o óleo de CBD, por exemplo.
“Somente com cursos de formação é que podemos aumentar o número de médicos que prescrevem canabinoides, sempre com atualizações de estudos, publicações, congressos e novos produtos, melhorando a nossa prática clínica e o acesso aos pacientes. Quem não se atualizar agora, vai ter muito caminho a percorrer depois”, crava o Dr. Briques.
Contra o preconceito: (in)formação correta
Segundo um levantamento da Kaya Mind, empresa de inteligência de mercado de cannabis, a regulamentação do setor no Brasil poderia gerar 117 mil empregos e movimentar 26,1 bilhões de reais em quatro anos. Apesar das perspectivas animadoras do estudo, a realidade até pouco tempo atrás ainda era a de pacientes com dificuldades básicas para ter acesso a um simples frasco de CBD.
“É inacreditável que eu só tenha conseguido medicamento quando me mudei para os Estados Unidos, porque, no Brasil, era impossível encontrar um médico habilitado para me prescrever CBD para insônia. Me sentia mal porque ou não encontra ninguém ou era como se meu problema fosse menor e não merecesse tratamento, mesmo sabendo que existia uma alternativa eficaz e que melhoraria minha qualidade de vida”, relembra Pablo Fosta, paciente de cannabis medicinal há três anos e que recebeu coro de Roberto Alcalde, atleta da seleção brasileira paralímpica de natação, também em tratamento com o composto.
Combatendo a ansiedade com óleo de canabidiol, o nadador lembra que a burocracia para conseguir medicamentos no Brasil não é uma situação nova, mas que hoje, felizmente, já é possível facilitar o processo de pedido médico e a liberação na Anvisa para garantir os produtos necessários.
“Eu como cadeirante conheço várias pessoas com problemas em conseguir remédios convencionais e importantes para a vida em si e para o tratamento da deficiência. Burocracia, receio, ansiedades de não conseguir, falta de acesso. Com o CBD ainda no início, eu vejo uma situação parecida, mas que mesmo com problemas já tenho suporte suficiente para ter o óleo com facilidade, com acompanhamento médico, auxílio da empresa que me fornece e de alguma forma sinto que não estou sozinho, tem sido mais fácil e leve do que imaginei”, conta o atleta, que foi representante verde e amarelo nos últimos Jogos Paralímpicos de Tóquio.
Não bastassem as dificuldades de todo o processo ainda existe o preconceito enraizado sobre o assunto. Susana Schnarndorf, outra representante brasileira nas Paralimpíadas no Japão e paciente de cannabis medicinal, e o Dr. Wellington Briques reforçam que o caminho do conhecimento e do diálogo ainda é o melhor tratamento contra a desinformação.
“Conheci várias pessoas que tiveram dificuldades com autorizações e prescrições médicas para conseguir CBD. Então esse trabalho de mostrar o caminho e ajudar as pessoas a conseguirem esse óleo é fora de série e muito importante, porque está cada vez mais tranquilo falar sobre isso e empresto minha voz para a causa porque me lembro que muita gente desistiu sem tentar”, afirma a nadadora.
“Tanto pacientes como médicos ainda demonstram conceitos muito errados quando falamos de tratamentos à base de cannabis medicinal. Imaginam que é a porta para o vício e outras coisas absurdas. Portanto, é fundamental termos facilidade de acesso à informação e à formação da classe médica, que precisa aprender o manejo, o gerenciamento dos produtos e a sua utilização para cada tipo de tratamento”, destaca, sugerindo outra ação importante para a educação de pacientes e profissionais: parar de chamar os produtos de cannabis medicinal de “maconha medicinal”.
“Esse tipo de comunicação prejudica não só a imagem dos produtos, como prejudica também os pacientes que necessitam de tratamento. Ninguém fala ‘ópio medicinal’ para os opioides”, explica.
Curso pangaia – Cannabis Academy
Com a enxurrada de novidades, canabinoides descobertos, testes de produtos e uma série de inovações, como manter o corpo médico atualizado sobre o tema e inseri-lo dentro dos tratamentos e associações para diversas indicações, doses e casos?
“Começando pelo básico, falando sobre os aspectos da planta e seus componentes, sobre o sistema endocanabinoide, revendo evidências científicas nas principais indicações e discutindo ativamente com os alunos sobre casos, produtos, dosagens e diferentes experiências. O curso da Pangaia em parceria com a Cannabis Academy, por exemplo, foi desenhado para ser prático e para que o profissional de saúde possa utilizar seus conhecimentos para prescrever medicamentos à base de cannabis de maneira prática, direta e segura logo assim que as aulas foram concluídas”, detalha o Dr. Briques, um dos professores do curso.
Para José Renato Bazuchi, Diretor de Negócios da Pangaia, distribuidora de cannabis medicinal no Brasil mencionada pelo médico, investir no mercado canábico exige mais do que visão de negócios quando se transita entre médicos e pacientes que ainda carecem de conhecimento: é preciso educar de maneiras diferentes e ter como pilar fundamental da empresa a disseminação de informação de qualidade.
“Notamos um aumento do interesse médico em prescrever cannabis para uma gama enorme de patologias, porém, muitos deles têm pouca ou nenhuma experiência no ramo, visto que nenhum profissional tinha esta matéria na faculdade. Ao mesmo tempo, infelizmente, ainda vivemos num país conservador em relação ao assunto, e muitos pacientes relatam um mix de preconceito e desinformação médica, que resulta em relutância para a prescrição do canabidiol”, relata Bazuchi, apostando na capacitação médica não só para a segurança clínica do profissional, mas também como fator de sucesso no aspecto mercadológico.
“Nós estamos uns 15 anos atrás do resto do mundo quando o assunto é cannabis medicinal. O crescimento atual do movimento no Brasil é uma vitória não somente para a Pangaia, mas para toda população brasileira que acredita em saúde e bem-estar de uma forma natural. Hoje as pessoas podem ter acesso a uma medicina natural, de eficácia comprovada cientificamente, que pode substituir remédios com efeitos colaterais terríveis e, além disso, estamos conseguindo também capacitar a comunidade médica para trabalhar com segurança”, finaliza.