Cientista edita genes humanos para livrar bebês de HIV
Alteração realizada em embriões chocou a comunidade científica e provocou um intenso debate sobre ética
Às vésperas de uma cúpula internacional sobre a edição do genoma, um pesquisador chinês chocou a comunidade científica revelando ter alterado os genes de meninas gêmeas nascidas este mês, usando uma técnica chamada CRISPR. A alteração feita nas gêmeas enquanto elas ainda eram embriões visava tornar as células das crianças resistentes à infecção pelo HIV, de acordo com o cientista He Jiankui, da Universidade de Ciência e Tecnologia do Sul, em Shenzhen, China.
A alegação do geneticista chinês gerou dúvidas e um intenso debate sobre ética. Cientistas e bioeticistas, preocupados com possíveis consequências inesperadas da edição de genes, classificaram a obra de “prematura”, “eticamente problemática” e até “monstruosa”. Mais de 100 profissionais assinaram uma carta, publicada no site Weibo, na China, condenando o experimento. Os signatários incluem cientistas de algumas das universidades mais proeminentes da China e de institutos estrangeiros como o MIT.
“A caixa de Pandora foi aberta. Precisamos fechá-la antes que percamos nossa última chance. Como pesquisadores biomédicos, nós nos opomos energicamente e condenamos qualquer tentativa de editar genes embrionários humanos sem um escrutínio ético e de segurança”, afirma o documento.
A Sociedade Chinesa de Biologia Celular emitiu uma declaração chamando a pesquisa de “uma grave violação das leis e regulamentos do governo chinês e o consenso da comunidade científica chinesa”. Já a universidade chinesa emitiu uma declaração dizendo que lançou uma investigação sobre a pesquisa, que diz pode “violar seriamente a ética acadêmica normas acadêmicas ”.
“A própria edição do gene é experimental e ainda está associada a mutações capazes de causar problemas genéticos mais cedo ou mais tarde na vida, incluindo o desenvolvimento de câncer”, disse Julian Savulescu, especialista em ética da Universidade de Oxford, no Reino Unido, em uma declaração divulgada pelo Centro de Mídia Científica do Reino Unido. “Este experimento expõe crianças normais saudáveis a riscos de edição genética sem nenhum benefício real necessário”, concluiu.
Como funciona o CRISPR
O chinês He Jiankui disse à Associated Press (AP) que alterou embriões de sete casais durante tratamentos de fertilidade, com uma única gravidez resultante até agora. Em cada caso, o pai era infectado pelo HIV; as mães eram HIV-negativas. O objetivo dele era introduzir uma variação genética natural e rara que dificulta a infecção pelo HIV de seu alvo favorito, as células brancas do sangue.
Especificamente, ele deletou uma região de um receptor na superfície dos glóbulos brancos, conhecida como CCR5, usando a revolucionária técnica de edição de genoma chamada CRISPR-Cas9.
A edição de genes, que deleta ou modifica conjuntos de genes problemáticos em embriões, tornaria a mudança hereditária, sendo – em tese – capaz de evitar evitar a transmissão de doenças que passam de pais para filhos.
Esse experimento é proibido nos Estados Unidos e em muitos outros países. Porém, não está claro se isso se encaixa no ambiente regulatório da China.
Jiankui está programado para falar na cúpula sobre edição genética nesta quarta-feira, mas os organizadores não têm certeza se ele já planejava discutir sua experiência no encontro.