Como uma proteína pode ser a chave para entender a esquizofrenia

Pesquisa da Unicamp revela como uma proteína pode influenciar o surgimento da esquizofrenia, abrindo caminho para tratamentos mais eficazes

Por Caroline Vale em parceria com Anna Luísa Barbosa (Médica - CRMGO 33271)
22/05/2025 10:00 / Atualizado em 24/05/2025 16:30

Uma pesquisa realizada por cientistas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) identificou o papel de uma proteína fundamental na estabilidade da mielina, uma estrutura crucial para a transmissão dos impulsos nervosos.

A pessoa com esquizofrenia acredita estar sendo perseguida.
A pessoa com esquizofrenia acredita estar sendo perseguida. - CasarsaGuru/istock

O estudo sugere que a desregulação dessa molécula pode estar diretamente ligada ao desenvolvimento da esquizofrenia.

O que o estudo descobriu?

Os achados foram divulgados na revista científica britânica Journal of Neurochemistry e indicam um caminho promissor para a criação de tratamentos mais eficazes, que possam melhorar a qualidade de vida das pessoas afetadas pela doença.

A proteína em questão, conhecida como hnRNP A1, está envolvida tanto na formação quanto na manutenção da bainha de mielina, que reveste os neurônios, garantindo o funcionamento correto da comunicação entre eles.

Quando essa proteína sofre algum tipo de desregulação, especialmente durante o desenvolvimento cerebral no útero, pode comprometer o neurodesenvolvimento e, consequentemente, favorecer o surgimento da esquizofrenia.

Disfunção pode ocorrer ainda na gestação, sugere estudo

O transtorno é caracterizado por sintomas que, quando manifestados, já indicam uma condição crônica. No entanto, o estudo aponta que a disfunção da proteína pode ocorrer muito antes dos sintomas serem percebidos, silenciosamente afetando o desenvolvimento cerebral.

A pesquisa reforça a hipótese de que a origem da esquizofrenia está relacionada a processos que acontecem desde a gestação, com a proteína atuando no oligodendrócito — uma célula responsável pela produção da bainha de mielina.

A mielina reveste os axônios — extensões dos neurônios que transmitem sinais — e é essencial para que a comunicação neural ocorra sem perdas. Sem essa proteção adequada, a transmissão das informações entre neurônios fica prejudicada, o que está associado a diversos sintomas da esquizofrenia.

Além de demonstrar a importância da hnRNP A1 na regulação do RNA mensageiro que determina como a mielina é formada e quais proteínas serão produzidas, o estudo destaca que essa proteína parece estar entre as principais responsáveis pelo desencadeamento do transtorno, podendo estar desregulada desde os primeiros estágios do neurodesenvolvimento.

Como o estudo foi realizado?

Os experimentos que embasaram a pesquisa foram realizados com camundongos submetidos a um modelo que induz a perda da bainha de mielina, similar ao observado em pacientes com esquizofrenia e outras doenças neurodegenerativas, como a esclerose múltipla.

Durante o estudo, os animais foram expostos a um composto que causa desmielinização, e posteriormente o tratamento foi interrompido para observar a remielinização.

Também foi aplicado um inibidor da proteína hnRNP A1, que resultou em alterações bioquímicas no cérebro semelhantes às encontradas na esquizofrenia.

O estudo ainda analisou o comportamento dos camundongos e notou que, mesmo com alterações celulares, os sintomas só se manifestam anos depois, o que reforça a ideia de que a desregulação da proteína atua silenciosamente durante o desenvolvimento cerebral, impactando a estrutura do cérebro de forma progressiva até a manifestação clínica da doença.

O que dizem os estudiosos?

Apesar do avanço, os pesquisadores esclarecem que a descoberta ainda não significa uma cura para a esquizofrenia.

Atualmente, não há consenso na comunidade médica sobre a possibilidade de cura total da doença, e o foco permanece no controle dos sintomas.

Muitas pessoas não respondem adequadamente aos tratamentos disponíveis, e mesmo aquelas que melhoram continuam enfrentando dificuldades cognitivas e sociais significativas.

Esse avanço científico representa um passo importante para que novas abordagens terapêuticas sejam desenvolvidas. Contudo, os pesquisadores alertam que ainda é necessário tempo e mais estudos.