Estudo da FMUSP revela função inédita do espermatozoide

Especialista alerta para potenciais impactos da infecção por covid-19 na reprodução assistida

06/09/2024 09:30

Um estudo realizado por pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), publicado recentemente na renomada revista Andrology, encontrou pela primeira vez em mamíferos uma função não-reprodutiva dos espermatozoides.

As descobertas indicam que os gametas masculinos infectados pelo vírus SARS-CoV-2 podem apresentar resposta imunológica semelhante ao mecanismo de defesa celular observado em células do sistema imunológico, como neutrófilos e macrófagos, em resposta a infecções.

Foram estudadas amostras de sêmen de 13 pacientes infectados que desenvolveram covid-19 nas formas leve, moderada e grave, atendidos no Hospital das Clínicas (HCFMUSP), com idade entre 21 e 50 anos, em um período de até 90 dias após a alta e 110 dias após o diagnóstico.

Ao todo, foi identificada a presença viral dentro do gameta masculino de 11 pacientes (84%).

espermatozoide

Mecanismo de defesa

Além de identificar o vírus, o estudo observou que os espermatozoides apresentaram uma resposta semelhante à NETosis, um importante mecanismo de defesa celular dos neutrófilos que envolve a liberação de armadilhas extracelulares (ETs – do inglês extracellular traps) com efeitos antimicrobianos que causam a morte celular do agente agressor.

Este mecanismo foi descrito em diferentes tipos celulares, como neutrófilos, macrófagos, mas nunca antes descrito em uma célula do sistema reprodutivo.

É como se estas células fossem capazes de lançar “teias” de material celular que envolvem e aprisionam o agente agressor, neutralizando-o e impedindo seu poder destrutivo, que – neste estudo, é o vírus SARS-CoV-2, causador da covid-19.

A formação dessas armadilhas extracelulares de DNA pelos espermatozoides é uma resposta biológica a infecções, que visa à captura e neutralização de patógenos.

De acordo com os pesquisadores, os achados são significativos porque sugerem que, mesmo em homens que se recuperaram da covid-19 e cujos testes de PCR no sêmen foram negativos, os espermatozoides podem abrigar o vírus por um período prolongado.

Impactos na reprodução assistida

Isso levanta questões sobre as implicações para a concepção natural e, principalmente, para Técnicas de Reprodução Assistida (ART), em que um único espermatozoide é injetado diretamente dentro do óvulo da mulher.

Acontece que esse espermatozoide é escolhido de forma aleatória por um embriologista, de forma que, tecnicamente, fica impossível saber se aquele determinado ele contém, ou não, às centenas de vírus dentro dele.

“Ou seja, o olho humano não tem a resolução necessária para poder escolher qual espermatozoide injetar no óvulo”, explica o coordenador do estudo e da Unidade de Toxicologia Reprodutiva do Departamento de Patologia da FMUSP, Prof. Dr. Jorge Hallak.

Na concepção natural, os espermatozoides com função defeituosa não teriam a capacidade natural de chegar até as trompas de Falópio e fertilizar o óvulo.

O estudo destaca também a necessidade de precauções adicionais no manejo de pacientes masculinos infectados com SARS-CoV-2 que desejam conceber.

“Isso porque foram encontradas diversas alterações funcionais nos espermatozoides e elevada taxa de dano ao DNA, que afetam a qualidade e a função dos espermatozoides, o que pode influenciar negativamente as taxas de fertilização, a qualidade embrionária e elevar a uma taxa de abortos e de gravidez a termo”, completa o especialista.