Estudo da FMUSP revela função inédita do espermatozoide
Especialista alerta para potenciais impactos da infecção por covid-19 na reprodução assistida
Um estudo realizado por pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), publicado recentemente na renomada revista Andrology, encontrou pela primeira vez em mamíferos uma função não-reprodutiva dos espermatozoides.
As descobertas indicam que os gametas masculinos infectados pelo vírus SARS-CoV-2 podem apresentar resposta imunológica semelhante ao mecanismo de defesa celular observado em células do sistema imunológico, como neutrófilos e macrófagos, em resposta a infecções.
Foram estudadas amostras de sêmen de 13 pacientes infectados que desenvolveram covid-19 nas formas leve, moderada e grave, atendidos no Hospital das Clínicas (HCFMUSP), com idade entre 21 e 50 anos, em um período de até 90 dias após a alta e 110 dias após o diagnóstico.
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Ao todo, foi identificada a presença viral dentro do gameta masculino de 11 pacientes (84%).
Mecanismo de defesa
Além de identificar o vírus, o estudo observou que os espermatozoides apresentaram uma resposta semelhante à NETosis, um importante mecanismo de defesa celular dos neutrófilos que envolve a liberação de armadilhas extracelulares (ETs – do inglês extracellular traps) com efeitos antimicrobianos que causam a morte celular do agente agressor.
Este mecanismo foi descrito em diferentes tipos celulares, como neutrófilos, macrófagos, mas nunca antes descrito em uma célula do sistema reprodutivo.
É como se estas células fossem capazes de lançar “teias” de material celular que envolvem e aprisionam o agente agressor, neutralizando-o e impedindo seu poder destrutivo, que – neste estudo, é o vírus SARS-CoV-2, causador da covid-19.
A formação dessas armadilhas extracelulares de DNA pelos espermatozoides é uma resposta biológica a infecções, que visa à captura e neutralização de patógenos.
De acordo com os pesquisadores, os achados são significativos porque sugerem que, mesmo em homens que se recuperaram da covid-19 e cujos testes de PCR no sêmen foram negativos, os espermatozoides podem abrigar o vírus por um período prolongado.
Impactos na reprodução assistida
Isso levanta questões sobre as implicações para a concepção natural e, principalmente, para Técnicas de Reprodução Assistida (ART), em que um único espermatozoide é injetado diretamente dentro do óvulo da mulher.
Acontece que esse espermatozoide é escolhido de forma aleatória por um embriologista, de forma que, tecnicamente, fica impossível saber se aquele determinado ele contém, ou não, às centenas de vírus dentro dele.
“Ou seja, o olho humano não tem a resolução necessária para poder escolher qual espermatozoide injetar no óvulo”, explica o coordenador do estudo e da Unidade de Toxicologia Reprodutiva do Departamento de Patologia da FMUSP, Prof. Dr. Jorge Hallak.
Na concepção natural, os espermatozoides com função defeituosa não teriam a capacidade natural de chegar até as trompas de Falópio e fertilizar o óvulo.
O estudo destaca também a necessidade de precauções adicionais no manejo de pacientes masculinos infectados com SARS-CoV-2 que desejam conceber.
“Isso porque foram encontradas diversas alterações funcionais nos espermatozoides e elevada taxa de dano ao DNA, que afetam a qualidade e a função dos espermatozoides, o que pode influenciar negativamente as taxas de fertilização, a qualidade embrionária e elevar a uma taxa de abortos e de gravidez a termo”, completa o especialista.