“Gabriel descobriu que tem HIV e resolveu contar pra todo mundo”
Precisamos combater não somente o HIV, mas principalmente o preconceito que gira ao redor deste assunto
O ator Gabriel Comicholi tem 25 anos e atualmente reside na cidade de São Paulo. Aos 20 anos de idade ele descobriu ser HIV positivo e, a partir daí, começou a pesquisar mais sobre o assunto. Ao encontrar informações rasas e deturpadas na internet, ele decidiu fazer um vídeo compartilhando a sua própria experiência para ajudar não somente outras pessoas na mesma situação em que a dele, mas também para principalmente abrirmos um canal de informações e debate sobre o tema, seja você HIV positivo ou não. É sempre importante lembrarmos que educação sexual deveria ser para todos, pois informação e prevenção são as melhores formas de combatermos o vírus e o preconceito.
O primeiro vídeo do Gabriel foi publicado no YouTube em 2016 e teve comentários de diversos profissionais da saúde elogiando a sua iniciativa, inclusive, do médico Drauzio Varella.
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Indetectável = não transmissível
Ter HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) não é a mesma coisa que ter Aids (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida). HIV é o vírus que infecta o sistema imunológico e, ao se multiplicar devido a falta de tratamento adequado, passa a atacar o sistema imunológico, que é o responsável por defender o organismo de doenças. Sem tratamento adequado, o vírus vai se multiplicando no organismo e vira Aids. Pessoas que fazem o tratamento antirretroviral corretamente se tornam indetectáveis, ou seja, a carga viral fica tão baixa no organismo que passa a não ser mais detectável. Desta forma, elas não transmitem mais o vírus, além de passarem a ter uma vida totalmente saudável.
Leia abaixo a entrevista completa com o Gabriel:
A descoberta
No dia 1 de abril de 2016, no dia da mentira, eu publiquei o meu primeiro vídeo no YouTube chamado Descoberta. Eu tinha 20 anos na época e acabado de descobrir que era HIV positivo. O meu conhecimento sobre o vírus ainda era muito pequeno e tudo era muito novo pra mim. Assim que descobri fui para a internet ler sobre assunto e me deparei com matérias sensacionalistas e conteúdos dizendo que minha expectativa de vida tinha sido encurtada. Depois, indo um pouco mais a fundo, vi como o assunto era um grande tabu e que pouquíssimas pessoas falavam sobre isso abertamente. Foi aí que resolvi gravar o primeiro vídeo e colocar minha cara nisso.
A descrição do meu canal no YouTube é “Gabriel descobriu que tem HIV e resolveu contar pra todo mundo!”. Pra mim, ter aberto isso para o mundo não foi uma grande questão e também não me exigiu tanta coragem. Senti uma necessidade em falar sobre o tema e mostrar minha vivência para que outras pessoas não passassem pela mesma situação que passei, pois senti que a desinformação era grande e quis mudar um pouco dessa história.
Educação e informação ajudam a combater o preconceito
O HIV só continua sendo um tabu porque, infelizmente, a nossa sociedade ainda não fala abertamente sobre sexualidade ou educação sexual. Pra mim, é muito estranho as pessoas terem tanto medo de falar sobre uma doença, apenas por ela ser majoritariamente transmitida via sexual. O HIV é um vírus como outro qualquer! E quando começarmos a educar a sociedade sobre sexualidade o assunto passará a ser finamente naturalizado. E não adianta nada falarmos para as pessoas: “Usem camisinha!”, sem elas saberem o porquê, ou como usar o preservativo corretamente. A melhor forma de combater o vírus e evitar o preconceito é com informação, educação e prevenção.
O tratamento faz você ter uma vida saudável
O HIV não espera o 1º de Dezembro (Dia Mundial de Combate à AIDS) ou o Carnaval para aparecer nas nossas vidas, então precisamos falar sobre este assunto o ano inteiro. Vejo muita gente falando que prefere não saber se tem o vírus, e por isso não fazem o teste. Isso é absurdo! O HIV é o vírus causador da AIDS. Se você tem o vírus, por que esperar que os sintomas da AIDS apareçam? Se você tratar o vírus tomando os remédios, você não vai desenvolver a doença e vai ficar indetectável. É muito melhor viver sabendo que tem HIV, porém, de maneira saudável que só o tratamento pode oferecer.
Hoje em dia temos diversos tipos de testes disponíveis, como o de sangue ou o de saliva! Os testes rápidos podem ser feitos gratuitamente na maioria dos postos de saúde ou em CTAs (Centro de Testagem e Aconselhamento) perto da sua casa. Há também os testes detalhados feitos pelo SUS ou laboratórios particulares, além da opção de um teste de saliva que você compra na farmácia e faz na sua casa.
Relacionamento sorodiferente saudável e feliz
Eu vivo num relacionamento sorodiferente há cinco anos. Isso significa que eu sou HIV positivo e o meu namorado não. Nós vivemos uma relação como outra qualquer, pois o fato de eu fazer o meu tratamento certinho, tomando remédio todos os dias, me torna indetectável para o vírus. Ou seja, a quantidade de vírus no meu sangue é tão pequena que nem mesmo o exame detecta mais. Sendo assim, eu não transmito o vírus para ele nem mesmo em relações sexuais sem o uso de preservativos.
A importância do acolhimento e da evolução da ciência
No meu caso, eu tomo apenas dois comprimidos diários que mantém o meu vírus controlado e me mantém saudável. É importante falarmos que todo ano temos novas descobertas e novos métodos de prevenção. O triste é ver a ciência caminhando e o preconceito ficando parado nas nossas vidas.
O acolhimento para quem acabou de descobrir que é HIV positivo é muito importante, pois é ele que faz com que as pessoas sigam seus tratamentos, larguem dos seus medos e se livrem da culpa que a sociedade coloca em quem vive com o vírus.
O SUS salva vidas
Precisamos o quanto antes entender a importância do SUS. Um tratamento que em outros países custa caríssimo, aqui é distribuído gratuitamente por ele. Em cinco dias da minha descoberta eu já estava com minha carteirinha do SUS feita e com meu tratamento em mãos. Tudo muito rápido e fácil, se não fosse isso estaríamos vivendo uma pandemia de HIV no Brasil. O SUS salva a minha vida e a de mais de 920 mil pessoas que vivem atualmente com HIV no Brasil.
Minha atual inspiração
Não é fácil falar sobre um tabu abertamente, ainda mais um tabu relacionado a sexualidade. O que me motiva a continuar produzindo conteúdo sobre o tema é a troca de carinho e informações que isso me proporciona. Eu recebo muitas mensagens de pessoas vivendo com HIV, dos seus familiares e também de médicos e diversos profissionais da saúde. O preconceito e o estigma são grandes, mas saber que eu consigo contribuir de forma positiva na vida de alguém já me deixa bem feliz.
Catraca Livre informa – Conheça leis e direitos que protegem pessoas vivendo com HIV
“No Brasil, a Lei Federal nº 12.984/2014, define como crimes com pena de reclusão e multa:
– recusar ou segregar pessoas vivendo com HIV ou Aids por parte de creches e instituições de ensino de qualquer grau, sejam públicas ou privadas;
– negar emprego ou trabalho em razão da sorologia,
– exonerar ou demitir por esta razão,
– segregar no ambiente escolar ou de trabalho,
– divulgar a condição sorológica com intuito de ofender a honra da pessoa,
– recusar ou retardar atendimento de saúde.
No âmbito trabalhista, pessoas vivendo com HIV ou Aids podem sacar integralmente o valor do FGTS. Para tanto, a pessoa precisa solicitar um laudo médico devidamente assinado, e comparecer à Caixa Econômica Federal, ou fazer o pedido via aplicativo do FGTS. O valor presente na conta será disponibilizado dentro de 05 (cinco) dias úteis. Para admissão e demissão no emprego, é vedado o exame obrigatório de HIV, nos termos do artigo 2º da Portaria nº 1246/2010 da Secretaria do Trabalho. No caso de incapacidade temporária para o trabalho, a pessoa segurada do INSS tem direito ao auxílio-doença. E em caso de incapacidade permanente, elas também têm direito de solicitarem aposentadoria por invalidez, sendo necessário se submeter a perícia.
Pessoas vivendo com HIV ou Aids têm direito a isenção do imposto de renda, conforme o artigo 6º da Lei nº 7.713/1988, e também à gratuidade de tratamento e medicação, conforme prevê a Lei Federal nº 9.313/1996.”
Fonte: Felipe Daier, advogado em Direito Antidiscriminatório e coordenador do Núcleo de Acolhimento da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da OAB-SP.
Produção em parceria com Felippe Canale. Conheça mais do trabalho do jornalista no Twitter e Instagram.