Busca por substituto barato para o leite gera preocupação com segurança alimentar

O litro do leite longa vida chega a ser comercializado por R$ 10 em estabelecimentos

A alta do preço do leite neste mês, além de gerar memes e piadas e de se transformar em um dos assuntos mais comentados nas redes sociais, fez com que muitos brasileiros, na prática, buscassem um substituto mais barato para o alimento -nem sempre com valor nutricional equivalente.

“Podemos dizer que, infelizmente, estamos caminhando para um cenário de insegurança alimentar”, afirmou a nutricionista Maiara Soares. “Esse aumento no preço dos alimentos, em especial do leite, vem resultando no baixo consumo e na baixa qualidade dos alimentos.”

Além de memes e piadas, busca por substitutos baratos para o leite causa risco de segurança alimentar

Segundo a definição da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), a insegurança alimentar ocorre quando um indivíduo não possui acesso físico, econômico e social a alimentos que permitam a sua sobrevivência de maneira saudável e digna.

“A alta no preço infringe o direito do cidadão ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais”, explicou Maiara.

Neste mês, a FAO divulgou relatório no qual indica que quase 30% da população brasileira vive insegurança alimentar moderada ou grave –aproximadamente quatro vezes mais do que no período entre 2014 e 2016.

“Admite-se que a insegurança alimentar no Brasil esteja condicionada pela falta de acesso à alimentação, fator este que depende, predominantemente, da relação entre a renda e o preço dos alimentos”, completou.

A Catraca Livre ouviu Maiara Soares, mestra em nutrição em saúde pública pela USP (Universidade de São Paulo), para saber se é possível substituir o leite e como fazer isso de maneira segura para quem consome. Acompanhe:

O litro do leite longa vida chega a ser comercializado a R$ 10 em estabelecimentos

Catraca Livre: Por causa do preço, muitos procuram um substituto nutricionalmente equivalente ao leite. Esse substituto existe?
Maiara J. Soares:
Os alimentos que podem ser considerados substitutos de leite são os alimentos derivados, como queijos e iogurte, por possuírem valor nutritivo equivalente. Além disso, o leite de outros animais, como cabras e ovelhas, por exemplo, e os queijos e iogurtes feitos a partir desse leite, poderiam ser usados em porções equivalentes às dos laticínios de origem bovina, como substitutos.

Soro de leite ou bebida láctea servem para a substituição?
O soro de leite e as bebidas lácteas não servem como substitutos do leite, pois apresentam uma redução de aproximadamente 50% dos nutrientes. Essas bebidas podem ser utilizadas como complementos alimentares, mas não substitutos.

Bebida láctea é o produto resultante da mistura de leite (51%) e produtos ou substâncias alimentícias não lácteas (49%)
Créditos: Reprodução
Bebida láctea é o produto resultante da mistura de leite (51%) e produtos ou substâncias alimentícias não lácteas (49%)

Na indústria de alimentos o soro de leite é utilizado na sua forma original para produção de bebidas lácteas, por ter alto teor de água e nutrientes, agregando valor nutritivo ao produto e a seus derivados. O soro de leite possui 55% dos nutrientes do leite: proteínas solúveis, lactose, vitaminas, minerais e uma quantidade mínima de gordura.
Já a bebida láctea e o composto lácteo é o produto resultante da mistura de leite (51%) e produtos ou substâncias alimentícias não lácteas (49%). Essas substâncias não lácteas geralmente encontradas nos compostos lácteos são açúcar, óleo de palma, óleo de coco, óleo de canola, óleo de girassol, podendo conter aditivos químicos como corantes, aromatizantes e realçadores de sabor, aumentando a densidade calórica da bebida. Desse modo, essas bebidas acabam fornecendo uma quantidade menor de nutriente do que se o indivíduo tivesse consumido um copo de leite.

Quais são os alimentos que deveríamos combinar para ter acesso aos mesmos nutrientes?
Os alimentos provenientes de origem animal (por exemplo, leite de cabra) e alimentos provenientes de origem vegetal, que são as bebidas vegetais também conhecidas como “leite vegetal” -por exemplo, o “leite de soja”-, além de incluir nas refeições espinafre, couve, brócolis, batata-doce, tofu, sardinha, laranja-lima, feijão vermelho e feijão branco, que são alimentos fonte de cálcio. O consumo regular deles poderia ser usado em associação com outros para atingir-se as metas dietéticas adequadas de cálcio e nutrientes para os indivíduos.

Qual a faixa etária, sem contar os lactentes, que é mais prejudicada pela falta do leite?
A faixa etária mais prejudicada são os pré-escolares, adolescentes, grávidas, mulheres na menopausa e idosos, pois o consumo inadequado de leite pode influenciar na fase de desenvolvimento, crescimento e fortalecimento de ossos e dentes, bem como pode aumentar a chance para o desenvolvimento de osteoporose e doenças crônicas não transmissíveis.

A falta ou a escassez de leite na dieta do brasileiro preocupa?
Sim, a falta de leite é bastante preocupante. Com ela podem vir fatores relacionados a deficiências nutricionais, principalmente de vitaminas e minerais provenientes do leite e seus derivados. Além disso, pode contribuir para a insegurança alimentar e nutricional. Sabe-se que o leite é considerado um alimento completo por ser muito nutritivo, rico em gorduras, proteínas, cálcio, magnésio, potássio, minerais, peptídeos e lactose, e o consumo adequado de leite pode trazer benefícios como possibilidade de prevenir osteoporose, manutenção e reconstituição da pele, dos ossos, dos tecidos cartilaginosos e da matriz extracelular (tecidos) e contribuição com o desenvolvimento saudável das crianças.

O preço do leite

Somado à inflação dos alimentos -aumento registrado em todo o Brasil e em diversos itens da mesa-, o valor cobrado pelo litro do leite nos supermercados assusta, mas tem algumas explicações.

  • O aumento nos custos de produção, como combustíveis e nutrição animal, é repassado para o consumidor final.
  • Entre abril e junho, por causa do clima seco que prejudica as pastagens, a produção de leite é consequentemente menor, e isso também gera a diminuição da entrada do produto nas indústrias.

Desde o final do ano passado, vivemos sob a La Ninã. Nos anos desse fenômeno climático-oceânico, o Brasil costuma ter períodos de estiagem mais longos em algumas regiões do país.