Vitor Fadul, marido de Leandro Karnal, relembra diagnóstico de autismo: ‘choramos abraçados de alívio’

Em entrevista à Catraca Livre, o cantor abre seu coração sobre a descoberta de autismo aos 25 anos e revela como lida com os desafios cotidianos

23/04/2025 09:02

Cantor e compositor, Vitor Fadul tem 29 anos e recebeu o diagnóstico de autismo aos 25. Casado com o historiador Leandro Karnal, ele tem usado sua visibilidade e suas redes sociais para falar sobre o transtorno do espectro autista (TEA) com bastante sensibilidade.

Em entrevista à Catraca Livre, ele compartilhou como foi o processo de descoberta do TEA e os impactos em sua vida.

Vitor Fadul foi diagnosticado com autismo aos 25 anos
Vitor Fadul foi diagnosticado com autismo aos 25 anos - divulgação/Alex Lyrio

Quando Vitor Fadul foi diagnosticado com autismo?

Vitor conta que durante toda a infância e adolescência sentiu que havia algo diferente consigo mesmo, mas preferia ignorar: “confesso que tinha muito medo de descobrir o porquê. Por muitos anos, tentei me encaixar e agir como ‘normal’, dentro do que me parecia o ‘correto’.”

Eu me esforçava para imitar os outros: cheguei a ensaiar em frente ao espelho como andar e rir do jeito que as outras pessoas faziam, tentando não parecer estranho. Mas, no fundo, eu sempre era o ‘estranho no ninho’, aquele que não se encaixava em lugar nenhum“, revela.

O ponto de virada aconteceu aos 24 anos, ao ler um livro sobre personalidades neurodivergentes. Ele se identificou com as características do TDAH (Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade), mas sentiu que havia algo além.

Comecei a investigar, perguntar para pessoas próximas se eu parecia ‘diferente’ para elas. Fui recolhendo essas impressões e, com muita pesquisa, cheguei ao autismo – um assunto sobre o qual eu era totalmente ignorante até então”, relembra.

Após uma série de testes, veio a confirmação em 2021, quando ele tinha 25 anos: autismo nível 1 de suporte.

Lembro que quando o médico me disse o resultado, foi como se uma ficha caísse. De repente, tudo começou a fazer sentido na minha vida, todos aqueles ‘porquês’ que eu carregava desde a infância ganharam uma explicação.

Para ele, o diagnóstico explicou sua própria forma de ser — o que foi transformador. Ainda assim, destaca que o autismo sempre esteve ali, mesmo sem confirmação. “Sempre fui autista, sempre tive minha forma particular de funcionar, somente não tinha ciência que havia um nome para isso.

Leandro Karnal ajudou no caminho até o diagnóstico

Vitor Fadul destaca que seu marido, Leandro Karnal, participou ativamente do processo de diagnóstico. “Acompanhou-me em consultas, quis aprender sobre o TEA, leu materiais que eu mostrava. Eu percebia nele uma vontade genuína de me ajudar a me encontrar.”

O diagnóstico, longe de abalar, fortaleceu e uniu ainda mais o casal: “nosso relacionamento está mais forte do que nunca.”

Quando o resultado veio, nós dois choramos abraçados de alívio. Foi um momento muito bonito, porque ficou claro que aquilo não mudava o amor dele por mim. Leandro sempre diz que não se casou com um autista, se casou com o Vitor, e que entender o autismo faz parte de me entender por completo.”

O cantor Vitor Fadul e o marido, Leandro Karnal
O cantor Vitor Fadul e o marido, Leandro Karnal - reprodução/Instagram/@leandro_karnal

Segundo Vitor, agora ele sente que todas as suas particularidades são genuinamente compreendidas por Leandro. “Sinto que posso ser totalmente eu com ele, sem medo de ser julgado. E ele se sente mais próximo de mim também porque passei a me permitir ser compreendido. O autismo deixou de ser um obstáculo entre nós e virou um laço, algo que ele conhece sobre mim e respeita profundamente.”

O diagnóstico tirou um peso das costas do cantor, que hoje entende por que vivia se sentindo deslocado: “percebi que não era ‘burro’ ou incapaz de aprender, como cheguei a acreditar; apenas aprendia do meu jeito, no meu tempo. Pela primeira vez, entendi por que não conseguia me encaixar, todas as memórias dolorosas foram ressignificadas.”

Desafios diários 

Apesar do alívio trazido pelo diagnóstico, os desafios continuam: “viver o autismo em um mundo que ainda sabe pouco sobre ele é desafiador”, afirma Vitor.

A necessidade de rotina e o desconforto com mudanças e com o convívio social excessivo estão entre os obstáculos enfrentados pelo artista.

No dia a dia, enfrento dificuldades que para outras pessoas podem passar despercebidas. (…) Mudanças inesperadas podem me desestabilizar. (…) É como se meu cérebro fosse programado diferente, enquanto muita gente tira de letra a espontaneidade, eu prefiro antecipar e me preparar”, desabafa o cantor.

Para lidar com esses incômodos, ele passou a avisar as pessoas próximas sobre suas preferências e organizar sua rotina para evitar imprevistos. Além disso, ele sabe reconhecer seus limites e tira pausas quando precisa.

Como o autismo influencia na carreira de Vitor?

Vitor conta que a música é uma parte central de sua vida – e também influenciada pelo autismo. “Minha forma atípica de perceber o mundo acaba sendo também minha forma de criar”, diz.

De acordo com o artista, seu processo criativo é intuitivo, não linear e, por vezes, imprevisível – o oposto da sua necessidade de rotina na vida pessoal.

Em 2023, ele lançou o álbum “Panapaná”, com músicas que refletem sua jornada de autoconhecimento e transformação com o diagnóstico de autismo.

Tudo o que antes eu achava estranho em mim, hoje vejo como parte da minha identidade artística. Eu diria que o autismo me dá um olhar único sobre as coisas e isso transparece no meu som, nas letras, na estética do meu trabalho. (…) Hoje enxergo que ser um artista autista é um ponto forte. Minha criatividade e meu autismo andam de mãos dadas.

Visibilidade e vida pública

Vitor reconhece que o relacionamento com Leandro Karnal trouxe mais visibilidade, mas ressalta que lida com isso de forma cuidadosa e preza por um pouco de privacidade.

Quando, por algum motivo, a exposição pesa, eu e o Leandro nos apoiamos um no outro e nos blindamos dessas interferências externas.

Ele também comenta sobre o lado positivo da exposição: “Ela me permite inspirar as pessoas e difundir informações, seja pela minha história de amor, seja pela causa do autismo que eu abraço ou pelas mensagens que minha música traz.”

Durante este Abril Azul, mês de conscientização sobre o autismo, Vitor compartilha um sentimento de conquista: “sinto um orgulho imenso por fazer parte do espectro autista porque sei o quanto lutei para chegar até aqui. (…) Cada vez que subo no palco, por exemplo, lembro do menino tímido e incompreendido que eu fui, e vejo o quanto ele venceu.

Para Vitor, espalhar conhecimento sobre o TEA para seus “Vitoriosos”, apelido carinhoso dado aos seus seguidores, é mais do que um propósito: é uma forma de transformar realidades. 

Se eu pudesse deixar um recado para quem está se descobrindo autista na fase adulta, eu diria: não tenha medo! Entendo o susto inicial, eu também passei por isso (…). Mas acredite, saber que você é autista não é o fim de nada; pelo contrário. Buscar um diagnóstico não coloca rótulos limitantes em você, mas mostra um caminho para entender melhor a si mesmo.

Quando você entende o que se passa, você se sente livre para ser quem é. Eu passei mais de duas décadas perdido, e sei que teria sofrido menos se soubesse antes. Mas, também aprendi que nunca é tarde para se encontrar. 

E, acima de tudo, não se veja como menos capaz por ser autista. Eu passei anos achando que tinha algo errado ou inferior em mim. Hoje, eu vejo que apenas funciono de um jeito diferente, não é pior e nem melhor. Nossas mentes diversas tornam o mundo mais rico. Você tem suas habilidades, seus talentos, seu jeito único de ser, e nada disso é apagado por um laudo; na verdade, tudo isso pode brilhar ainda mais agora que você se entende. Então, acolha-se e orgulhe-se de ser quem é”, finaliza.

Abril Azul com a Catraca Livre

Neste Abril, mês de conscientização sobre o autismo, a Catraca Livre publica uma série de reportagens para ampliar o entendimento sobre o espectro e suas características. Clique aqui para conferir.