Brasileiro bate recorde do Caminho de Santiago e vira filme

“Quando eu estava na cama do hospital, recebi uma mensagem dizendo que um espanhol tinha batido o recorde do Caminho de Compostela”, conta o ultramaratonista Márcio Villar. “Eu falei: ‘Vou me curar para bater esse recorde'”, completa ele.

Àquela época, superar desafios já não era algo inédito: ele havia corrido no calor do Vale da Morte, na Califórnia, e em temperaturas abaixo de zero, em Minnesota, ambos nos Estados Unidos. Em julho de 2015, entrou para o “Livro do Recordes” ao percorrer 827 quilômetros em uma esteira em um shopping do Rio de Janeiro. Foram sete dias ininterruptos correndo.

O ultramaratonista Márcio Villar percorreu 820 km do Caminho de Santiago em 6 dias, 11 horas e 2 minutos

No começo de 2017, porém, a situação era mais grave: depois de passar por um tratamento para curar uma arterite temporal –doença que inflama as artérias do crânio–, Márcio precisou passar por cirurgias para aplicação de próteses de cerâmica e de titânio entre o fêmur e a bacia. O remédio que ele tomou para tratar da doença danificou os ossos da perna e da coxa, fazendo com que ele ficasse até sem andar por um período. “Eu andava me arrastando de dor”, revela.

Em outubro, após o período de recuperação, Márcio começou a colocar o plano em prática. Comprou as passagens aéreas e embarcou com sua equipe para a França, onde se inicia a famosa peregrinação de 820 quilômetros entre os territórios francês e espanhol –um dos cinco caminhos existentes. Junto com ele, estava o documentarista Fellipe Lopes, que filmou todo o trajeto e o transformou no minidocumentário “Desafiando Limites, disponível no Youtube.

“A proposta era mostrar como as pessoas podem superar seus próprios desafios e, por isso, estamos usando o documentário de uma maneira humanitária. Nunca foi nossa ideia ganhar dinheiro com esse vídeo”, explica ele. “O importante, tanto do projeto do documentário quanto do caminho do Márcio, era levantar fundos para que o Projeto Juquinha não morresse. E isso não aconteceu”, completa.

Feito do brasileiro Márcio Villar virou documentário

O Projeto Juquinha é sediado na cidade de Paragominas, no Pará, e trabalha com crianças e adolescentes portadoras de necessidades especiais. Segundo a própria entidade, hoje são mais de 100 crianças atendidas na região por meio de doações de dinheiro, alimentos e roupas. A cantora paraense Gaby Amarantos é uma das embaixadoras do projeto. No começo deste ano, porém, ele estava em crise e, por isso, Márcio decidiu que, se completasse todo o trajeto do Caminho de Compostela, seus patrocinadores deveriam “apadrinhar” cada criança atendida.

O desafio foi concluído no final de outubro: em 6 dias, 11 horas e 2 minutos –três horas a menos que o antigo recordista, o espanhol Óscar Pasarin–, Márcio é hoje o homem que fez o caminho da França à Espanha em menos tempo. “O Projeto Juquinha ficou conhecido no mundo inteiro”, comemorou ele.

Márcio bateu recorde do espanhol Óscar Pasarin

No mesmo período e ritmo, Fellipe acompanhou o ultramaratonista durante todo o trajeto. “Foi cinema de guerrilha: eu estava sozinho, levando equipamento, iluminação, mochila nas costas, ora viajando de bicicleta, ora de carro, com pouco tempo para dormir, mas, ao mesmo tempo, foi gratificante demais”, finaliza.

O caminho de Santiago de Compostela

Rowerem do Santiago
Créditos: Getty Images/iStockphoto
Rowerem do Santiago

Não existe um único caminho para se chegar a Santiago de Compostela, na Espanha. Na verdade, a peregrinação até a igreja espanhola é formada por diversas rotas possíveis que saem de diversos locais da Europa. Uma das mais famosas –e que Márcio fez– é a que sai de Saint-Jean-Pied-de-Port, na França, e cruza boa parte do território espanhol, percorrendo cerca de 820 quilômetros. Normalmente, quem faz um trecho de até 200 quilômetros de bicicleta ganha o certificado dos organizadores da peregrinação.

“Em termos gerais, quando as pessoas falam sobre o Caminho de Santiago, estão se referindo à rota entre Saint-Jean e Compostela”, afirma a blogueira Raquel Santos, do blog Diários de Compostela.

A peregrinação termina na Catedral de Santiago de Compostela, na Galícia, construída entre os séculos 11 e 12. Nela, está o túmulo de Santiago Maior, padroeiro da Espanha e que, desde sua morte, fez com que os católicos fossem à cidade para oferecer sua devoção. A primeira rota se estendia por toda a Península Ibérica e registrava até a morte de alguns cristãos durante o trajeto. Alguns historiadores afirmam que o Caminho de Santiago foi importante para estabilizar o reino da Espanha com a união dos reis hispânicos, no século 16.

Em 1985, a Unesco, braço para a cultura das Nações Unidas, declarou a igreja Patrimônio Material da Humanidade. Em 1993, o governo da Galícia investiu grandes quantias de dinheiro para promover e revitalizar os caminhos a Santiago, o que levou cada vez mais turistas à cidade. Em 2016, a capital galega bateu o recorde de visitantes em um só ano: cerca de 270 mil pessoas conheceram a catedral durante o período.

Por Vinícius Mendes