Escuridão no céu da Noruega
O mesmo céu que surgiu em São Paulo no dia 19 de agosto surpreendeu os noruegueses em 1885 e inspirou Edvard Munch a criar o icônico quadro "O Grito"
As nuvens negras chegaram chegando no meio da tarde. Pouco depois, ao entardecer em alguns lugares da capital, elas estavam com tonalidades avermelhadas. Todos olhavam assustados o céu apocalíptico que se desenhara. Será o fim do mundo? Data: agosto de 1885. Epa! 1885? Calma aí, não errei o ano. Foi meu relógio que girando ao contrário me jogou nessa data em Oslo, capital da Noruega.
Nesse mesmo dia um jovem pintor norueguês, Edvard Munch (1863-1944) criaria seu quadro mais famoso “O Grito”. Na obra ele se referia ao desespero das pessoas ao encarar aquele céu nunca visto antes na capital norueguesa. Esta história me veio vivinha da silva na tarde de 19 de agosto passado, quando a cidade de São Paulo, do nada, foi coberta por escuridão impressionante.
Ambas capitais tiveram o fenômeno explicado cientificamente. Em São Paulo a explicação foi a chegada de uma frente fria que trouxe nuvens baixas, as ameaçadoras Cumulonimbus. Estas se juntaram à fumaça e à fuligem das queimadas da Amazônia, e também de regiões do Paraguai e Bolívia, formando denso nevoeiro negro.
No caso de Oslo, a certeza recaiu sobre a erupção do vulcão Krakatoa, em 1883, que explodiu numa ilha, localizada entre Java e Sumatra e que foi pro beleléu. As cinzas e os gases da explosão rodaram o mundo várias vezes e na luz solar do entardecer geraram efeitos óticos impactantes. Portanto, vieram de fornadas diferentes, mas o fenômeno foi o mesmo.
Tarado por histórias que li, ouvi e contei, fui para a Noruega. E, um dos capítulos da minha viagem foi conhecer um pouco mais sobre Munch e seu icônico quadro que retrata estranha figura cuja boca se abre em grito perturbador.
É umas das três obras de arte mais parodiadas do mundo: uma série de Andy Warhol nos anos 80, personagens do desenho animado, quadrinhos dos Simpsons, a máscara Ghost face, quase sempre utilizada em filmes de terror, mais recentemente na película ‘Extraordinário’, em brinquedos Lego, e ainda estampa canecas, camisetas, cadernos, guarda-chuvas, e até sapatos.
Sem fazer citações marqueteiras, a verdade é que a Noruega enche a bola de quem gosta de paisagens com certa sedução tanto na primavera (época que fui) como no verão ou inverno com suas paisagens brancas à espera da aurora boreal.
Na dúvida se começava meu roteiro pelos museus de Oslo, ou se já ia direto para Loten, cidade onde nasceu Munch, norte da capital, só duas horas de carro. Como estava no aeroporto, aluguei um carro e parti. Minha decisão foi acertadíssima.
Depois de horas atravessando o Atlântico, mais conexão, meu cansaço desapareceu ao cruzar aquela natureza aliada à hospitalidade dos habitantes. Parava ali e acolá para um lanche e um Ovomaltine, pois sou louco por essa bebida revigorante. Já em outro pitstop que lembrava a varanda de uma casa, e era mesmo, me foi servido um chá com conversa de doido –-daquele tipo de boteco depois de uns gorós–, pois a mulher e o marido só falavam em norueguês e eu em português. Nos divertimos muito com as mímicas, e sai dali com o que me pareceu ser um convite para uma pescaria quando do meu retorno.
Em Loten, depois de me instalar com todo o conforto numa pensjonat, uma pensãozinha, acredite, ainda tive fôlego para pegar uma bike e fazer o roteiro por onde andou Munch. Bingo! Trip perfeita.
No dia seguinte à tarde, voltei para Oslo para conhecer as pinturas de Munch nos museus Munch Museum e no Nasjonalmuseet –Museu Nacional de Oslo. Ali, fiquei sabendo que de infância marcada pela tragédia e pela doença, a seu pai que se opunha terminantemente que se dedicasse à pintura, Munch sofreu ainda com a dependência do álcool. Mas sempre buscou na pintura um meio de cura, de resolver seu caos interior, e mais, de transmitir algum consolo às pessoas que se sentissem desamparadas diante das angústias da vida.
Não é para isso que a arte existe? E também as viagens?