Na arena com os índios yawanawá no Acre

Por Silvia e Heitor Reali, do site Viramundo e Mundovirado

 
 

Oito dias em paragens inexploradas curtindo as festas e rituais para conhecer os yawanawá nos revelou de onde vem nossa paixão pela música e pela dança, nosso gosto de brincar, de se enfeitar e de tatuar a pele. Eis uma viagem rumo à origem do nosso universo onírico

O barqueiro embica a canoa rasgando a areia da única praia que existe por aquelas bandas. Capengas depois de oito horas navegando, enfim chegamos! O sol dourado da tarde deixa a água do rio parecendo purpurina líquida, e o alto barranco ainda não nos deixa ver a aldeia Nova Esperança onde iremos passar os próximos dias. Quer o endereço completo? Terra Indígena yawanawá, rio Gregório, município de Tarauacá, no Acre.

Já no alto do barranco a paisagem que dali se avista nos autoriza a pensar no início da Terra em plena floresta amazônica, quando dezenas de retumbantes crianças de pele cor de canela mostram o coração no sorriso.

Serão oito dias festivos para os yawanawá. O nome da etnia vem de yawa, queixadas e nawa, gente. É o ‘povo das queixadas’, como eles se autodenominam, pois tal qual os animais dessa espécie, vivem e fazem tudo junto.

Na última semana de outubro acontece na aldeia o Festival Yawa. É quando todos vestem saia de palha de buriti, tatuam o corpo com kene –os belos desenhos corporais-– e colocam seus cocares feitos de taboca e enfeitados com penas. E mais radiantes, preparam o gogó, pois tudo é embalado por cantorias. Cada atividade é acompanhada por cantos, os saytí, e cada brincadeira tem um significado e uma lição especial: a do peixe-boi, da abelha, do jabuti, do macaco, da queixada, e do yuxin, os espíritos da floresta.

O trabalho na aldeia é comunitário, há o roçado de mandioca, banana, milho, e plantam também batata doce, mamão, abacaxi, e urucum. Acima de tudo se recusam ter televisão. Mas, nem pense que isso significa que deram as costas à vida moderna. Qual o quê. Utilizam a internet, os jovens frequentam as universidades de Rio Branco, e muitos da aldeia foram participar da Rio + 20. Contudo, a maior força desses indígenas está em receber os visitantes, “a hospitalidade é nossa história’, revela o cacique Biraci Brasil, que vai além: “Não temos histórias de conflitos sangrentos em nossa aldeia. Eu tenho acompanhado que as pessoas olham para os povos indígenas com preconceito e discriminação. Sem nos conhecer, não sabem que somos várias nações, cada uma com sua cultura própria”. Daí o festival que completa 11 anos, compartilhando costumes, espiritualidade, o conhecimento das plantas, cantos, e principalmente a alegria. A festa tem atraído também indígenas da América Latina e do Canadá, além de visitantes brasileiros e europeus.

Antes do início de cada ritual é feito um aquecimento com cantos e movimentação dentro da grande oca. Ao anoitecer, os yawanawá se preparam para a solene cerimônia do chá sagrado, o ayahuasca, ou ‘vinho das almas’ como definem nossos vizinhos peruanos. Feita com cipó jagube e folhas de uma árvore chacrona, a bebida ensina ao pagé onde se esconde a morte, o que provocou determinada doença, se é do corpo ou da mente, e quais os espíritos devem ser invocados para obter a cura.

Os yawanawá regalam-se quando o não índio dança na arena com eles. Se o convidado não quiser ter a pele pintada com tintura do jenipapo, que misturada ao leite da árvore cipá e uma resina cheirosa, resulta em um tom negro retinto, que cada vez que molha fica ainda mais vivo – — que só sai depois de 20 dias– eles indicam a feita com urucum, de tonalidade vermelho zarcão. Dois dias depois, ela já não dá sinais. A frase da atriz Denise Fraga cai aqui perfeitamente; “por que o lazer de nossa vida adulta precisa ser tão adulto?”.

O ritual Mushu Ikinai, por exemplo é um arranca rabo alla indígena. Quando pinta um perrengue com algum amigo ou parente não ficam no bate-boca ou se estapeando. Aquele que se sentiu ofendido convida o agressor para um desafio no centro da roda, e cada um tem direito a dar 3 ou 4 golpes no outro com uma longa vara. A chibatada é tão forte que a madeira se abre em lascas. O grito que surge, misto de dor e de alegria, serve de limpeza do corpo e da mente, e as contas se ajustam no ato.

O bate e volta também funciona na medicina dos yawanawá. O kambô, é uma ‘vacina’ aplicada na perna ou no braço do viajante que aumenta a resistência do organismo contra os vírus. Feita com a secreção altamente tóxica produzida pelo sapo cururu, e utilizada como defesa contra seus predadores. Mais leve é uma mistura feita com cinzas de ervas, rumê, espécie de rapé, utilizada com finalidade de clarear a mente. O tranco é a aplicação: o pó é inserido com um forte assopro do pagé, diretamente nas narinas, por meio de um instrumento feito de ossos de gavião.

Essa inusitada viagem nos mostrou que todos fazemos parte dessa cultura antiga. E ainda nos ensinou a desenvolver nossa florestania, a cidadania do homem com a floresta.

Como chegar

Da capital Rio Branco são seis horas de viagem de carro pela BR-364 até o porto de Tarauacá. De lá são mais oito horas de barco a motor navegando pelo rio Gregório. No percurso até Nova Esperança, aproveite para observar a exuberância das árvores e aves amazônicas, e leve um guarda-chuva para se abrigar do sol.

Onde ficar

As acomodações na aldeia são muito simples, pode-se estender redes de dormir nas casas palafitas dos indígenas, ou nas salas de aula da escola. O ideal é levar roupas leves, maiô, uma rede com mosquiteiro é indispensável, água mineral, repelente, chapéu e filtro solar. Inclua ainda uma mantinha pois a temperatura despenca durante a noite. Há banheiros coletivos e os banhos são no rio Gregório.

Os yawanawá organizam café da manhã, almoço e jantar, mas vale levar algumas barras de cereal, castanhas ou bananas passas para um reforço entre as refeições.

Quem leva: Bosco Turismo (bosco.turismo@gmail.com) e Eme Amazônia (www.emeamazonia.com.br).

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