Ollantaytambo, o abre-alas dos incas
Por Heitor e Silvia Reali, do Viramundo e Mundovirado
Existe aquela viagem em busca de novos experiências e conhecimentos. Assim é o Vale Sagrado, no Peru, um abre-alas para a cultura inca.
Quando o destino é a travessia. Não é segredo para ninguém que o destino número um do planeta é Machu Picchu. Erguida em total harmonia com seu entorno, é uma das estruturas mais impressionantes do mundo. Mas alguém sabe porque cargas d’água foram construir uma cidade no cocuruto estreito de uma montanha com 2.400 metros de altura, sujeito a constantes terremotos e chuvas diluviais? Para que o imperador dos incas, Pachacuti, pudesse estar em permanente contato com os deuses, ora! Os construtores –sem nenhuma ferramenta– aprenderam a dominar a terra, a pedra, a água, e até mesmo o sol.
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Sua complexa construção e incrível adaptabilidade ao lugar, desperta a admiração de arquitetos, astrônomos, engenheiros, urbanistas, agrônomos, ambientalistas, arqueólogos, além de viajantes e de aventureiros que de cada um têm um pouco.
Para melhor curtir a estonteante beleza da cidade inca quisemos saber mais sobre sua história. O ideal, além de ter mais graça, é aprender viajando já a caminho de Machu Picchu, cruzando o Vale Sagrado ladeado de altíssimas montanhas.
Viajantes que foram antes de nós contam que o Vale Sagrado era apenas uma passagem e o cenário visto da janela do trem, ia só atiçando o gosto deles saltarem em cada curva. Com mais sorte e menos sobressaltos, pudemos descer do trem e nos hospedar em coloridíssimas pousadas, alugar uma bicicleta ou mesmo ir a cavalo até a vila mais próxima, para conhecer os atrativos de cada uma. Com todos os sentidos despertos, colhemos tudo como uma amostra de como os incas viviam: as técnicas de plantio, a canalização da água para irrigar as plantações, como eram suas casas, e até mesmo como se vestiam pois, pouco ou quase nada mudou por ali.
Na aldeia de Pisac, por exemplo, reina a cor na feira indígena, desde os tecidos feitos em teares manuais, nos corantes vegetais, nas frutas, e nem mesmo as batatas escaparam: há uma com surpreendente cor lilás que encantou o chef espanhol Ferran Adriá. Sem contar o milho de grãos enormes e tenros com tonalidades que vão do amarelo palha ao negro, e às vezes bagunçando todas cores juntas numa mesma espiga.
Há uma ala dedicada ao artesanato, e eu afirmaria sem medo de exagerar que é um dos mais belos do mundo. Claro que há os mais descartáveis e baratos, mas uma vista apurada poderá encontrar aqueles feitos com mais capricho, vibrante em cores e grafismos e que mescla o fazer antigo com toques modernos. Incensa o ar o aroma do milho cozido ou das panquequinhas de milho assadas na chapa. E, ainda tivemos sorte de ver um ritual dedicado a pacha mama, onde os camponeses dançam e tocam os mesmos instrumentos musicais usados pelos incas.
De uma vila a outra muitas vezes seguimos lado a lado do rio Urubamba que passa rugindo. Ao nos apresentar o rio os nativos fazem quase uma reverência e pronunciam seu nome com os ‘as’ bem abertos, o que parece impor mais solenidade e respeito. É um rebuliço de águas que cavalgam em disparada sobre enormes rochas. Dá para entender porque os incas ergueram as aldeias com suas plantações distantes das enchentes do endiabrado rio.
Ainda mais uma parada antes de chegarmos ao grande destino. A vila bem preservada de Ollantaytambo é banhada pelo rio Vilcanota que fertiliza as terras onde se cultivam milho, batata, ervas medicinais, e sobretudo a quinoa –os mesmo alimentos básicos dos incas. Ali as casas construídas em pedra ladeiam vielas estreitas por onde, em acequias, corre a água proveniente do degelo das altas montanhas. O som da água é encantador e imagino que acolhe o sono apesar do frio gélido. Daí os incas criarem as lhamas de cuja lã eram feitas suas roupas.
Devagar começamos subir as centenas de degraus montanha acima para ver as ruínas da antiga cidade com amplas terraças para o cultivo e a canalização da água. A mesma técnica porém, estudada para suportar os frequentes abalos sísmicos, veremos quando enfim chegarmos em Machu Picchu.
Agora sim, muito mais preparados, poderemos ver com olhos de arquitetos, de agrônomos, de urbanistas, e se decidirmos passar a noite lá em cima com olhos esbugalhados de astrônomos, seguir o caminho e curtir muito mais a cidadela sagrada.