Salay, a dança que atrai jovens em SP e é moda na Bolívia
Apresentações da dança típica boliviana acontece todos os domingos na Praça Kantuta, no Pari, na região central da capital
O salay, dança cujo sapateio representa a semeadura da terra e o flerte de um casal ao mesmo tempo, se tornou nos últimos anos uma das preferidas dos jovens bolivianos — seja no país ou em territórios para onde eles migram, como São Paulo e Buenos Aires, na Argentina.
“O passo rememora o cultivo e se mescla com o romance do homem e da mulher, similar ao do lavrador quando planta uma semente, e arrastando a terra para protegê-la e fazê-la florescer”, conta Ubaldo Romero, diretor de Cultura e Turismo do departamento de Cochabamba.
A dança é, na verdade, uma compilação das festas de comunidades dos vales de Potosí, Chuquisaca e Cochabamba, na Bolívia, durante as épocas de semeadura e colheita.
Em Villa Serrano, no departamento de Chuquisaca, assim como em regiões ao norte de Potosí, ela é conhecida como salaque e se dança ao som de um instrumento típico andino: o charango.
Já em Cochabamba, o salay combina o sapateio erótico com o flerte: o jovem tenta chamar a atenção da garota fazendo movimentos atraentes e chamativos. Quando a dança nasceu, os homens vestiam camisas de manga larga, e um colete, uma faixa (chumpi), calças e sapatos brancos.
As mulheres, por sua vez, usavam um chapéu de lã de ovelha adornado com fitas com as cores do arco-íris e telhas de terra e em degradê, simbolizando o calendário de Santa Vera Cruz e a Festa dos Mortos. A blusa leva detalhes do mesmo material da saia, com uma faixa que deve estar cinco centímetros acima do joelho, e abaixo um eixo preso ao corpo e sapatos brancos de salto médio.
Mistura de ritmos
Nos últimos anos, porém, o ritmo se misturou com o huayño (ritmo peruano) e o traje foi modificado.
Segundo Ubaldo Romero, “a dança teve uma evolução, se ampliou, se modificou os passos, a coreografia, as vestimentas e em alguns detalhes tem semelhanças com danças peruanas, mas isso não quer dizer que é peruana: segue sendo uma dança boliviana. Hoje em dia há mais de 30 fraternidades com filiais nos EUA e na Europa”.
Jiovanna Illanes, presidente da Fundação Sumaj Kausay Tucuypaq, revela que o salay foi dançado pela primeira vez na região de Vallegrande, no departamento de Santa Cruz, por iniciativa de José Ananías Arias, que ensinou os passos a um grupo de jovens em 1987.
A dança ficou conhecida graças à fraternidade Fundadores e, um ano depois, foi criado um grupo de salay entre os alunos da faculdade de Direito da Universidad Mayor de San Simón, em Cochabamba. Nos anos 1990, com várias fraternidades de salay, a dança até então rural se tornou uma moda entre os jovens urbanos.
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A origem do salay, no entanto, é o sapateio, dançado por homens e mulheres em festas comunitárias conhecidas como “quintas”. Nelas, o passo era sempre acompanhado pelo charango, um instrumento típico do camponês boliviano, do comerciante andarilho e dos centros mineiros em que os trabalhadores de origem rural o tocavam em suas festas. O huayño peruano, da mesma forma, é um ritmo tradicional das classes subalternas do Peru, onde o charango é acompanhado do acordeon e do violão.
Segundo o historiador boliviano Antonio Revollo Fernández, o salay é um produto cultural do sapateio que se manifesta de maneira tradicional e popular em certas comunidades durante as festas comunitárias. O significado da palavra salay pode se referir aos imperativos “me ame” ou “me queira”, mas também pode se referir à palavra “viditay”, que significa “meu amor”. O passo denota um flerte do homem com a mulher ou vice-versa.
Ao longo desses 30 anos, alguns diretores de fraternidades realizaram uma mescla da dança original com o huayño peruano, incorporando movimentos e ritmos, o que gera suspeita — há quem diga que é um ritmo importado. É por isso que a Bolívia organiza anualmente um festival internacional — quando companhias aéreas chegam a baixar os preços das passagens aéreas –, para mostrá-la como originalmente boliviana, com o objetivo de proteger a dança como uma herança cultural do país.
“É o que a gente mais exporta: cultura”, comenta a assistente contábil Katherine Rojas, boliviana que trabalha em São Paulo e dança o salay aos finais de semana.
Mais jovem
A coreografia e a música evoluíram, a dança sofreu mudanças e a música incorporou instrumentos eletrônicos, de corda e de percussão, tornando-a mais atrativa e “contemporânea”, argumentou Romero. Hoje em dia, o salay é uma dança primordialmente jovem: migrantes bolivianos em várias partes do mundo atraem seus colegas nativos para os ensaios e as apresentações, como acontece em São Paulo todos os domingos na Praça Kantuta, no Pari, na região central da capital.
“O salay é uma dança aberta para todos: não é fácil aprender, mas a fraternidade tem esse nome justamente por ser um grupo muito fechado de amizade e de aprendizado. Tanto os migrantes bolivianos podem se sentir em seu país como os brasileiros podem conhecer um pouco mais da cultura andina”, diz Rojas.
“A dança começou a entrar entre os jovens a partir de 2016 e ficou mais popular ainda com a ajuda de grupos folclóricos que passaram a compor algumas canções mais alegres para dançar. Assim, acompanhada da música, a dança está em seu auge na Bolívia”, revela Rojas.
As fraternidades
A fraternidade mais antiga é a Salay Cochabamba: tem 19 filiais espalhadas pelos Estados Unidos, pela Europa e pela América do Sul, contando com 800 dançarinos apenas na sua sede boliviana. Em São Paulo, uma das maiores fraternidades é a San Simon, que costuma se encontrar nas manhãs de domingo no Parque da Juventude, na zona norte, para os ensaios.
O salay foi declarado recentemente patrimônio cultural de Cochabamba e agora busca o título departamental e nacional. Segundo Romero, o trabalho de sua pasta é criar um marco normativo para proteger a dança de “possíveis riscos de usurpação”.