Trio faz reparos nas ruas para incentivar a cidadania
O artista plástico Rodrigo de Morais Machado, de 45 anos, enxerga naqueles que dedicam sua vida à arte uma predisposição para fazer algo sem esperar em troca uma recompensa – financeira, por exemplo. Para ele, o ato de doar “é natural”, um pensamento que o acompanha no projeto Serviços Gerais, que criou junto com os cineastas Filipe Machado, 33, e Gustavo McNair, 32. Desde 2011, o trio se especializou em realizar pequenos reparos nas ruas da cidade de São Paulo, fazendo do conceito de intervenção urbana uma forma de cuidar do espaço público e incentivo à cidadania.
O objetivo do projeto vai além do resultado pontual das reformas, que incluem ações como recolocar pastilhas em calçadas, ajustar postes de sinalização e mesmo revitalizar praças. A “Trinca” – assim o grupo se autodenominou –, que emprega recursos próprios – não só monetários mas também o tempo – nessas tarefas, quer “consertar” a relação que as pessoas em geral mantêm com o espaço público que frequentam.
Para tanto, resolveram interferir no cenário urbano como “artesãos do bem”, produzindo vídeos sobre esses trabalhos e os postando em um Tumblr para ampliar o seu alcance. As filmagens já foram exibidas em mostras em São Paulo e Belo Horizonte.
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As intervenções – foram, no total, 45 até hoje – têm, claro, seu efeito prático. Ainda maior que ele, porém, é o impacto social que exercem, como demonstração de que é possível ter um olhar de cuidado em relação às “áreas comuns” da metrópole.
“Muita gente passa pela por esses espaços como passa pela vida, sem procurar fazer a diferença”, filosofa Rodrigo Machado. “Eu possuo uma relação muito íntima com São Paulo e sempre tive vontade de interagir de uma maneira especial com a cidade.”
Foi no final de 2011, em um grupo de discussão sobre arte na Oficina Cultural Oswald de Andrade, no Bom Retiro, que ele teve a ideia de usar suas habilidades manuais para botar a mão na massa pelas ruas paulistanas.
Na mesma época, conheceu Filipe e Gustavo em um trabalho que fizeram juntos para o festival de música SWU, então realizado na cidade de Itu (SP).
Ao expor seu plano para os dois, percebeu que estavam em sintonia – queriam fazer algo para melhorar o espaço urbano, mas não sabiam ainda exatamente como.
“A ideia inicial era sair pelas ruas para realizar algum tipo de intervenção artística”, lembra Rodrigo. “Juntei, então, algumas ferramentas básicas, como alicate e martelo, e passei a andar pela cidade. Foi quando vi uma cerca de arame danificada na estação Ana Rosa do Metrô, na Vila Mariana, e aquilo me incomodou. Na hora meu pensamento foi o de que aquilo eu conseguia arrumar.”
E arrumou de fato. “As ideias para as intervenções que começamos a fazer depois dessa primeira também surgiam assim: eram coisas em que a gente batia o olho e percebia que nós mesmos poderíamos consertá-las.”
O projeto ajuda a desconstruir a percepção de que, se alguém bota a mão em algum patrimônio público, o faz com o intuito de danificá-lo.
Aconteceu no viaduto Santa Ifigênia: passantes chamaram a polícia para denunciar um grupo que estava quebrando o piso.
Era justamente o contrário – a turma em questão era a dos Serviços Gerais, que promovia mais uma de suas empreitadas de melhoria no “quintal” paulistano. “Compramos pastilhas da mesma cor das que estavam danificadas na calçada e estávamos colando as peças novas”, descreve o cineasta Filipe Machado.
O episódio prova que, muitas vezes, a diferença parte de um olhar. Ou “do coração”, como prefere Rodrigo. “O mundo está doente, seus valores estão deturpados”, diz. “Precisamos de mais ações que não visem apenas ao dinheiro. E de mais união entre as pessoas também.”
Assim, um pequeno conserto torna-se grande pelo efeito multiplicador – e arrumar uma cerca pode, sim, ajudar a reparar danos muito maiores e a fomentar a cidadania. Essa é a principal reforma realizada pelo projeto Serviços Gerais.
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Curadoria: engenheiro Bernardo Gradin, especialista em soluções sustentáveis.