Governança

Saúde mental: 'empresas dependem do bem-estar dos colaboradores'

Empresas dependem do bem-estar dos colaboradores

Heloisa Aun

Mesmo antes do cenário de pandemia, já crescia a necessidade de falar sobre um tema que muitas vezes fica em segundo plano: a saúde mental. O assunto perpassa todas as esferas da sociedade, principalmente na abordagem das relações entre amigos, familiares e ainda dentro do mercado de trabalho. Este último ponto também diz respeito às empresas, que devem criar um ambiente favorável para garantir a estabilidade psicológica de seus profissionais e da população como um todo.

Como a mudança de comportamento pode acontecer? A resposta para esta pergunta norteou o quinto e último evento do Causando Encontros, idealizado pela Catraca Livre e o Festival Path. Com mediação de Mariana Achutti, cofundadora e CEO da Sputnik, o encontro reuniu Maria Susana de Souza, Vice-presidente de Gente, Cultura e Sustentabilidade da RD – RaiaDrogasil, Fátima Mira, psicóloga clínica com foco em saúde mental, Mariana Ferrão, jornalista, fundadora e CEO da Soul.me, e Mariângela Savóia, pesquisadora do Programa Ansiedade do IPq -HC –FMUSP.

Ritmo acelerado, competição, falta de estabilidade econômica e cobrança excessiva: tudo isso acentua a ocorrência de problemas como depressão, ansiedade, Burnout e síndrome do impostor. Como o trabalho ocupa grande parte da vida das pessoas, não há como as corporações se distanciarem dessa questão, como provoca Mariana Ferrão: “Por que até hoje esse assunto não faz parte de muitas empresas? Se a saúde mental é uma condição de bem-estar físico, psicológico e social, o mundo todo precisa entender que, quando estamos bem, ficamos mais motivados e produtivos”.

Maria Susana de Souza, Fátima Mira, Mariana Ferrão e Mariângela Savóia
Créditos: Divulgação / Causando Encontros
Maria Susana de Souza, Fátima Mira, Mariana Ferrão e Mariângela Savóia

Saúde mental é equilíbrio

A saúde mental não é a ausência do estado das chamadas doenças mentais, mas sim, um bem-estar e equilíbrio entre os diversos pontos importantes da vida de uma pessoa. Não é possível pensá-la de forma separada da saúde, segundo Fátima. “Ela ocorre quando conseguimos enfrentar as dificuldades da vida, estabelecemos consciência das habilidades que temos e nos sentimos produtivos. Pensar na saúde mental é pensar na questão relacional”, afirma.

Para Mariângela, quando o indivíduo está com a saúde emocional em dia, isso independe de ele ter ou não um transtorno mental. A pesquisadora pontua que essa problemática também pode nos afetar fisicamente, pois não há dicotomia entre corpo e mente.

Já Fátima acrescenta alguns dos alertas que mostram quando a saúde mental está prejudicada: alto grau de irritabilidade, insônia, sono frequente, alteração nos hábitos alimentares, lapsos de memória, sentimento de fracasso, sensação de desconforto, entre outros.

O lado profissional é estruturante para a vida adulta, em grandes partes dos casos. Por isso, de acordo Savóia, o momento atual é tão delicado. “Cada um desenvolveu sua personalidade de diferentes formas. Dependendo de como ela for, o ambiente de trabalho poderá incitar a ocorrência de um transtorno mental ou não”, diz.

No home office, em que alguns profissionais começam às 8h e terminam às 22h, o emprego veio para dentro de casa e eles estão trabalhando mais do que deveriam e de maneira desorganizada. “É preciso existir um equilíbrio entre trabalho, lazer e relacionamentos com amigos e familiares, mesmo nesse confinamento.”

Mira ressalta que o estresse surge e desencadeia problemas físicos porque não conseguimos dar conta da quantidade de demanda que temos no dia. “É como se pegássemos as nossas 24 horas e dividíssemos de acordo com a quantidade de coisas que temos para fazer. O correto é o oposto: temos 24 horas, o que é possível realizar neste período?”, provoca.

A dificuldade de desacelerar existe, pois sempre parece que o indivíduo estará perdendo alguma coisa se ficar “parado”. “Produtividade não é sinônimo de entrega em relação à demanda de trabalho. Ser produtivo é ter momentos de trabalho, de lazer, com a família e também de não fazer nada. A gente tem que começar a dizer não. Isso é um processo de aprendizagem”, completa a psicóloga.

Ambiente de bem-estar nas empresas

Mariana Ferrão inclui um ponto essencial na relação entre a saúde mental e as marcas: “Quem faz as corporações? São as pessoas. Se a gente não tiver a equipe para exercer os valores e construir a cultura, não temos organização. As empresas dependem da qualidade de vida de seus colaboradores”. “Quem já trabalhou em um ambiente toxico ou que tem algum tipo de transtorno mental, sabe o quanto isso é prejudicial para o todo”, reflete.

Hoje, a jornalista lidera a Soul.me, uma plataforma digital de conteúdo focado em qualidade de vida e bem-estar físico e mental, que ajuda as empresas a lidarem com essa problemática no seu quadro de funcionários. À época que criou o projeto, a ideia principal era falar sobre temas relacionados à saúde e que não são “concretos”, como depressão, pânico e medo. “Como já passei por depressão, decidi lançar uma iniciativa para as pessoas traçarem essa jornada pelo autoconhecimento”, relata.

“A plataforma é um pool de conteúdo e, dentro dela, temos alguns cursos. A gente também entrega esses cursos de prateleira para a iniciativa privada, com workshops envolvidos. Tem sido uma troca muito rica, porque, quando a gente reúne no ambiente de trabalho um grupo que se sinta aberto para falar sobre outras questões, isso acaba transformando aquela corporação”, explica.

Dentro da  Soul.me, Ferrão implementou uma prática simples, mas muito positiva, para mostrar um olhar cuidadoso com a equipe. “Construir a relação de confiança é uma via de mão dupla. Eu sempre faço um pequeno check-in quando começo uma reunião para perguntar como as pessoas estão. Ao terminar, faço um check-out. Nisso, você cria um ambiente acolhedor”, sugere.

Maria Susana vive o dia a dia da RaiaDrogasil, que tem o cuidado com a saúde dos colaboradores como um de seus pilares fundamentais. “Nos últimos anos, a sociedade demandou novos desafios por parte das organizações, famílias e escolas, uma vez que o mundo mudou. Nós, na RD, construímos uma jornada que sai do código de quem olha para a doença, para uma empresa que quer promover a saúde”, conta. “Olhamos para a saúde em cinco dimensões: física, mental, social, espiritual e do planeta.”

Com a transformação no modo como trata a saúde, a corporação busca ter coerência entre aquilo que oferece ao cliente e também ao colaborador, pois o posicionamento tem de ser verdadeiro. Entre as ações, a vice-presidente cita uma parceria com o Hospital Albert Einstein, além da criação de um programa que olha para a saúde mental e a implementação de teleconsulta e teleterapia.

Nesse sentido, ela coloca em evidência o propósito desafiador da RaiaDrogasil. “Nós existimos porque somos uma organização que quer cuidar das pessoas em todos os momentos da vida. Temos 40 milhões de clientes e 42 mil funcionários. Cuidar passa por todas as dimensões”, afirma. Para isso, a marca promove outras ações, como o aporte financeiro a hospitais e a implementação de um fundo para doações em situação de calamidade, como a pandemia.

No caso dos líderes, eles têm um papel de disseminadores de uma cultura benéfica a toda a empresa, olhando para as condições de trabalho e suporte em diferentes planos. Para Fátima Mira, um bom líder é aquele que acompanha sua equipe e é capaz de identificar sinais diários de estresse e que podem desencadear problemas mais graves.

Ao mesmo tempo, é necessário que o colaborador busque um processo de autoconhecimento para listar as prioridades e se comunicar com os gestores de forma estratégica.

“Caso a corporação não tenha um olhar para a saúde mental, é importante pedir outras formas de ajuda, como para um amigo, familiar ou psicólogo. Assim, o indivíduo poderá entender como se organizar para mudar de área ou de trabalho, se houver necessidade. A validação dos sentimentos deve acontecer para que a pessoa desenvolva essa confiança”, coloca Mariângela, que ainda dá dicas em como manter a mente sã em tempos tão difíceis. “Faça atividades físicas, tenha momentos de intervalo no período de trabalho e horários para refeições e happy hours”, finaliza.

Causando Encontros

A saúde mental foi a temática do último evento do projeto Causando Encontros, promovido pela Catraca Livre e o Festival Path para conectar líderes de empresas a protagonistas de lutas por diferentes causas da sociedade. Nos quatro encontros anteriores, as conversas tiveram como foco o racismo estrutural, a preservação ambiental, a geração de renda e o combate à violência doméstica.

Confira abaixo tudo o que rolou no festival: