7 vezes em que políticos tentaram disfarçar machismo de ‘molecagem’
Arthur do Val não foi o primeiro político - e provavelmente não será o último - a culpar o “lado moleque” ao desrespeitar as mulheres
Nos últimos tempos, o machismo e a misoginia de figuras públicas brasileiras ganharam um “aliado”. Sempre que a declaração ou a atitude é rechaçada pela sociedade, ou por parte dela, surge a desculpa da “molecagem”. Esse “jeito moleque” – o grupo de pagode que nos perdoe – é usado por homens maiores de idade e com cargos políticos para justificar uma atitude ou declaração machista e misógina.
Há, é claro, variações do tema, como “garoto” e “menino”, mas servem ao mesmo propósito: fazer com que uma ofensa grave ou crime contra a mulher pareçam coisas de Pedrinho, do “Sítio do Picapau Amarelo”. O resultado é uma mistura de falsa inocência e falta de caráter.
Apesar desse novo “aliado”, a misoginia não é uma novidade no Brasil, mas parece ter se intensificado com as redes sociais. Essa violência contra a mulher tem histórico na sociedade brasileira e se reflete na política nacional.
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Segundo a missão de observação da Organização dos Estados Americanos (OEA), nas eleições de 2020, três em cada quatro candidatas à prefeitura de capitais sofreram violência de gênero e quase todas, 97,7%, relataram violência psicológica. Talvez sejam muitos casos de molecagem na vida pública, não é?
“Fui um moleque”
O tema voltou à tona depois do áudio de Arthur do Val, deputado estadual por São Paulo conhecido como Mamãe Falei, sobre as mulheres da Ucrânia ser divulgado. Na gravação, entre outras coisas, ele afirmava que as “ucranianas são fáceis porque são pobres”.
Depois, o parlamentar declarou, em um vídeo publicado nas redes sociais, que aquele é o “lado moleque”.
“Ali, eu tomei a liberdade de ser um moleque”, disse. “Mandei áudios contando vantagem. Mandei um áudio superlativo, usei expressões. Exagerei. Como muitos homens fazem em um grupo de amigos, depois do futebol. Os áudios vazaram, infelizmente”.
Arthur do Val não foi o primeiro político – e provável e infelizmente não será o último – a declarar ou ter atitudes semelhantes.
Quando era deputado federal, Jair Bolsonaro (PL), que considerou “asquerosas” as falas sobre as ucranianas, disse à deputada Maria do Rosário (PT-RS), em 2014, que ela não “merecia ser estuprada por ele”. O presidente foi condenado a pagar R$ 10 mil pelo episódio.
Cinco anos mais tarde, já na presidência da República, Bolsonaro disse, em um café da manhã com jornalistas no Palácio do Planalto, que se um turista “quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade”. A ideia não é muito distante de uma versão “Tour du Blond” tupiniquim.
Em 2020, quando insultou a repórter do jornal “Folha de S.Paulo” Patrícia Campos Mello, Bolsonaro também apelou para questões sexuais. “Ela queria um furo”, disse ele aos apoiadores que riram da “piada”.
Antes de Jair Bolsonaro, havia Paulo Maluf. Bolsonarismo é uma espécie de malufismo com menos vergonha, mais raiva e que se aproveita das redes sociais.
Em 1981, quando era governador de São Paulo nomeado pelo regime militar, Paulo Maluf afirmou que “professora não é mal paga, é mal casada”.
Em palestra na Faculdade de Ciências Médicas da UFMG, em Belo Horizonte, durante a campanha eleitoral à presidência da República, em 1989, Maluf disse: “O que fazer com um camarada que estuprou uma moça e a matou? Tá com vontade sexual, estupra, mas não mata.”
E a “molecagem” afeta a esfera federal, estadual e municipal. Única mulher da Câmara de Canguçu (RS), Iasmin Roloff (PT), de 24 anos, foi eleita, sem se candidatar, ao cargo de segunda vice-presidente da mesa diretora para, segundo declarações de outros vereadores, “embelezar” a comissão.
A sessão, que ocorreu no último dia 22 de dezembro, surpreendeu a parlamentar, principalmente devido às justificativas dadas pelos “moleques”, e repercutiu negativamente nas redes sociais.
“No momento, a sensação foi de inquietação, eu fiquei muito incomodada. Quando os vereadores, todos homens, fazem uma votação e usam como única justificativa a minha aparência, eu sendo mulher acho que se caracteriza como uma violência política de gênero”, declarou Iasmin na ocasião.